Nos primeiros dois dias da Mesa de Diálogos Energia Renovável: Direitos e Impactos, muitos recados para o presidente das agricultoras do Polo da Borborema
“A gente entende que o governo Lula vai ser um grande governo se escutar a sociedade. Esse aqui é um momento de dizer ‘Lula, isso não está dando certo. Queremos te ajudar a encontrar os caminhos para a geração de energia renovável no país “, declarou Roselita Vitor, liderança territorial, regional e nacional e referência nos temas de agroecologia e convivência com o Semiárido.
Rose, que também faz parte da coordenação da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, movimento que mobilizou milhares de mulheres agricultoras da Paraíba para dizer ‘NÃO’ às indústrias de energia renovável, falou para uma comitiva do governo federal em visita à Paraíba e Pernambuco desde a terça-feira passada (24). Os visitantes fazem parte da Mesa de Diálogos Energia Renovável: Direitos e Impactos, instituída pela Secretaria Geral da Presidência no dia 11 de setembro passado.
Participaram, desta primeira visita de campo da Mesa, representantes dos Ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, das Minas e Energia, do Incra e da Fiocruz, além da Secretária Geral da Presidência. Acompanham a caravana além do Polo da Borborema e da AS-PTA, a Comissão Pastoral da Terra, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Comitê de Energias Renováveis do Semiárido (CERSA), Articulação do Semiárido Paraibano (ASA Paraíba), Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado da Paraíba (Fetag-PB), entre outras instituições.
Recado de quem superou a pobreza extrema – “Hoje, tenho fogão (ecológico), reúso (de água servida), canteiro (que economiza água), tela (para proteger as hortaliças dos animais criados ao redor de casa), não tenho água agora, mas não tenho sede. Não tenho mais vestido rasgado e sou gestora do fundo rotativo solidário da minha comunidade”, disparou Maria Helena Barbosa, da comunidade Bom Sucesso, localizada na parte mais seca do município de Solânea, que também faz parte do território do Polo da Borborema.
Ao fim de uma fala emocionante, na qual contou a trajetória de sua vida que mudou significativamente com a sua participação em espaços sociais, como o sindicato e o movimento de mulheres do território, e com o acesso à políticas públicas de convivência com o Semiárido e à promoção da agroecologia, ela arrematou: “Essa é a nossa história simples que queremos que chegue ao nosso presidente.”
A história de Maria Helena se repete pelo Semiárido brasileiro aos montes. Segundo artigo publicado em revista do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado ao Ministério da Economia), em 2011, quase 75% das famílias localizadas na zona rural do semiárido são de baixa renda, consideradas como aquelas com renda per capita igual ou menor a meio salário mínimo.
Em 2010, dados do CadÚnico – cadastro de famílias de baixa renda – indicavam a existência de quatro milhões de famílias com renda per capita mensal de até R$140 no Semiárido Brasileiro. Ou seja: que viviam em situação de extrema pobreza, a partir dos critérios adotados pelo Banco Mundial para definir o limiar dessa condição.
Muitas das tecnologias citadas por Maria Helena foram implementadas na região via políticas públicas criadas e mantidas nos governos de Lula e Dilma. Só no território do Polo da Borborema, foram 12 mil famílias rurais foram contempladas com cisternas de água de beber e 2,8 mil possuem tecnologias que armazenam água da chuva para a produção de alimentos e matar a sede dos animais.
Ao todo, foram investidos só na Borborema R$ 53.046.297,86 pelos programas de acesso à água, como o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), executados com recursos públicos pela ASA Brasil.
Diversas vozes, único apelo – “Levem o nosso recado, sejam nossos porta-vozes. Estamos pedindo pela agricultura familiar não só do nosso território, mas de toda a Paraíba, que votaram em massa no presidente Lula. Como vamos dar continuidade a tudo isso que construímos, se estamos com as nossas terras ameaçadas?”, sustentou outra liderança do território, Anunciada Flor, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Queimadas.
E seguiu: “Queremos placas solares em cima de nossos telhados. Estamos lutando por isso como lutamos pelas cisternas ao lado das casas numa época em que só existiam os grandes açudes que beneficiavam os latifundiários”.
“A gente quer permanecer no campo com dignidade, com escola. Eu quero ter acesso à água, às tecnologias de aumento da produção. Nesse território não cabe o modelo centralizado de produção de energia renovável”, sustentou Adailma Ezequiel, liderança jovem também do Sindicato de Queimadas e do Polo da Borborema, que representou a juventude camponesa no segundo dia da visita da Mesa de Diálogos.
“A gente está construindo o território agroecológico há 30 anos. É muita luta! É muita resistência!”, sentenciou Roselita. “A gente não quer esse modelo aqui, mas também não quer em outro território. Desenvolvimento não é só ter dinheiro. É ter saúde, bem estar. A gente precisa fazer uma força tarefa para que outros territórios não se transformem em outra tragédia como Caetés”.
“O governo Lula tem que entender que o Semiárido fez diferença na eleição dele. Hoje, estamos numa guerra. Se continuar esse trator, não só no nosso território e no estado, mas em todo o Brasil, em 10 anos, não vamos mais ter alimentos da agricultura familiar. Teremos produtos nos supermercados contaminados por agrotóxicos e repletos de conservantes”, profetizou outra liderança feminina do Polo da Borborema, Gizelda Beserra.
“O governo tem que dar atenção a nós, o povo que produz alimento, que planta, que defende o meio ambiente. Precisamos repensar a forma desse capitalismo que devasta tudo”, acrescentou Gizelda numa fala emocionada.
Afinal de contas, como disse Rita Izidoro, mais uma agricultora do território: “Somos grandes agricultores com pequenas terras. Botamos comida na casa do advogado e do presidente”. E foi aplaudida pelos presentes.
Com a palavra, os visitantes – Depois de muito ouvir, se emocionar e ver, os representantes do governo federal também foram escutados:
“O motivo de nossa vinda é que o governo federal está buscando entender como essa situação que vocês apresentam deve ser considerada para uma transição energética. Estamos voltando com elementos que, muitas vezes, não aparecem por si só. Vocês foram até lá (Brasília), abriram a agenda com o ministro Márcio Macedo, e por conta disso nós estamos aqui hoje. Quando há organização e resistência, o território faz diferença”, falou Fábio Tomaz, da Secretaria Geral da Presidência.
“Esse território tem um projeto de desenvolvimento e não pode chegar outro e passar por cima do que já existe”, defendeu Alexandre Pires, do Ministério do Meio Ambiente. “Os governos estaduais também precisam enxergar esses projetos da agroecologia e da convivência com o Semiárido que estão em construção há muitos anos”, complementou.
“Temos que sair daqui com certo sentido de urgência para forjar reuniões para que a coisa flua com mais rapidez”, sentenciou Laudicéia Andrade, representante do Incra nacional.
Urgência máxima – A partir da fala de Laudicéia, o advogado que assessora a resistência à chegada das indústrias de energia em vários territórios da Paraíba, Claudionor Vital, acrescentou uma informação essencial para reforçar esse senso de urgência: “Os cronogramas de instalação de vários mega empreendimentos na Paraíba apontam que, em janeiro que vem, serão iniciadas a instalação dos aerogeradores. Em breve, as máquinas vão estar revirando o solo e desmatando a Caatinga.”
Um desses empreendimentos é o Complexo Eólico Pedra Lavrada, com 372 aerogeradores, que vai ocupar uma área de 1,6 mil hectares em pleno Seridó da Paraíba e Rio Grande, onde o processo de desertificação do solo está em estágio bastante avançado.
Na Paraíba, a empresa Ventos de São Cléofas Energias Renováveis, um braço da Casa do Ventos, que tem atuado no território da Borborema, já conseguiu licença para instalação de 23 parques em Pedra Lavrada e Nova Palmeira.
Outro empreendimento que está prestes a levantar as estruturas gigantes das torres eólicas é o Complexo Serra da Borborema, levado a cabo pela empresa EDP Renováveis Brasil. Ela já obteve licença de instalação para cinco parques eólicos nos municípios de Pocinhos, Esperança e Areial. Estes dois últimos dentro do território da Borborema Agroecológica.