Por Fernando Angeoletto, jornalista do projeto Consumidores e Agricultores em Rede, e Gisa Garcia, diretora-presidenta do Cepagro
Ao apagar das luzes de 2022, e às vésperas de sua saída do poder pelo anseio popular, o governo de extrema direita brasileiro selou a sua trajetória de uma escalada sem precedentes de permissividade com a comercialização e o uso de agrotóxicos. Na última segunda-feira, 19/12, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado Federal aprovou um relatório favorável ao Projeto de Lei (PL) 1459/2022, conhecido como “Pacote do Veneno”. A aprovação ocorreu paralela a um pedido de urgência pelos senadores para votação da pauta.
Como resultado deste contexto, o projeto foi encaminhado ao plenário do Senado e poderá tornar-se lei a partir do próximo ano. Caso isso ocorra, o uso indiscriminado de agrotóxicos potencialmente perigosos, muitos deles inclusive já banidos por países que mantém relações comerciais com o Brasil, ganha um considerável reforço que se soma à liberação de 1.900 novos produtos desta natureza em apenas 4 anos de governo – o que representa 25% de todos os registros nacionais de agrotóxicos em 20 anos.
Para compreender o grau de ameaça à saúde e ao meio ambiente protagonizado por este Projeto de Lei, uma de suas principais atribuições é dar exclusividade ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) na aprovação de novos agrotóxicos, tornando apenas consultivas as manifestações do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além disso, abre espaço para o registro de ingredientes ativos que comprovadamente causam danos graves à saúde (má formação de fetos, câncer e mutações), oculta a nocividade dessas substâncias alterando o termo “agrotóxico” para “pesticida” e confere registro temporário aos venenos agrícolas que não forem analisados no prazo estabelecido pela Lei.
A possível aprovação do PL resultará em consequências não somente desastrosas para as esferas ambientais e de saúde pública, estendendo-se também ao campo das relações internacionais. Uma carta assinada por 21 parlamentares alemães foi enviada aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, senador Acir Gurgacz (PDT), com manifestação contrária à aprovação do PL 1459/2022. Em suas considerações, os alemães reiteram a importância das relações comerciais entre os 2 países, abaladas pelo receio de adquirirem alimentos produzidos em solo brasileiro e contaminados com agrotóxicos proibidos na Europa.
Embora resulte em preocupações relevantes pelo poder público europeu, a questão por sua vez revela o oportunismo das corporações do velho continente. De acordo com Yannick Jadot, deputado europeu e candidato à presidência na França, o projeto beneficia as maiores empresas, como a BASF e a Bayer Monsanto, que poderão exportar pesticidas proibidos na União Europeia com mais facilidade. A ideia é corroborada por Kenzo Jucá, especialista em Direito Ambiental e assessor legislativo do Instituto Socioambiental (ISA), que afirma que a indústria do veneno vê no Brasil uma oportunidade para comercializar os produtos que não conseguem mais vender em outras partes do mundo.
De acordo com Marquito – Marcos José de Abreu (PSOL), deputado estadual eleito por Santa Catarina e coordenador adjunto do Fórum Catarinense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (FCCIAT), a falta de isonomia entre as legislações nacionais que avaliam os riscos dos agrotóxicos à saúde pública é uma das responsáveis por transformar o Brasil em uma espécie de “lixeira química” do mundo. “É inaceitável do ponto de vista científico que as análises sejam diferentes, já que os riscos recaem sobre os mesmos seres”, reflete o deputado. Segundo ele, é necessário enfrentar o problema com uma legislação moderna, que incorpore os insumos de base ecológica, proíba os agrotóxicos já banidos por outros países e use critérios globais para avaliação de riscos.
O papel das organizações civis
A missão é estratégica por contribuir permanentemente na discussão e construção de políticas públicas, não somente na área temática do combate aos impactos dos agrotóxicos, como na promoção da Agroecologia reforçando Segurança Alimentar e Nutricional. Essa atuação teve impacto junto às seguintes pautas:
– Medida Provisória 226/2019,que dispõe sobre a tributação de agrotóxicos de acordo com sua classificação toxicológica;
– Apoio/fortalecimento da Lei Nº 18.200, de 13 de setembro de 2021 que Institui a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (PEAPO) e a garantia de orçamento incluindo-a na Lei das Diretrizes Orçamentarias de SC;
– Apoio/fortalecimento da Lei nº 15.595, de 14 de outubro de 2011, que dispõe sobre o Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional, que consiste na realização do direito de todas as pessoas terem acesso digno, regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis;
Fontes consultadas:
https://umsoplaneta.globo.com/sociedade/noticia/2022/12/20/pacote-do-veneno-e-aprovado-por-comissao-do-senado-e-segue-para-votacao-no-plenario.ghtml
https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/02/10/pacote-do-veneno-e-criticado-na-ue-e-dificulta-acordo-com-brasil.htm
https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/12/08/parlamentares-alemaes-pressionam-contra-pacote-do-veneno-no-brasil.htm
https://www.dw.com/pt-br/alemanha-quer-proibir-exporta%C3%A7%C3%A3o-de-pesticidas-banidos-na-ue/a-63083381
https://www.dw.com/pt-br/agrot%C3%B3xicos-banidos-na-ue-e-eua-encontram-terreno-f%C3%A9rtil-no-brasil/a-61004105
https://www.greenpeace.org/brasil/blog/pacote-do-veneno-pode-ser-votado-a-qualquer-momento
https://oeco.org.br/noticias/mais-agrotoxicos-pode-ser-o-presente-de-natal-do-senado-aos-brasileiros/