Apesar do 8º ano de seca que diminui a produção de mel, criação de abelhas atrai interesse das juventudes e rede de apicultores/as do Polo aumenta de tamanho em plena pandemia
Terceira filha de dona Rosália Benedita da Silva e seu Itamir Machado da Silva, Marcelânia é a única que segue morando com os pais na comunidade rural de Serra Alta, em Queimadas, no território da Borborema. Os irmãos migraram para o Rio Janeiro perto dos 18 anos. “Sair do campo só se não tiver oportunidade de emprego”, sustenta Marcelânia que está fazendo atualmente a terceira graduação à distância. Já se formou em Pedagogia por uma faculdade particular sediada no Rio Grande do Sul e agora leva adiante os cursos de Recursos Humanos e Administração pela Uninassau.
Marcelânia não só resistiu ao movimento feito pelos seus irmãos, como se mantém na região desenvolvendo uma atividade que gera renda e tem sido uma alternativa para a permanência de muitos outros jovens: a apicultura. Há 11 anos, Marcelânia se dedica à arte de criar abelhas para extrair o mel para autoconsumo e venda. Um ofício que aprendeu com o pai e praticava de forma muito artesanal, como ela mesma costuma definir por não usarem equipamentos adequados para a criação e improvisarem na mata as colmeias de pedras.
Em 2015, entrou no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rural de seu município, desconstruiu a imagem de que a instituição só é para pagar benefício. “Hoje eu sei que os sindicatos dão continuidade a uma luta que vem de antes. A luta das mulheres, da juventude”, reconhece ela, comentando que através deles muita gente consegue enxergar e perceber o valor que tem a produção agroecológica. “Não é só cuidar da natureza. Há um valor muito grande por trás de tudo isso”.
Hoje com 26 anos, Marcelânia não faz parte só do Sindicato de Queimadas, no qual é uma das diretoras, ela também integra a Comissão de Juventude e a Rede de Apicultores e Apicultoras do Polo da Borborema e é uma das gestoras do Fundo Rotativo Solidário para estimular a atividade de apicultura no território junto aos jovens. O Polo da Borborema é uma rede territorial de sindicatos rurais de 13 municípios, mais de 150 associações comunitárias e uma associação de produtores agroecológicos, a EcoBorborema.
Antes de se inserir nos espaços da juventude, Marcelânia achava que era a única jovem mulher que trabalhava na agricultura com os pais na sua região. Isso porque era o que costumava ouvir do tratorista que o pai contratava. “Uma das primeiras coisas que percebi ao entrar no Polo foi que não estava só eu. Tinha outros jovens nos outros municípios. Jovens e mulheres.”
Em novembro passado, Marcelânia e seus pais receberam na sua propriedade uma visita com 12 jovens de Solânea, Remígio, Montadas, Areial e Lagoa Seca. No mesmo mês, outro grupo de oito jovens conheceram o trabalho de um casal de jovens apicultores de Esperança, um dos 13 municípios que integra o Polo.
As visitas são uma das atividades organizadas pela Comissão de Cultivos Agroflorestais, que integra as Redes de Viveiristas e Apicultores, e foram realizadas para proporcionar a troca de conhecimento e para ampliar as inovações desenvolvidas para a criação de abelhas africanizadas e as sem ferrão no território. Segundo Marcelânia, a maioria dos jovens que foram para sua propriedade estava começando a criar abelhas.
“Nos últimos seis meses, entraram mais jovens [na rede] que trabalhavam de forma artesanal com sua família, criando abelhas na mata”, atesta ela. A rede de apicultores, que começou com 10 jovens, tem hoje 26 integrantes. Pela grande procura de mel no mercado, a apicultura é uma atividade que tem atraído a atenção dos mais jovens, que não dispõem de terra para plantar e criar seus animais, uma vez que as propriedades dos seus pais são bem pequenas. Em média, as propriedades no território da Borborema têm 3,5 hectares.
Para estimular ainda mais a apicultura entre os jovens, a AS-PTA e o Polo da Borborema, com apoio de instituições como a terre des hommes schweiz, a Porticus, a Fundação Laudes e o Projeto Innova-AF, desenvolvem ações para apoiar quem se interessa pelo ofício. Os recursos direcionados para estas ações possibilitam a realização de oficinas, intercâmbios e compras de equipamentos para fortalecer o Fundo Rotativo Solidário de Apicultura e dar suporte ao manejo das abelhas.
“Com a parceria dos projetos, além do conhecimento, recebemos kits completos com macacão, luva, bota, formão – para ajudar a abrir a caixa onde estão as abelhas – caixas, tela, fumigador, garfo desoperculador. A gente já recebeu várias vezes. Na segunda e terceira remessas, beneficiamos novos jovens que fomos incluindo nas atividades”, conta Marcelânia.
Como a necessidade pelos equipamentos sempre existe mesmo por quem um dia já ganhou, os jovens da rede resolveram criar um Fundo Rotativo Solidário (FRS). “Primeiro, a gente sentiu necessidade porque os projetos têm período de acabar e quando a gente precisar de macacão vai sair de onde?”, conta Marcelânia, acrescentando que cada jovem contribui com R$ 5 por mês e que, quando surge a necessidade, a comissão do FRS se reúne para decidir como atendê-la.
E quando a demanda é maior do que o recurso levantado? “Digamos que tem no fundo o valor de um macacão e tem duas ou três pessoas precisando. A gente compra o macacão e faz rodízio dele. Isso é bem possível por não mexemos com a apicultura todos os dias.”
Como começou – Este trabalho mais estruturado com os jovens, alguns deles egressos do projeto Ciranda da Borborema voltado para crianças e adolescentes, teve suas sementes lançadas ao solo em 2010. Eles foram se aproximando dos viveiros municipais e, junto aos adultos, faziam mudas para serem plantadas nas comunidades. Muitos deles se envolveram também nas brigadas para a coleta de sementes para a produção das mudas. Várias destas sementes eram de espécies nativas e a coleta se dava nas matinhas próximas das propriedades.
“Esta era uma ação da Rede de Viveiros Comunitários e Municipais articulados pelos adultos. Foi quando os jovens sentiram a necessidade de produzir suas próprias mudas”, lembra Cleibson dos Santos Silva, um dos três assessores técnico do Núcleo de Agrobiodiversidade e Juventude da AS-PTA. “Hoje, o trabalho que os jovens e os adultos desenvolvem com a agrobiodiversidade não está separado. Todo o processo de experimentação e formação envolve ambos”, comenta Cleibson.
Se em 2010, os jovens assumiram o papel de coletores de sementes, em 2012, formaram a Rede de Viveiristas do Polo da Borborema, que são aqueles que cultivam as sementes para que gerem mudas. E, em 2013, se formou a rede de Jovens Apicultores/as. Num impulso e rapidez característicos desta fase da vida.
Também em 2013, Cleibson lembra que a publicação de uma cartilha aguçou nos/as jovens interessados/as na apicultura o olhar para além das abelhas. Foi uma cartilha feita a partir da pesquisa das árvores de cada município do Polo cujas flores atraem as abelhas. “Os jovens passaram mais a observar as abelhas com as árvores”, destaca Cleibson, contando que o comportamento da floração se diferencia muito em cada ambiente presente no território. “No Brejo, a florada se estende por um período mais longo. Já em Curimataú, a florada é mais passageira”, explica.
Interessante dizer que os jovens que criam abelhas também, em geral, produzem as mudas. Na agricultura familiar e na convivência com o Semiárido, a diversificação das atividades é uma das questões básicas que permitem o enfrentamento das condições adversas.
Sonho que se sonha grande – Na conversa com Marcelânia, ela deixa escapar um desejo de um dia ampliar e estruturar a produção de mel na região, mas logo em seguida enumera as pedras que há no meio do caminho.
“A nossa produção ainda é artesanal porque não temos um espaço ideal, dentro das normas, com cerâmica, pia de mármore… para fazer a extração do mel, embalar e vender para grandes mercados. A gente também não tem o selo que é necessário para isto. Tem outra dificuldade que é o transporte, que muitos produtores não têm. Precisamos de caminhão baú porque o mel cheira e a abelha vem em cima. Visitei no Rio Grande do Norte uma cooperativa que vendia mel por quilo. Tinha muitos produtores e uma grande produção de mel. Na Borborema, especialmente na região do Agreste e Cariri, a seca se prolonga. Há mais de dez anos, eu e meu pai extraíamos mel quatro vezes por ano. Hoje, conseguimos duas vezes por ano.”
Apesar de tudo isto, Marcelânia vislumbra no trabalho conjunto com a rede de viveiristas uma boa oportunidade para superar as dificuldades. Ela destaca que a importância disto tudo não se deve só ao ganho financeiro, mas também ao papel fundamental destas polinizadoras e à sensibilização que esta ação pode gerar. “Para ter abelhas, é preciso manter a matinha na propriedade, não posso desmatar tudo”, dispara a jovem o olhar de quem vê a longo prazo e sonha grande.