Os artigos apresentados nesta edição permitem vislumbrar como a Agroecologia, enquanto inspiração para a elaboração de um novo contrato socioecológico baseado na justiça, na equidade, na solidariedade e na harmonia com a natureza viva, está se desenvolvendo por meio de experiências concretas em diferentes partes do mundo. É preciso avançar nessas experiências para que maiores capacidades de incidência política sejam construídas e que sejam dadas respostas adequadas à crise estrutural de uma sociedade que caminha para o colapso. A pandemia da Covid-19 nos mostra o valor e a importância de sistemas agrícolas e alimentares resilientes e diversos, baseados na ética feminista de cuidado e solidariedade.
Em todo o mundo, as pessoas que produzem seus próprios alimentos ou que integram redes territoriais de produção e abastecimento alimentar estão muito menos vulneráveis do que as que dependem exclusivamente de mercados e cadeias de valor globalizadas. Há mundialmente uma redescoberta do prazer da comida caseira, valorizando os alimentos frescos e saudáveis, produzidos localmente, em detrimento da comida ultraprocessada encontrada nas prateleiras de supermercados. As organizações de agricultores rapidamente estabeleceram sistemas de entrega direta. Novas relações urbano-rurais foram forjadas para combater a fome nas cidades e nas áreas rurais e para salvar as pequenas empresas atuantes no ramo do varejo de alimentos. Mesmo diante dessa realidade, muitos governos deixam de apoiar essas iniciativas construídas a partir do protagonismo social. Com isso, em vez de aprendermos com as experiências sociais, corre-se o risco de que a pandemia contribua para consolidar ainda mais o poder das corporações sobre os sistemas de produção e abastecimento alimentar.
Portanto, apesar da criatividade das pessoas no enfrentamento aos efeitos da pandemia, é patente a inadequação das medidas públicas que continuam dependentes do status quo político e econômico. As economias não podem continuar a ser organizadas como se as pessoas fossem força de trabalho barata e os ecossistemas fontes inesgotáveis de recursos e sumidouros infinitos de resíduos. Temos que lutar pela transformação das sociedades para que elas voltem a se integrar organicamente nas dinâmicas ecológicas do planeta.
Para que a Agroecologia seja efetivamente assumida como um enfoque orientador das transformações socioecológicas necessárias e urgentes, é preciso que seja incorporada em íntima associação com valores societais e perspectivas analíticas defendidas pelo feminismo. A pandemia surge nesse momento como um teste de surpresa para nossas instituições políticas. Assumirão elas esses valores e perspectivas a fim de promover as mudanças que o nosso tempo histórico nos exige?
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