O chamado para enfrentar o patriarcado abriu mais um ciclo de formação do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) que aconteceu na Paraíba esta semana
“Sabe aquilo que vocês falaram? Tem tudo a ver com a minha vida. Enquanto eu ouvia, um filme ia passando na minha cabeça sobre a minha família.” A afirmação é de Lusirene Coutinho Moita, 26 anos, nascida no Sertão cearense. Luz – como gosta de ser chamada – se referiu aos apelos feitos pelas três representantes da ASA Paraíba na abertura de um mais um ciclo de formações promovido pela ASA nesta semana.
Nas falas, chamados para que as ações junto às famílias rurais tenham, não só a intenção de enfrentar a fome e pobreza, mas também o patriarcado, tão naturalizado aos olhos da sociedade em geral e, principalmente, entre as famílias do campo.
– Dêem atenção ao que as mulheres têm a dizer.
– Precisamos fazer uma excelente escuta das mulheres.
– Se a gente não olhar para o cotidiano, certas situações de opressão vão continuar.
– A gente pode sair do Mapa da Fome, com várias políticas públicas, mas também precisamos transformar as relações sociais para o Bem Viver, com justiça social e de gênero.
– Assim como assumimos a Convivência com o Semiárido, precisamos assumir também a nossa responsabilidade para desmantelar esse sistema que oprime as mulheres.
Os recados de Glória Batista, Madalena Medeiros e Patrícia Sampaio foram direcionados para uma plateia mista: metade homens, metade mulheres. A maior parte, técnicos e técnicas que vão executar a política pública de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER): o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2).
As ‘palestras’ abriram a formação de três dias, iniciada na terça-feira, dia 2 de abril e finalizada no dia 4 de abril, no território da Borborema, em pleno Semiárido paraibano. O evento reuniu cerca de 30 pessoas de quatro organizações contratadas para executar o P1+2 com apoio da Fundação Banco do Brasil (FBB) e recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES): a AS-PTA, com atuação na Paraíba; a AACC, no Rio Grande do Norte; a Obra Kolping, no Piauí, e a Flor de Piqui, no Ceará e Maranhão.
A jovem Luz – Citada no início do texto, é uma das técnicas mais novas do grupo em formação. Assim como muitos outros/as presentes, Luz tem muito a oferecer às famílias que vai conhecer e acompanhar. Não só por ser do Semiárido e ter experiências muito parecidas com as que ela vai encontrar nas visitas a campo, mas pela sua sensibilidade e vontade de mudar o mundo a partir do local onde nasceu e vive.
Ela gosta de afirmar que a EFA Ibiapaba Chico Antônio Bié abriu as portas para ela vislumbrar outro Semiárido. Mas também a conduziu para uma busca de conhecimento sobre a agroecologia que a tem levado muito longe. Da EFA em Tianguá, no Ceará, ela fez uma graduação em Agroecologia no Instituto Federal do Piauí, em Cocal, e de lá saiu acumulando experiências em vários projetos como o Agroecologizando, que levou o tema para a escola do campo Thomas A Kempis, no município de Pedro II, no Piauí.
Estes caminhos levaram Luz, em fevereiro passado, para o município de Araioses, no Maranhão. É lá que ela vai desenvolver todo o processo de acompanhamento de 100 famílias que serão atendidas nesta etapa do P1+2 pela instituição Flor do Piqui.
Para conhecer melhor as famílias – Para tanto, Luz esteve na visita de campo com mais quatro pessoas da AS-PTA, Obra Kolping, AACC e Flor do Piqui, na comunidade Olho d’Água, no município de Damião, para conhecer a família de Lucineide Maria da Rocha. A agricultora de 37 anos, que mora com duas filhas, uma de 14 e outra de 1 ano e quatro meses, será uma das 150 famílias atendidas no município.
A visita à Lucineide, como a outras quatro famílias da mesma comunidade, é para Luz e todos os/as técnicos/as presentes na formação experimentarem o uso do Método Lume numa versão simplificada. Este método permite que se lance um olhar sistêmico sobre a trajetória da família ao longo dos anos até chegar na situação atual. Assim como ilumina dimensões da vida que vai além da esfera produtiva e financeira, como a relação da família com espaços coletivos, associação da comunidade, sindicato, igreja, etc. E também permite compreender se as políticas públicas direcionadas para as famílias rurais têm chegado para esta família e quais mudanças de vida têm impulsionado.
Com base neste método, as equipes técnicas fazem, em colaboração ativa com as famílias, um diagnóstico do agroecossistema – espaço que a família maneja para a reprodução de vida. Este diagnóstico vai orientar um plano produtivo que será concretizado com os R$ 4,6 mil que cada família irá receber, através do projeto do P1+2, junto com a cisterna de 52 mil litros, para impulsionar a produção de alimentos.
O P1+2 – Concebido pela ASA em 2007 como um programa de acesso à água para produção de alimentos, o Programa Uma Terra e Duas Águas tem se caracterizado também como uma ação de assistência técnica para as famílias rurais. Uma vez que só construir uma tecnologia social para armazenar água da chuva não é o suficiente para que as famílias fortaleçam a sua produção de alimentos.
Na fase atual do P1+2, iniciada com a retomada do programa após o período de desmonte nas políticas públicas de combate à pobreza e à fome, serão atendidas 5,4 mil famílias em todo o Semiárido brasileiro. Além da FBB/BNDES, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome também apoia o P1+2 através do Programa Cisternas.