Grupos comunitários de mulheres e sua presença nas organizações de base aumentaram nos últimos anos
Os preparativos para o encontro começaram já nos dias anteriores. Separar as sementes para a mandala, aquela muda para troca que já foi combinada com a comadre, o tradicional alimento para a mesa da partilha. Na bolsa, vai junto a bandeira de luta e muita expectativa.
Foi assim, em vans, ônibus e carros, vindas de muitas comunidades rurais e municípios do Centro-Sul do Paraná, que mais de 130 agricultoras saíram de suas casas no último dia 08 de março.
O cuidado consigo e com a comunidade são os laços que mantém ativas as redes de apoio entre mulheres. Encarando diariamente duplas e triplas jornadas de trabalho, que envolvem tarefas de cuidados, trabalhos domésticos e na roça, voltar o olhar para si é fundamental.
“O Encontro Regional de Mulheres do Coletivo Triunfo reúne agricultoras de muitos municípios e grupos comunitários. Conhecer a história que marca o 8M, Dia Internacional da Mulher, é também conhecer um pouco da história de luta de cada uma” diz Miriane Serrato, assessora do Programa Local Paraná da AS-PTA. É reconhecer também que ainda temos um longo caminho a percorrer contra as desigualdades e diversos tipos de violência.
Inspiração nas mais velhas
O ponto de encontro foi na comunidade de Passo do Tio Paulo, município de Palmeira. Para Rosiliane Levandoski, agricultora e integrante do grupo Passo Delas, que acolheu o encontro, “foi emocionante ver todas as mulheres reunidas. Nos preparativos a gente sabia que seria bastante. Mas vendo pessoalmente todas aquelas mulheres presentes eu tive a noção real do quão unidas estavam e o tamanho do evento. Foi muito gratificante, receber um encontro aqui na comunidade nessa proporção de participação.”
Durante todo o dia, as mulheres partilharam suas histórias, relembrando as conquistas deixadas pelas que vieram antes, reforçando o compromisso com a luta diária do presente e pelas que ainda estão por vir.
Para inspirar essa jornada, uma visita especial. Com os guarda-chuvas abertos para enfrentar a chuva fina que caiu no início da caminhada, as mulheres conheceram a propriedade de Dona Balbina Iantas, agricultora de 72 anos, referência na coragem e pioneirismo na produção agroecológica na região.
Milho, feijão, mandioca, abóbora, verduras, frutas, flores. De tudo se encontra ao caminhar pelo sítio, que ela apresenta com gosto e todas mantêm o olhar atento. A mensagem é direta: “nós não podemos parar, temos que seguir em frente, plantando, produzindo e lutando”, afirma a agricultora, que foi sindicalista, atuando pela conquista de direitos.
Hoje, mesmo após a partida de seu esposo, Balbina segue ativa no Grupo São Francisco de Assis da Rede Ecovida de Agroecologia, com a missão de cuidar, ensinar e partilhar.
Uma onda crescente
Um painel com a frase “mulheres são como águas, crescem quando se encontram”, provocava as agricultoras a refletir onde estava, naquele momento, a gota que a representava dentro do rio. Se bem no meio, mais pro alto, um pouco mais para o fundo.
Onde quer que fosse, havia companheiras ao redor. É desta maneira que se criam espaços de segurança, onde as mulheres se sentem confortáveis para falar, o que é uma conquista.
Para Silvana dos Santos Moreira, professora do Instituto Federal do Paraná – campus Irati e doutora em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), este é um dentre os três componentes presentes na organização dos encontros.
“Ter um espaço para falar sobre nosso cotidiano e dificuldades faz com que a gente ganhe força, de reivindicar um espaço produtivo para fazer o quintal, para estar presente no planejamento produtivo e econômico das propriedades e estarmos presentes nos espaços de decisão”, afirma Silvana.
Os outros dois, segundo a professora, são a mística de abertura e a partilha da mandala ao final, com dezenas de variedades de sementes, plantas, remédios caseiros e artesanatos trazidos pelas mulheres; e a inserção de momentos de formação política, fundamental “para que elas saibam o que são as políticas públicas, a importância delas reivindicarem nas diversas frentes, como crédito, produção, para saúde, contra as violências”.
“Quando vemos as mulheres se organizando e formando grupos, percebemos que outras mulheres também se motivam a participar. Então ter grupos de mulheres nas comunidades camponesas é muito importante e nós vamos aos poucos ganhando força nesse processo. E o encontro que fizemos é importante neste sentido”, encerra. Para que essa ciranda continue, os próximos passos já estão combinados, com encontros marcados até o final do ano.
O Grupo de Mulheres do Coletivo Triunfo é resultado da luta e resistência das mulheres agricultoras, perante um cenário que sempre teve a maioria da participação e liderança masculina. Com esse espaço, floresceram diálogos abertos, partilha de anseios, novas vozes e lideranças. “Agora as mulheres têm percebido o valor da coletividade e a importância de se juntar a outras mulheres para a construção deste espaço”, reflete Miriane.
Imagens: Dora Leandra / AS-PTA