“O fogão ecológico não é só uma questão cultural. Não é só uma questão de economia de lenha ou de gás de cozinha. Mas é um meio de geração de renda para as mulheres”, assegura Ivanilson Estevão, assessor técnico da AS-PTA. Na Borborema paraibana, devido ao trabalho para fortalecer a autonomia das mulheres e para criar mercados para os produtos agroecológicos, sejam as feiras, sejam as quitandas, o fogão agroecológico ganhou uma qualidade a mais. Com ele em casa, as agricultoras familiares passaram a fazer mais bolos e outros quitutes que se transformam em fontes de renda para as mesmas.
É o caso de Andressa Ferreira da comunidade Sítio Coelho, na zona rural de Remígio. Nascida em São Paulo, Andressa (31 anos) chegou na Paraíba com seus dois filhos e o marido paraibano há quatro anos. Antes do fogão, ela já fazia bolos para vender, mas os assava na casa da mãe da amiga e, por conta disso, ficava dependente de outras pessoas sempre que precisava de uma fornada.
“Com o fogão em casa, produzo sozinha sempre que tenho encomendas de um projeto da igreja ou de um quiosque que abriu na beira da estrada”, comenta ela. Com os recursos que ganha, já dá para pensar em fazer melhorias na casa, antes consideradas por ela inviáveis como por água encanada. “Antes, a renda só dava para ir ao mercado”.
O fogão dela era a gás, mas quando o gás acabava antes do marido receber, chegou a ficar várias vezes até 3 dias cozinhando de forma improvisada em cima de tijolos empilhados no chão a base de carvão que o marido faz no próprio sítio para uso caseiro.
O fogão e o FRS – Para o fogão de Andressa ser construído, ela descobriu primeiro o Fundo Rotativo Solidário numa visita de intercâmbio a comunidade de Amaraji, no município de Lagoa Seca. Mas, antes disso, ela e a amiga Eliane, parceira na feitura dos bolos, procuraram o Sindicato dos/as Trabalhadores/as Rurais de Remígio para saber como poderiam vender os bolos que fabricavam. As duas participaram de uma formação em beneficiamento de alimentos oferecida pelo Polo da Borborema, do qual o Sindicato de Remígio e outros 12 municípios do território fazem parte. “Aí, Gizelda [da diretoria do Sindicato de Remígio] nos convidou para conhecer o Fundo Rotativo Solidário”, recorda Andressa.
E quando ela conheceu o FRS, resolveu levar a ideia para as mulheres do Sítio Coelho. O grupo que se formou interessado na gestão da poupança comunitária foi de sete mulheres. Depois, umas saíram, outras entraram e, hoje, são 11. Na primeira rodada do Fundo, algumas mulheres, até por não terem uma área adequada para construir o fogão, preferiram receber galinhas. “Eu mesma quis receber o recurso. Com ele, fiz a cobertura do lugar onde foi construído o meu fogão”, comenta.
O FRS funciona assim: o Polo da Borborema junto à AS-PTA disponibilizam fogões, telas, ou animais para as mulheres do grupo que têm interesse nestes produtos. “Parte das beneficiárias são apoiadas inicialmente e as demais vão sendo contempladas logo que tenha recurso suficiente gerado pelo grupo. Os grupos funcionam no formato de consórcio solidário, no qual todas começam a contribuir ao mesmo tempo, com isso, diminui o tempo para novas mulheres serem apoiadas. Quanto ao valor da contribuição mensal, é o grupo que decide um valor mínimo de contribuição” explica Ivanilson. No FRS da comunidade de Andressa, o grupo de mulheres contribui com o valor de R$ 25/mês. Quando junta o equivalente ao produto é sorteada a próxima mulher. E assim vai até todas serem contempladas.
No Sítio Coelho, hoje, um ano e 10 meses depois do início do Fundo, já tem 3 fogões ecológicos e mais três devem ser entregues. Além disso, várias mulheres foram contempladas com recursos para investir no que tinham necessidade ou receberam galinhas para criar.
Os fogões da Borborema – Estas tecnologias que trazem benefícios ambientais, econômicos, sociais estão sendo disseminados no território da Borborema desde 2010. De lá pra cá, foram construídas cerca de 320 unidades, segundo cálculos da AS-PTA. “Metade deles foram gerados pelos FRS. Cada fogão apoiado, gera outro”, comenta Ivanilson. De 2020 para 2021, foram construídos mais ou menos 60 fogões. “Isso significa que, daqui para frente, teremos no mínimo, mais 60 fogões a serem construídos com recursos arrecadados nas comunidades. “Se cada fogão custa R$ 800, isso significa que serão investidos R$ 48 mil a partir das poupanças comunitárias”, explica ele.
O meio ambiente e o bolso agradecem – Em 2013, a AS-PTA fez uma pesquisa a partir dos primeiros fogões implementados, e constatou que a economia da lenha foi de 50% se comparada com a usada por estas mulheres nos seus fogões antigos e de 63% quando não têm fornos.
Com relação ao gás de cozinha, os relatos ouvidos recentemente apontam que um botijão agora dura 3 meses, quando antes, só rendia 1 mês. “Antes, as famílias usavam 12 botijões por ano. Agora, são 4. Uma economia de R$ 800 por ano, levando em consideração o preço médio no território que é de R$ 100 cada botijão.
Como o fogão concentra bastante temperatura, os galhos filhos conseguem fazer a queima com resultados bem expressivos. São utilizados madeiras finas, sabugos de milho quando é tempo de safra boa e, principalmente, resto de madeiras que já serviram para outros usos. “Quando a gente visita as famílias, observamos que elas usam restos de madeiras de construções que recolhem na cidade ou até mesmo na comunidade onde vivem.
Essa situação é ideal para não afetar mais o equilíbrio ambiental e evitar a ampliação do desmatamento da Caatinga. A perda da cobertura vegetal é o primeiro passo para o processo de empobrecimento do solo que leva, em última instância, à desertificação do mesmo. Sem as plantas, a infiltração de água é comprometida e a incidência dos raios solares é maior, o que aquece mais o solo e provoca a morte dos organismos responsáveis em manter a fertilidade da terra. Atualmente, 13% do território do Semiárido brasileiro apresenta indícios fortes de estágio avançado de desertificação.
O fogão amigo da mulher – “Começamos a adotar esse fogão a partir da necessidade de fortalecer o trabalho com as mulheres, já que cerca de 90% de quem cuida da alimentação no espaço rural somos nós. Os fogões a lenha são muito usados pelas mulheres rurais”, comenta Gizelda Bezerra, uma das lideranças femininas do Polo da Borborema.
Em 2013, o diretor do extinto Departamento de Combate à Desertificação ligado ao Ministério do Meio Ambiente, Francisco Campello, afirmou que a lenha representava 70% da energia usada no preparo das refeições entre as famílias do Semiárido. E que as mulheres gastavam em torno de 18 horas semanais na busca de lenha para o preparo dos alimentos.
E ainda tem os benefícios com relação à saúde das mulheres e crianças que passam mais tempo em casa. Os fogões mais rústicos costumam soltar uma fumaça imensa dentro de casa, intoxicando quem estiver por lá. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a exposição à fumaça é a quarta causa de morte nos países em desenvolvimento como o Brasil. A fumaça causa danos à saúde da mulher, como glaucoma, problemas na coluna, pressão e enfisema pulmonar.
Com uma estrutura de tijolos, uma chaminé e uma chapa metálica, que serve de base para o fogão, a fumaça da queima da madeira é projetada para fora da casa. Sem falar que o fogão é construído dentro de casa para aumentar a segurança da mulher. E não tem mais isso de parede e teto preto e fundo de panelas também. A cozinha pode se manter limpa e com as paredes pintadas.
Além do mais, trata-se de uma tecnologia barata e de fácil manuseio. “E a gente sabe que em muitos fogões a lenha, a carvão, os comuns, a quentura vêm toda no abdomem e causa doenças devido ao aquecimento no útero da mulher. Esse fogão já facilita”, acrescenta Andressa, uma das principais defensoras do fogão na Borborema.
O Polo da Borborema e a AS-PTA – O Polo é um coletivo que agrega 13 sindicatos rurais, mais de 150 associações comunitárias, uma associação regional de agricultores/as familiares, a EcoBorborema, e uma cooperativa com capacidade de atuar em todo o Estado, a CoopBorborema. E a AS-PTA oferece assessoria técnica e apoio aos processos organizativos do Polo.
O projeto Borborema Agroecológica, que contribui para a implementação de inovações no território, apoiou a organização de 7 novos FRS e a construção de 20 fogões ecológicos. O projeto Borborema Agroecológica faz parte do INNOVA AF, financiado pelo FIDA e executado pelo IICA, que busca fortalecer as capacidades das famílias camponesas, por meio da gestão participativa do conhecimento e disseminação de boas práticas para a adaptação às mudanças climáticas.