19ª edição do maior encontro de sementes crioulas do Centro-Sul do Paraná coroou o final de agosto, marcando novo ano agrícola
Centenas de variedades de milho crioulo, feijão, abóbora, hortaliças, flores. Pacotes com as mais diversas espécies de “miudezas”, como são chamadas no Paraná as sementes pequenas de tamanho, mas gigantes na importância. Elas representam a soberania e segurança alimentar e nutricional tanto das famílias guardiãs, que as conservam e multiplicam, quanto das famílias que as consomem – seja em forma de semente ou de alimento, após a colheita.
Inaugurando o Parque de Exposições Francisco Rutcoski, em Palmeira, região centro-sul paranaense, toda essa diversidade genética, de conhecimentos e territórios, esteve presente na 19ª Feira Regional de Sementes Crioulas e da Agrobiodiversidade. Nas fileiras de mesas, organizadas em mutirão no dia anterior, 115 famílias expositoras preencheram o barracão com sua riqueza única de sementes, mudas, flores e artesanatos.
Realizada nos dias 25 e 26 de agosto, esta edição da feira recebeu milhares de pessoas e trouxe como lema “Cuidando dos Bens Comuns: Alimentos Saudáveis, Saúde Popular e Resgate de Tradições”.. Os trabalhos relacionados aos cuidados estão profundamente conectados às mãos das mulheres, em total sinergia com o lema de 2023, e um reflexo da crescente participação feminina, que protagonizou 66% das bancas este ano.
As delegações vieram de mais de 30 municípios de diferentes regiões do estado do Paraná, além de São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro, entre estudantes, povos indígenas, comunidades quilombolas e organizações populares do campo e da cidade. O papel das feiras é central na animação das redes territoriais de agroecologia, ao ser um ponto de encontro entre diferentes sujeitos comprometidos com a preservação da agrobiodiversidade, com o combate à fome, à produção de alimentos e a construção de sistemas agroalimentares saudáveis, justos e territorializados.
Algumas tradições importantes acompanham e fortalecem as feiras de sementes. Para os milhos foram realizados rigorosos testes de transgenia, assegurando que apenas variedades crioulas circulassem pela feira, compondo uma das estratégias de enfrentamento à contaminação por variedades transgênicas. Em 2023 foram realizados nove testes de transgenia para detectar contaminação, todos com resultados positivos da pureza dos milhos. Outra tradição importante está associada à realização da feira no mês de agosto, celebrando o aguardado momento de preparar a terra e semear novamente, iniciando mais um ano agrícola. A banda oficial é a Filhos da Mãe Terra, de Mandirituba, trazendo músicas autorais de valorização da cultura popular e da agrobiodiversidade.
Uma novidade de 2023 foi o Espaço da Saúde Popular, organizado pelo Grupo de Mulheres do Coletivo Triunfo. Aromas, texturas e o chá quente, confortando os dias frios do final do inverno, acompanharam este espaço ao longo da feira. Na oficina sobre plantas medicinais e sua importância nas comunidades, partilha de histórias de vida acompanhadas de processos de cura física, emocional, espiritual. Mais de 200 mudas de plantas medicinais, flores e frutíferas foram doadas, como também fitoterápicos produzidos pelo grupo em encontro preparatório para a feira.
Para Miriane Serrato, assessora da AS-PTA, “as feiras regionais acontecem historicamente por uma construção coletiva das famílias guardiãs e suas organizações de base, com o principal intuito de fortalecer a luta camponesa e preservar a agrobiodiversidade da nossa região, que cada vez mais é engolida pela lógica do agronegócio. Ver a diversidade nas mesas dos expositores em cada feira regional é um símbolo de resistência dos povos do campo.”
As feiras regionais, assim como os demais encontros que dão vida ao calendário de festas e feiras de sementes, têm o intuito de promover processos de preservação e multiplicação da agrobiodiversidade. Funcionam como bancos genéticos itinerantes, que carregam em si sementes crioulas, flores, mudas de árvores e plantas medicinais, ramas e tubérculos, raças de animais, criando também mercados territoriais e processos de incidência política.
Na região centro-sul, elas são convocadas pelo Coletivo Triunfo e seus mais de 25 grupos comunitários e organizações da agricultura familiar, como cooperativas, sindicatos e associações, e assessorado pelo Programa Local Paraná da AS-PTA.
Durante a abertura oficial, na manhã de sábado (26), após a benção ecumênica das sementes, as falas marcam a presença e valorização da cultura tradicional dos povos e o momento de retomada do Brasil, com políticas públicas voltadas à promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional.
Joel Anastácio, Kaingang da Terra Indígena de Mangueirinha, sudoeste do Paraná, e agrônomo formado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), afirmou a importância da produção da agricultura familiar na erradicação da fome. “Viemos para a feira com alguns indígenas, eles trouxeram suas artes para expor, e nesta fala quero deixar uma mensagem aos agricultores e aos guardiões de sementes em nome do nosso povo, para que se sintam orgulhosos, por que vocês sustentam nosso Brasil com alimentos saudáveis, vocês se preocupam de verdade com a segurança alimentar”, disse Joel.
Para a coordenadora-geral do Escritório Estadual do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Familiar (MDA) no Paraná, Leila Klenk, é urgente a necessidade de políticas públicas voltadas para a agricultura familiar e a distribuição de recursos. “É um orgulho enorme prestigiar esta Feira Regional, eu coloco o ministério à disposição de todos, reitero que precisamos nos unir para que, juntos, deputados estaduais e federais possamos fazer o direcionamento das emendas parlamentares de forma coletiva, que venha a atender as necessidades dos agricultores familiares, para que os recursos a exemplo do Pronaf sejam colocados para aqueles que mais precisam. Estou muito emocionada em ver que vocês, guardiões das sementes, guardam a vida e o tempo. A primavera se anuncia, e com ela, uma nova safra, uma nova vida, uma nova esperança, na luta sempre juntos”, afirmou a coordenadora.
Os encontros que a Feira Regional possibilita são culminâncias de múltiplos e variados processos animados por diversas redes e grupos no Paraná e no país. Ou seja, ela ocorre pela ação conjunta de sujeitos coletivos que, desde os seus lugares de atuação, cuidam dos bens comuns e contribuem para a restauração dos sistemas agroalimentares.
Fotos: Fernando Angeoletto e Vinícius Luiz Correia