A 13ª Marcha pela Vida das Mulheres diz NÃO ao modelo industrial de geração de energia eólica, incompatível com a produção de alimentos livres de agrotóxicos e agroecológicos do território da Borborema
No dia 2 de maio, cerca de 5 mil mulheres rurais ocuparão as ruas centrais de Solânea para reafirmar que, na Borborema paraibana, as famílias agricultoras produzem alimentos diversificados e totalmente livres de venenos e de transgênicos. Com suas vozes, afirmarão também que, onde vivem, não cabem os parques eólicos porque são incompatíveis com a segurança alimentar de suas famílias e ameaçam a venda de seus produtos para os clientes das cidades.
Elas se encontrarão a partir das 8h, na praça 26 de novembro, para realizar a 13ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia. Com o lema Mulheres em defesa do território: Borborema agroecológica não é lugar de parques eólicos, a Marcha declara que esse modelo de produção de energia assentado na construção de parques eólicos, que ao se apropriar da terra e do território, muda completamente a vida das comunidades e ameaça a produção da agricultura familiar.
“Onde se instalam os parques eólicos diminui a produção nas propriedades rurais. Eles são uma grande ameaça, principalmente, para as famílias que têm pouca terra, porque onde trabalharão com a agricultura se você não pode trabalhar perto desses aerogeradores e das linhas de transmissão? Esse modelo precisa ser revisto”, sustenta Roselita Vitor, da coordenação do Polo da Borborema.
A primeira coisa que acontece quando se instala um parque eólico numa comunidade rural é as terras serem usadas, prioritariamente, para gerar energia que não necessariamente é usada na localidade ou mesmo no estado. Nos contratos das empresas com as famílias, a primeira cláusula transfere para a empresa a tomada de decisão sobre o uso da terra.
“Quando a propriedade que é para produção de alimentos passa a ser a sua principal fonte a produção de energia, como é que fica a produção agrícola? A produção da agricultura familiar que vai para as nossas feiras que existem aqui no território da Borborema”, indaga Roselita e acrescenta: “Nós não somos contra a energia renovável. Pelo contrário. Somos a favor. Porque a gente entende que os bens da natureza são bens públicos, o sol, a terra, a água, são bens comuns, que devem servir a todas as pessoas. Porém, esse modelo de produção de energia renovável, a partir dos parques eólicos, não é um modelo que produz energia limpa. Se ele deixa as nossas comunidades mais pobres, se as famílias passam a usar menos a sua área de produção, se esses contratos beneficiam mais as empresas do que as famílias agricultoras, inclusive, com o risco de perder sua terra, que modelo é esse? Que energia limpa é essa? A gente faz esse questionamento: Energia pra quem? E energia para quê?”
Incompatibilidade – Onde há torre instalada, os donos da terra perdem sua autonomia para produzir. Além disso, o volume do que se produz cai porque a presença das torres de 140 metros, que equivale a um prédio de 50 andares, afeta a temperatura, a acústica e a luz do local, causando desequilíbrio ambiental. Um parque tem, no mínimo, 30 torres.
Sem autonomia e com produção reduzida, há impactos na alimentação da família e também na renda. “Meu filho cria vacas leiteiras e houve uma redução de 20% na produção. As vacas se estressam com os ruídos, as sombras. Elas se assombram e não produzem como antes. Em um ano, contei 12 abortos de ovelhas e 15 burregos (filhotes de ovelhas) rejeitados pelas mães. De 18 a 20 ovos que ponho para serem chocados, nascem 5, 6 ou 8 filhotes, quando muito. Destes, se criam 3 ou 4. Os outros atrofiam e morrem. Isso nunca aconteceu antes”, conta seu Simão Salgado, do Sítio Pau Ferro, em Caetés, no semiárido pernambucano, onde foi morar e produzir alimentos em 2008 e de onde saiu, no ano passado, expulso pelas perturbações provocadas pelos parques eólicos implantados na comunidade em 2016.
Ele observou que a presença do parque eólico fez desaparecer as abelhas, essenciais para a polinização das plantas e produção dos frutos. Ele também indica o desaparecimento de pássaros como o juriti, asa branca, bacurau, acauã, mãe da lua, entre outros. E ainda põe na conta dos aerogeradores o não desenvolvimento das fruteiras. “Antes, no tempo que um pé de pinha, laranja, goiaba, mamão levava para crescer dois metros, uma árvore não ultrapassa um metro. E se a planta flora, o fruto não vinga.”
E ainda tem os danos à saúde humana: “Com a zuada, minha esposa não conseguia mais dormir à noite, ficou com depressão e o médico recomendou que a gente saísse do sítio”, acrescenta. A propriedade de seu Simão era referência em produção de alimentos agroecológicos.
Juntando todos os impactos, a produção do agricultor experimentador foi reduzida pela metade. Por outro lado, a sua despesa fixa aumentou com o aluguel que passou a pagar no centro de Caetés para se ver livre do som intermitente das hélices e com o aumento da energia que paga no sítio mesmo usando os mesmos equipamentos. “De R$30,00 e poucos, passei a pagar de R$120,00 a R$130,00″, diz se queixando de dificuldades para ouvir depois do ruído constante das hélices.
Além dos prejuízos individuais, os modelos industriais de energia eólica, com concentração de torres, abertura ou ampliação de estradas, implantação das redes de transmissão da energia gerada para a rede do sistema nacional, promovem uma série de danos ambientais com impactos locais e mundiais, como o desmatamento da Caatinga, contribuindo para a ampliação e aprofundamento do processo de desertificação do solo e intensificação os efeitos das mudanças climáticas. Na comunidade de seu Simão, árvores centenárias foram cortadas: baraúna, pau ferro, umbuzeiro, aroeira, juazeiro, imburana, entre outras.
Do ponto de vista das comunidades rurais, os parques eólicos causam uma série de perturbações como rachaduras nas casas, perdas das cisternas de placas de cimento construídas a partir do Programa Cisternas, uma das políticas públicas mais importantes para as famílias rurais do Semiárido brasileiro.
Queremos energia renovável descentralizada – Assim como uma política pública foi essencial para promover a democratização do acesso à água no Semiárido, a solução para a crise energética no Brasil deveria ir pelo mesmo caminho.
“Seria essencial que políticas públicas realmente incentivassem o uso massivo da Geração Distribuída da energia solar fotovoltaica para instalações residenciais, pequenos comércios, pequenas indústrias e em áreas rurais”, comenta o professor aposentado da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), Heitor Scalambrini, em uma reportagem da série Energias do Nordeste produzida e publicada por mídias nordestinas: A Nossa Pegada, Eco Nordeste, Marco Zero Conteúdo, Notícia Sustentável e Saiba Mais.
Especialista na área de energia, Heitor tem sido um defensor do modelo descentralizador de produção de energia a partir da instalação de painéis solares em telhados, fachadas e pequenos terrenos. Ele conta que a Geração Distribuída contribui aproximadamente com menos de 5% da potência total instalada no País (pouco mais de 180 GW), muito aquém do grande potencial disponível, em particular na região Nordeste, uma das mais ensolaradas do mundo. “Poderia ao menos se esperar que em curto espaço de tempo a potência instalada passasse para 20% – 25% sua contribuição à matriz elétrica”, declara o professor.
“Já comprovamos com simplicidade e com iniciativas nossas que podemos gerar energia para nossas diferentes necessidades, sejam elas da família, sejam elas para uso coletivo”, enfatiza Ivo Polleto, do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental. “Nós não precisamos de empresas que não têm nenhum respeito pela vida e que privatizam os recursos naturais e produzem energia como negócio, como mercadoria a ser vendida. Chega de conversa falsa de que é bom utilizar recursos públicos para as empresas, porque isso traz progresso, aumenta o PIB. Tudo isso é mentira”, complementa ele.
A Borborema é território da agricultura familiar agroecológica – Em Solânea, Casserengue, Arara, Algodão de Jandaíra, Remígio, Esperança, Areial, Montadas, Lagoa de Roça, Alagoa Nova, Matinhas, São Sebastião de Lagoa de Roça e Queimadas, municípios cujos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais fazem parte do Polo da Borborema, há 30 anos é alicerçado um projeto de construção da agricultura familiar agroecológica, que vem dando significativos resultados na redução da fome e da pobreza nas famílias agricultoras.
Dos roçados, quintais produtivos e cozinhas de centenas de famílias agricultoras saíram 50 toneladas de alimentos – in natura e beneficiados – para compor as quase 5 mil cestas doadas durante a pandemia. Assim como saem as hortaliças, frutas, legumes, grãos, leite, queijo, bolos, polpas de frutas, doces e outros alimentos beneficiados que abastecem as 12 feiras semanais e as cinco Quitandas da Borborema fixas e mais a unidade móvel.
A Borborema também abriga uma rede de 60 bancos comunitários de sementes, além do Banco Regional, que representam outro nível de segurança para as sementes crioulas que passaram, naturalmente, por um longo processo de adaptação às características ecológicas da região.
Para além dos resultados quantitativos, o projeto político de fortalecimento da agricultura familiar protagonizado pelo Polo da Borborema tem fomentado a auto-organização de comunidades e grupos de mulheres e jovens que são os segmentos sociais mais afetados pelos efeitos das mudanças climáticas em todo o mundo.
Essa capacidade auto-organizativa no território o torna um ambiente mais resistente aos grandes empreendimentos que vêm de fora, promovendo violações de direitos das comunidades rurais. “É nesse sentido de preservar a agricultura camponesa, a nossa forma de vida, que a gente assume a resistência a esse modelo [de produção concentrada e monopolista de energia eólica], como assumimos diante da fumicultura [cultura de fumo] em 2006, assumimos esse enfrentamento ao agrotóxico aqui no território em 2010. É a força das mulheres em defesa da vida e dos nossos corpos aqui no nosso território. Dos ventos, faremos um furacão”, aponta Roselita.
O Polo da Borborema reúne os 13 sindicatos dos municípios citados acima e mais 150 associações comunitárias, além de gerir uma associação regional da agricultura familiar, a EcoBorborema, e uma cooperativa, a CoopBorborema. Para mobilizar e articular as famílias e comunidades campesinas, o Polo tem a assessoria política e metodológica da ASPTA. Tanto o Polo, quanto a AS PTA fazem parte de articulações estaduais, regionais e nacionais, como a Articulação do Semiárido Paraibano (ASA PB), a ASA Brasil e a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).