A Borborema paraibana, onde se constrói, estrategicamente, a agroecologia há cerca de três décadas, é um território que já enfrentou e enfrenta muitas ameaças. Resistiu ao incentivo pelas empresas de assistência técnica oficial ao uso de agrotóxicos nas laranjas para eliminar a mosca-negra-do-citrus. Resistiu à instalação de uma empresa de fumo que chegou na região prometendo renda e trabalho para a agricultura familiar, desconsiderando as formas de agricultura anterior. Tem resistido bravamente ao avanço da transgenia nas plantações de milho, uma luta que se dá no dia a dia e que segue bem presente, inclusive, com a realização da campanha Não planto transgênicos para não apagar minha história que alerta para os perigos no uso das sementes transgênicas. E, nos últimos dois anos, concretizou uma ação que estabelece as bases para que o território enfrente – de forma mais consciente – o fenômeno das mudanças climáticas.
“O fechamento deste ciclo de quase dois anos nos coloca em outra condição de pensar para mais adiante”, comenta Paulo Petersen, da coordenação da AS-PTA durante a live que marcou o fim do ciclo do projeto Borborema Agroecológica que que faz parte das onze iniciativas executadas no âmbito do projeto Gestão do Conhecimento para a Adaptação da Agricultura Familiar às Mudanças Climáticas (INNOVA AF). Esta iniciativa buscou fortalecer as capacidades das famílias camponesas para a adaptação às mudanças climáticas, por meio da gestão participativa do conhecimento e disseminação de boas práticas e conta com o financiamento do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrário (FIDA) e execução pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) em parceria com organizações que atuam nos territórios agroecológicos de oito países da América Latina.
Segundo Paulo, um dos ensinamentos colhidos por meio desta iniciativa é que, quando se fala em fortalecer as capacidades de resistência às secas – cada vez mais constantes e intensas no Semiárido brasileiro – é essencial desenvolver iniciativas que fomentem a auto-organização comunitária. “Por que não estamos falando em agricultura resiliente ou em estabelecimentos resilientes, mas estamos falando em comunidades resilientes?”, provoca Paulo.
A ideia que ilumina a ação da AS-PTA é que para enfrentar tamanho desafio é preciso uma ação que fortaleça de forma sistêmica a dinâmica da vida nas comunidades rurais. Para tanto, é imprescindível alimentar valores como a união e a solidariedade para que inspirem a gestão coletiva dos bens comuns da comunidade. Assim, aquele núcleo de famílias estará mais preparado para superar as intempéries do clima.
A capacidade de resposta só acontecerá, de fato, se a comunidade se organizar para gerir coletivamente recursos que permitam a estocagem do que se precisa para uma vida produtiva: alimentos para os animais e as pessoas, água para os diversos usos, sementes para os próximos plantios.
“Não existe comunidade sem ação coletiva, sem solidariedade, sem ação comum. A resiliência só será construída se houver comunidade resiliente, se houver uma economia solidária, fortalecimento dos processos locais auto-organizados”, assegura Paulo.
Na live, a fala de Paulo foi antecedida pela de Mateus Manassés, um jovem agricultor, criador de animais, presidente da associação da sua comunidade, membro da diretoria da Cooperativa Borborema, animador dos processos com a juventude rural no Polo da Borborema, entre outras habilidades e capacidades. Mateus é da comunidade Soares, do município de Queimadas, uma das sete que desenvolveram as atividades do projeto Borborema Agroecológica.
“No momento em que a gente guarda água nas nossas cisternas, graças às políticas públicas do PT [Partido dos Trabalhadores], no momento que a gente guarda forragem em silos, no momento em que a gente planta, no momento em que a gente tem sementes nativas adaptadas à nossa região, a gente tem como vencer a seca”, dispara Mateus já no início de seu depoimento.
“Desde quando o projeto veio para a comunidade, a gente se reúne e vem discutindo a percepção de cada agricultor frente à realidade de cada um. Temos participantes de mais de 50 anos, de 60 anos, que nunca saíram da comunidade Soares, com uma vivência muito grande e destacam as mudanças que já aconteceram durante todo este tempo. Principalmente, a falta de chuva, coisa que não acontecia tão rotineiramente antigamente. Tinha anos ruins de inverno, mas tinha anos de abundância. Tinha olhos d’água que não secavam. Tinha barragens que atravessam o tempo. Tinha barreiros. E tinha pés de fruta, pé de umbu, pé de manga, pé de caju e hoje a gente está perdendo essas características na comunidade. Mas, frente a tudo isso, a gente está bem resiliente”, continua ele pontuando a seguir os benefícios trazidos à comunidade pelo INNOVA-AF.
Um dos destaques deste projeto é que ele ofereceu para as comunidades beneficiadas um conjunto de ações para fortalecer a atividade da criação animal, estimular o uso eficiente de energia a partir dos fogões ecológicos, reforçar a poupança coletiva baseada nos princípios da solidariedade que são os Fundos Rotativos Solidários, animar as iniciativas de geração de renda e autonomia para as mulheres e jovens, diversificar os plantios com a disseminação de culturas mais resistentes às poucas chuvas e outras.
Assim, a mesma comunidade foi contemplada com ações que se complementam. Tal intervenção foi capaz de animar, em alguns lugares, e revigorar, em outros, o trabalho coletivo em função do bem viver de todos.
O senso de cooperação – “A gente tem que destacar este sentimento humano lindo que é de cooperar. Não de ajudar. Ajuda a gente faz num dia, no outro, esquece. Cooperar, não. Cooperar a gente está sempre trabalhando em equipe para transformar a vida de outras pessoas. Quando a gente possibilita que outras pessoas mudem de vida, a gente liberta esse povo para ter uma vida digna, viver no campo e evitar o êxodo rural”, sentencia Mateus.
Da comunidade Benefício, em Esperança, que também fez parte do projeto Borborema Agroecológica, a agricultora e guardiã de sementes Maria José Guedes Batista, conhecida como Erinha, destacou uma ‘virada’ no comportamento das pessoas: “Era uma comunidade, até então, meio afastada, [o projeto] uniu mais as pessoas, as famílias, os sócios da comunidade. A partir do projeto foi se fortalecendo, as pessoas tendo mais conhecimento, do que era um banco de sementes, como funcionava. Precisamos do engajamento da comunidade, do projeto, de todos com o único objetivo. Cada vez mais estamos unidos e temos que preservar, não podemos desistir.”
Também de Benefício, Ligória Felipe, uma senhora negra já com seus 50 anos, resume as suas conquistas de forma brilhante: “Tenho fogão, tenho a cozinha, a tela, a ovelha e tenho autonomia.”
Na segunda parte da live, foi a vez de várias pessoas de universidades, centros de pesquisa, governo da Paraíba e de organizações parceiras falarem. Uma pessoa seguida à outra destacou elementos distintos relacionados à ação conjunta com a AS-PTA e com o Polo da Borborema.
Geovergue Medeiros, do Núcleo de Produção Animal do INSA, ressaltou a importância da agricultura familiar na conservação do bioma Caatinga.
Jailson Lopes, da Secretaria da Agricultura Familiar da Paraíba, anunciou um projeto novo de assistência técnica rural para as raças nativas e desenvolvimento de boas práticas com bases agroecológicas, que vai trabalhar com 80 famílias de 8 territórios da Paraíba.
A professora Sara Vilar Dantas Simões, da Universidade Federal da Paraíba, campus de Areia, falou dos caminhos que despontam a partir de seis anos de parceria em um projeto de extensão rural bem-sucedido e de como esse contato longevo vem provocando uma assessoria adequada para os criadores de animais. “Na sexta edição do projeto [de extensão da UFPB], a procura é mais intensa. Temos tentado que evitem tratamentos empíricos e hoje eles têm nos procurado mais precocemente, diferente de antes.”
Do Instituto Técnico Federal da Paraíba, Salomão Medeiros, ressaltou o reuso de águas como uma das medidas mitigadoras dos impactos das mudanças climáticas. Quem fechou o ciclo das instituições de ensino e pesquisa foi a professora Élida Barbosa, da Universidade Estadual da Paraíba, que apresentou o trabalho desenvolvido para as famílias campesinas do território: “Desenvolvemos formas de manejo junto aos agricultores/as para diminuir a população dos insetos que causam a doença e as condições que favorecem estas doenças. Direcionamos os projetos de extensão, de pesquisa, de mestrado para trabalhar a partir das demandas dos agricultores. Os alunos ficam mais instigados, os professores e os pesquisadores também.”
Do Centro de Pesquisa Agrícola Francês (CIRAD), uma organização que tem apoiado iniciativas em todo mundo que promovem a adaptação da agricultura familiar às mudanças climáticas, quem falou foi Eric Sauborin. Ele fez um breve histórico da parceria do CIRAD com a AS-PTA e o Polo e pontuou que seguirão apoiando ações relacionadas às mudanças climáticas e as inovações para a agroecologia na escala do território.
E, para fechar a live, a participação de Rodolfo Daldegan, do IICA, que, entre outros aspectos, destacou a contribuição do projeto INNOVA AF ao projeto de fortalecimento da agricultura familiar agroecológica no território. “Sem dúvida, contribuiu para o fortalecimento das capacidades, para as discussões de gênero, juventude e adaptação às mudanças climáticas”. E acrescentou: “Gostaria de enaltecer o trabalho de todas as lideranças da Borborema, trabalho fantástico da AS-PTA que está sendo desenvolvido no território e agradecer pelo processo de aprendizagem que nós [IICA] conseguimos nos incluir.”
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