Adilson R. Bellé, Juliana Mazurana e Lauro Foschiera
A família Rutkoski reside no município de Sananduva, Rio Grande do Sul, e conta sua história a partir da década de 70, com o casamento do Sr. Ivo (54 anos) e Dona Lourdes (47 anos).
Tiveram dois filhos: Evandro (26 anos) e Fátima (18 anos), que trabalham e vivem junto aos pais. Receberam como herança uma área de 3,5 hectares localizada na comunidade de São Paulo da Cruz, a 30 km da sede do município, região de topografia acidentada e colonizada, em sua maioria, por poloneses e italianos. Mais tarde, a família conseguiu comprar outros 20 hectares com a produção e venda de suínos, feijão e soja, mas sem deixar de produzir para o autoconsumo.
PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
Os Rutkoski sempre tiveram uma postura reservada quanto ao uso de agrotóxicos, principalmente pela preocupação com a saúde. Adotavam apenas em parte o pacote proposto pelo modelo convencional de produção, fazendo uso de pequenas quantidades de adubos químicos em seus cultivos. Aos poucos, no entanto, o sistema convencional foi sendo incorporado à economia da família. Além da falta de alternativa, a introdução desse modelo foi estimulada pela cultura produtiva dominante na região e também pela “pressão” exercida pelos vizinhos. Cresceram assim a dependência de insumos e os custos com a produção. No que se refere aos aspectos econômicos, a renda obtida era baixa. O sistema produtivo pouco diversificado gerava instabilidade e insegurança, tanto econômica quanto alimentar.
Depois da participação do filho em um curso sobre produção ecológica em 1996, a família decidiu tornar a propriedade totalmente ecológica. A transição dos padrões do manejo técnico-produtivo foi rápida, pois perceberam que havia boas oportunidades para fazer um trabalho diferente, com maior liberdade para comercializar e possibilidades de incremento da renda. A família foi pioneira na adoção do sistema ecológico no município, demonstrando a viabilidade da proposta.
Embora a mudança para o sistema de produção familiar ecológico tenha sido rápida, os Rutkoski avaliam atualmente que o processo pensado em termos coletivos deve ser mais lento do ponto de vista técnico e econômico, sendo principalmente um processo educativo, no qual se prioriza a melhoria da saúde.
Anteriormente, a base da produção destinada ao comércio era bastante especializada e se resumia a três ou quatro produtos: milho, suínos, soja e feijão. Atualmente, são cultivados e comercializados 30 diferentes produtos, como, por exemplo, açúcar mascavo, mandioquinha-salsa, melão, moranga, arroz, mel, aipim e batata-doce.
A venda, realizada até então com intermediação da cooperativa ou nas casas comerciais atacadistas, passou a ser feita de forma direta nas feiras. Essa nova dinâmica proporcionou a diversificação dos mercados, maior controle sobre os preços recebidos, além do contato direto com os consumidores e a constituição de uma clientela própria, o que antes não ocorria. O acesso direto aos mercados agora representa 80% da venda da produção da família, que ainda conta com o mercado da cooperativa onde há um espaço destinado ao comércio de produtos ecológicos.
A feira foi fundada em 1997, com o apoio do Centro de Tecnologias Alternativas Populares (Cetap) e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) do município, e serve de espaço para um grupo de agricultores comercializarem produtos ecológicos. Além da assessoria à comercialização, o Cetap apóia os processos sócio-organizativos e de produção das famílias de agricultores dispostas a fazer a transição para a agroecologia.
CUSTOS E RENDA
A agricultura ecológica realizada pela família está baseada, sobretudo, no cuidado com o solo e na conservação e uso de sementes próprias, evitando a utilização de insumos externos à propriedade e, com isso, reduzindo consideravelmente os custos variáveis da produção. Dispondo, assim, de um razoável nível de autonomia técnica e econômica, os Rutkoski praticamente não lançam mão de empréstimos, ainda que considerem que o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf, oferece atualmente alternativas interessantes. Com uma estratégia produtiva diversificada e auto-suficiente, passaram a desfrutar de um padrão relativamente elevado de renda monetária e não-monetária.
Na safra 2003/04, por exemplo, foram produzidos, para o consumo anual da família, cerca de 2.500 kg de alimentos, representando um valor estimado de R$ 4.000,00. Não fosse essa produção, os gastos com a manutenção da família teriam sido evidentemente superiores, se realizados nos mercados locais.
As vendas atingiram um valor bruto de R$27.790,00 e, quando somadas ao autoconsumo, totalizam R$ 31.790,00/ano. Os diversos custos intermediários existentes na propriedade (combustível, manutenção de veículos, insumos orgânicos etc.) somaram R$ 14.240,00. Com isso, a renda familiar mensal chega a R$ 1.458,00, em média, o que possibilitou à família uma poupança mensal de R$ 1.000,00 para futuros investimentos e necessidades emergenciais. Esse padrão de renda, com algumas variações, tem se mantido nos últimos anos.
A situação econômica dos Rutkoski é positiva, não só na avaliação da própria família, mas quando com- parada à situação da maioria dos agricultores familiares de Sananduva e da região que, ao contrário, estão em processo de descapitalização e cada vez mais dependentes de recursos externos, inclusive do crédito.
AGRICULTURA ECOLÓGICA PARA ALÉM DOS ASPECTOS DA RENDA
A melhoria da renda veio acompanhada de outras mudanças e realizações, nas dimensões econômica, ambiental e das vivências, dentre as quais a família destaca:
- A preservação e o uso da biodiversidade são, segundo o filho Evandro, grandes vantagens de ser agricultor ecológico. Cerca de 40 variedades de sementes crioulas e cultivos, que antes não tinham a devida importância econômica, passaram a ser resgatadas e valorizadas, a exemplo do feijão de cor e feijão de vagem, amendoim, mandioquinha-salsa, morangas, ervilha, aipim, milho, arroz, pipoca, melancia, hortaliças etc.
- O planejamento da produção e a organização do trabalho passaram a ser incorporados como uma necessidade pelo núcleo familiar, tornando mais fácil a realização das atividades de forma conjunta;
- A feira possibilita o contato direto com as pessoas urbanas, permite a troca de informações entre quem produz e quem consome os alimentos, fortalecendo as relações entre as partes: o mundo rural e o urbano;
- A filha Fátima destaca as perspectivas como jovem: Nós vivemos bem na agricultura ecológica, temos uma boa alimentação e temos boas condições de vida. Eu estou estudando e pretendo cursar uma universidade. E enquanto planejam seu futuro, os dois jovens exercitam a capacidade de gestão e uma certa independência econômica: Eu tenho minha própria remuneração, posso gastar no que eu quiser, mas minhas amigas não têm a mesma liberdade.
- A tranqüilidade na vida da família aumentou muito, especialmente em relação à saúde, devido à qualidade e à diversidade da alimentação, ao uso da fitoterapia e à possibilidade de acesso ao lazer, além da estabilidade econômica e menor incidência de riscos na atividade;
- Na dimensão ambiental, a família tem convicção de que quanto menos interferir na natureza, melhor será para a produção e para a saúde das pessoas. Chama particularmente atenção para a qualidade do solo onde existe muita vida, como minhocas e outros insetos benéficos para a natureza e fertilidade;
- A opção do filho Evandro de ser agente de saúde possibilita aprender e ensinar coisas novas, como o sistema das trocas comunitárias de mudas e sementes crioulas, por meio da participação ativa na vida das comunidades próximas.
O ABASTECIMENTO LOCAL E A AMPLIAÇÃO DA PROPOSTA AGROECOLÓGICA
A produção da família Rutkoski se destina ao mercado local, o que lhe permitiu desenvolver uma maior capacidade de acompanhamento e gestão das relações técnicas e econômicas entre a oferta e a demanda dos consumidores. Ainda que o centro urbano de Sananduva conte apenas com dez mil habitantes, a cidade importa cerca de 80% dos produtos hortigranjeiros consumidos, conforme estudo realizado pelo Cetap, em 2005.
Face a esse déficit, a família destaca algumas propostas que considera necessárias para ampliar a produção e o consumo de produtos ecológicos no município, dentre as quais: a divulgação continuada das vantagens da agricultura ecológica; a formação e assessoria técnica às famílias agricultoras; a construção de propostas juntamente com os consumidores; o apoio por meio de políticas públicas diversas, que devem dar prioridade para a venda de alimentos ecológicos nos mercados institucionais.
Além disso, os Rutkoski vêm demonstrando aos agricultores familiares da região que é possível e vantajoso, sob diversos aspectos, praticar a agricultura ecológica e assim ter qualidade de vida. A ampliação dessa forma de fazer agricultura depende de um conjunto de ações, mas, em grande parte, está relacionada às atitudes de cada família.
Adilson R. Bellé:
técnico agrícola e graduando em Desenvolvimento Rural pela UERGS, técnico do Cetap.
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Juliana Mazurana:
engenheira agrônoma, técnica do Cetap.
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Lauro Foschiera:
tecnólogo em Administração Rural, técnico do Cetap.
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Baixe o artigo completo:
Revista V2N3 – A economia de base ecológica em pequenas propriedades familiares: o caso da família Rutkoski