A afirmação é de Nequinho, uma das lideranças do Polo, que sintetizou o que muitos disseram no balanço de fim de ano deste coletivo
“Precisamos avançar na formação política”, disse um. “As pessoas não sabem porque a política pública chegou ali. Acham que é o prefeito que é bonzinho. A gente culpa os outros, mas também nos omitimos de fazer nosso papel político”, acrescentou outra. “Somos uma categoria que temos muito a dizer sobre o nosso projeto [político de sociedade]”, sustenta outro. “Precisamos fazer romaria nas comunidades e reinventar a nossa comunicação”, dispara mais alguém.
Ditas em momentos distintos durante o encontro de avaliação do Polo da Borborema, as afirmações apontam para um caminho a ser trilhado, com mais ênfase, em 2024, ano de eleições municipais. O encontro de avaliação do ano do Polo da Borborema aconteceu na terça e quarta da semana passada (5 e 6) no Centro de Formação Padre Ibiapina, em Solânea, na Paraíba.
Na verdade, este caminho não é novo, mas reafirma uma característica do Polo da Borborema, que é ter os pés fincados no chão da realidade comunitária. “O Sindicalismo pé no chão é aquele que faz a luta política e está enraizado na sua base. Essa é a nossa digital no movimento sindical. Nossa marca, nossa assinatura. Isso não é simples por conta dos desmontes que vivemos nos últimos anos. Nossa ação era irrigada pelas políticas públicas de acesso à direitos. E a pandemia nos imobilizou pra completar. 2023 é o primeiro ano completo que a gente volta a se reunir com segurança”, pontuou Manoel Oliveira, conhecido como Nequinho, do Sindicato de Alagoa Nova e da coordenação do Polo, uma das lideranças mais antigas da luta pela terra na região.
Nos últimos anos, principalmente, a partir do golpe de 2016 que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, a ação dos sindicatos foi muito exigida para processos administrativos de solicitação de benefícios previdenciários e sociais, uma vez que várias agências do INSS foram fechadas.
Tal demanda deslocou em grande medida a energia dedicada à formação da base para o ‘atendimento de birô’. Mesmo sentindo esta tensão, os sindicatos do Polo buscavam conectar as ações com as necessidades das comunidades para se manter coerentes com a missão assumida desde a sua formação: de serem sindicatos comprometidos com a luta por direitos a partir da escuta dos/as agricultores/as. “A direção sindical entendeu que toda mudança começa na base”, sustentou Ana Paula Cândido, do Sindicato de Queimadas.
Estas falas foram sendo ditas a partir dos debates suscitados em cada momento do encontro. O primeiro deles foi para avaliar os avanços e desafios do Polo e sindicatos no ano que está terminando.
Avanços e desafios – Sobre os avanços em 2023, as falas reuniam vários pontos, desde a dinâmica de cada sindicato como a territorial. Destaque para a mobilização crescente da juventude, os grupos de Fundo Rotativo Solidário (FRS) e o aumento da produção agroecológica com escoamento para os pontos de comercialização criados pelo Polo – feiras e Quitandas da Borborema. Mas houve também o reconhecimento dos avanços na luta em defesa do território contra a instalação das indústrias de energia renovável.
Entre os desafios, as eleições municipais de 2024, os governos que dão aval e estimulam a entrada das indústrias de energia nos territórios e o movimento iniciado no governo federal passado de desqualificação e anulação dos sindicatos.
Após uma rodada de socialização de avanços e desafios, Luciano Silveira, assessor da AS-PTA, situou os desafios vividos contextualizando-os com a recente da política nacional: “Estávamos submersos e estamos conseguindo sair deste espaço sombrio por conta de um governo progressista, mas que também, pela correlação de forças postas, não é fácil para nossa ação. A reconstrução do nosso tecido organizativo exige esforço e é um trabalho invisível e ele demonstra que nossos pés estão fincados no chão e os braços erguidos para a luta que é grande porque a desigualdade é imensa e precisamos lutar por nossos direitos.”
Entre os desafios, além dos já relatados, Luciano trouxe mais um elemento fundamental para a produção agrícola nos próximos tempos: as mudanças climáticas. Como o nosso projeto vai fortalecer as capacidades das comunidades para que sigam produzindo apesar das alterações no clima? Essas alterações implicam no aparecimento de pragas. Como está o uso de agrotóxicos nos municípios? Tem aumentado? Precisamos retomar a luta contra o uso de agrotóxicos e de transgênicos com mais força.
Avanços e desafios postos, o próximo passo foi olhar para a conjuntura política nas três esferas – nacional, estadual e municipal. Antes, porém, um breve passeio pela história do sindicalismo no Brasil.
“Estamos muito felizes neste debate por vários motivos: primeiro, por perceber a quantidade de avanços. Segundo, pelo resgate histórico feito por Luciano. Nosso papel no sindicalismo é ir para a base. Só temos esse caminho”, sustentou Nequinho.
Um olhar panorâmico – Quando a questão a ser olhada é a trajetória do Polo nos últimos 20 anos se evidenciam as escolhas feitas que deram ao coletivo a envergadura que tem. Trata-se de uma organização com capacidades de articular resistências a grandes projetos, como a implantação das indústrias de energia renovável, incompatíveis com aquele defendido pelos sindicatos para o território.
“Se a gente não conhece a nossa história, vamos falar de uma coisa e fazer outra”, sustentou Roselita Vitor, do sindicato de Remígio e uma das lideranças do Polo. E conhecer a história tem a ver com reconhecer as escolhas feitas. Uma delas foi trazida à tona com muita lucidez pelos presentes: “Democratizamos o poder e a participação”, anunciou Marizelda Salviano, do Sindicato de Esperança.
“Garantir os direitos, a legitimidade e a igualdade das mulheres e jovens é nosso dever enquanto sindicatos. Pra isso acontecer, devemos quebrar estruturas de poder e opressão tão presentes nos Sindicatos Rurais. Que o nosso movimento sindical esteja mais perto do que Paulo Freire falava”, sublinhou Rose, se referindo ao famoso pensamento do educador: “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática.”
O Sindicato continua de portas abertas – No bojo do debate sobre o sindicalismo, houve um momento para reafirmar que, diante dos novos desafios apresentados ao funcionamento dos sindicatos, o Polo reafirma que aqueles que o compõem continuam de portas abertas para receber, atender, organizar e representar seus/suas associados/as.
Em plena pandemia, os sindicatos sofreram um ataque forte para a sua desmobilização e enfraquecimento. “No meu município, chegaram a dizer que os sindicatos estavam se acabando”, lembra Rose.
“Teve agricultor que disse que não precisava de sindicato. Isso porque houve uma portaria que legitima a ação de advogados para solicitar os benefícios”, comenta Maria do Céu Silva, do Sindicato de Solânea e também da coordenação do Polo. Neste caso, os advogados cobram caro pelo serviço que prestam quando os sindicatos o fazem de graça para seus associados/as.
“No momento do ataque ao movimento sindical, lá pros idos de 2018, abrimos nossas portas e nos mantivemos assim até na pandemia. Fizemos uma campanha pra dizer isso e entendemos que, hoje em dia, devemos continuar com essa campanha”, anuncia Rose.
Segundo ela, a campanha “O Sindicato continua de portas abertas” é, sobretudo, uma iniciativa para ativar o pertencimento dos/as agricultores/as ao sindicato. “Quem busca um advogado só vai por esse caminho porque não tem clareza sobre o papel do sindicato. Como a gente contribui para que eles/as confiem em nós? Como fortalecemos a identidade da base. Quem é sindicato não é só a diretoria. É também quem está nos fundos rotativos solidários, os jovens, as mulheres.”
“Temos uma infinidade de ações, mas quem não acompanha o sindicato mais de perto, acha que ele serve apenas para aposentadoria. Acredito que essa campanha vai ter mais sucesso que a primeira”, aposta Fabiana Alvarenga, do Sindicato e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável de Lagoa Seca.
Peças – A campanha vai ter várias peças que inclui desde os famosos calendários e agendas que há décadas são feitos até camisas, canecas, copos, chaveiros e adesivos. Além disso, haverá também uma comunidade no whatsapp por onde serão informadas as ações que o Polo e os sindicatos estão envolvidos. Qualquer pessoa que tenha interesse em receber as informações pode entrar na comunidade. A chave para isso são os códigos (QRCode) que estão impressos nos calendários 2024 que começam a ser distribuídos.
Calendários – Por falar neles, esta peça de comunicação popular, tão bem acolhida na casa das famílias agricultoras e espaços coletivos, como sede das associações e bancos comunitários, como escolas, ganharam um momento à parte no evento da semana passada.
Contando com o calendário de 2024, são 25 edições já produzidas. Cada um com uma temática escolhida coletivamente e que tem a ver com um tema central para a luta do ano, que reforça o projeto político que o Polo vem construindo.
Por isso, a cada 12 meses, o tema é diferente. Já houve calendário que afirmava a importância das sementes crioulas, sobre a luta em defesa do território contra dos projetos que vêm de fora e ameaçam a produção de alimentos agroecológicos ou a disposição dos sindicatos de seguirem sua missão de defender os direitos das famílias do campo. Sempre de portas abertas.