Para amenizar o árduo trabalho de buscar água, famílias da Borborema, na Paraíba, se organizam em Fundos Rotativos Solidários para construir cisternas menores
Dona Maria José da Silva Brito, agricultora familiar de Lagoa Seca (PB), no território da Borborema, saiu no Portal Uol de domingo passado (25). A matéria fala da peleja que as famílias rurais ainda passam, em pleno ano 2022, por não ter acesso à água.
O título do texto de Carlos Madeiro sublinha que essa situação é resultado do total desinteresse do presidente atual na execução de uma política pública premiada internacionalmente várias vezes: “Governo Bolsonaro corta e para maior programa de acesso à água do Nordeste”.
Aos 62 anos, Dona Maria amanhece o dia já com um trabalho pesado e cansativo a sua espera. Das 5h às 9h ou 10h, carrega água para abastecer a casa e molhar o terreiro no arredor da casa onde cultiva uns pés de fruta e plantas medicinais, além de servir também para matar a sede dos animais que cria.
Como Dona Maria mora só com o marido e ele é cardíaco, cabe a ela carregar os baldes – na cabeça ou na carroça – da escola da comunidade, onde tem uma cisterna de 52 mil litros, para sua casa. “Na carroça, cansa os braços. Na cabeça dói o pescoço.” O trecho percorrido não é grande, uns 400 metros, mas imagina umas 30 idas e voltas carregando peso.
Para aliviar essa carga, Dona Maria entrou no grupo do Fundo Rotativo Solidário (FRS) que se formou na sua comunidade com mais nove famílias. Cada uma escolhe o que quer fazer com o recurso que tem direito do Fundo. E ela escolheu uma minicisterna, com capacidade de guardar 6 mil litros. No grupo, além dela, mais outras três mulheres fizeram o mesmo.
Uma delas é Juliana Izidro, vizinha de Dona Maria, que mora ao lado da casa do pai, na comunidade de Lagoa do Gravatá e pega a água de beber na cisterna que é planejada para servir a uma família de cinco pessoas por uns oito meses. Mas, no caso deles, serve a oito. “A água da cisterna dá para três meses, quando muito, chega a quatro. Utilizamos a água daí para tudo: beber, cozinhar, lavar roupa, dar para os animais.”
E quando a água acaba, como vocês fazem? “Quando sobra a água do carro-pipa que abastece a cisterna escolar, eles abastecem a nossa cisterna. Não tem problema por ser da mesma comunidade. É assim que a gente vai escapando da seca”, conta Juliana.
A minicisterna – E por que um modelo mini? As dimensões e a forma de construção com anéis de concreto foram determinadas pelo valor disponível nos Fundos Rotativos Solidários que têm os recursos captados pela AS-PTA. Com R$ 935,00 dá para comprar os materiais para a construção de seis anéis que serão postos um sobre o outro, de forma que a cisterna tenha três metros de fundura e um metro de diâmetro.
“O ideal é que se cave um buraco que caiba três ou mais anéis e os outros fiquem acima do solo pra que a cisterna não fique muito alta. Vai depender das condições do solo”, explica Leda Gertrudes, que faz parte da equipe técnica da AS-PTA e tem acompanhado as construções da tecnologia de perto. A escavação do terreno e a construção da tecnologia são contrapartidas da família.
E de onde veio a ideia dessa cisterna? – O pleito partiu das mulheres agricultoras de Alagoa Nova, onde serão construídas 18 minicisternas via fundo rotativo.
Nos anos 2000, a construção de cisternas com recursos públicos foi interrompida porque o município não era considerado parte da região chamada Semiárido Legal. As comunidades rurais, mobilizadas pelo sindicato, passaram a se organizar em grupos dos fundos rotativos e construíram, até 2016, quase 200 cisternas da primeira água. Desse ano em diante, o município passou a ser considerado como semiárido.
Mas só em 2020, é que as famílias de Alagoa Nova receberam cerca de 90 cisternas de placas de cimento com capacidade para 16 mil litros financiadas com recursos públicos. A demanda por cisternas no município, que tem apresentado clima cada vez mais árido, é alta: cerca de mil famílias. Das cisternas de segunda água, para plantar e criar animais, há uma fila de espera de 150 famílias.
Fundo Rotativo Solidário Municipal – Em Queimadas, outro município que faz parte do território da Borborema, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais organizou um grupo municipal de Fundo Rotativo com adesão de 50 famílias. Todas interessadas em cisternas para ampliar a segurança hídrica.
“Entendemos que tem ano que chove bastante e quanto mais reservatório para guardar a água, melhor será para superar o período da estiagem. Duas, três, quatro etc. Se cada pessoa se organizasse para ter o máximo de cisternas, estaria com a segurança hídrica garantida no verão”, comenta Anunciada Flor, presidente do STR de Queimadas.
“O grupo surgiu a partir de uma discussão que fizemos sobre as mudanças climáticas no final do ano passado, assim que voltamos com as assembleias presenciais. As pessoas nos procuraram, dizendo que queriam participar. Mandamos confeccionar carnês [de contribuição mensal], marcamos a primeira reunião e apresentamos um regimento interno que tínhamos dos outros FRS para ser discutido pelo grupo”, acrescenta.
Segundo Anunciada, coletivamente, chegaram a um tamanho de cisterna que cabe 10 mil litros feito de anel de concreto, como as cisternas construídas em Lagoa Seca. “Porque, geralmente, quando chega o verão, se compra água de carro pipa com essa capacidade”.
Das 50 cisternas esperadas, já foram entregues oito. Anunciada conta que, no grupo, um jovem participante ia desistir porque ficou sem condições de contribuir com os R$ 50,00 mensais por motivo de doença na família. Mas, em reunião, foi sugerido que cada um contribuiria com R$ 1,00 a mais por mês para somar o valor dele. E assim, com união e solidariedade, o jovem agricultor se mantém no FRS e, em breve, será contemplado com sua cisterna.