Na Borborema Agroecológica, no Semiárido da Paraíba, enquanto as sementes de algodão brotam nos roçados, o contrato de compra de toda a safra é assinado pela empresa francesa Veja e a CoopBorborema. A Coop é a cooperativa criada pelo Polo da Borborema para viabilizar a venda da produção agroecológica do território para instituições privadas e públicas.
O ano de 2024 é o quinto consecutivo que o Polo e a AS-PTA estimulam o cultivo do algodão agroecológico em consórcio com outras culturas alimentares na região. Atualmente, o plantio está organizado em núcleos que agregam comunidades próximas, onde vivem famílias que se comprometeram com o plantio. Solânea tem três núcleos, cada um com um banco de sementes comunitário. Esperança tem dois núcleos. E, em Remígio, Queimadas e Algodão de Jandaíra, há um núcleo em cada município.
Os/as produtores/as de algodão de Solânea estão situados no ambiente mais árido do território da Borborema Agroecológica, o Curimataú. No ano passado, 67 famílias foram responsáveis pela colheita de 14 toneladas de rama, quando o território da Borborema Agroecológica lucrou, ao todo, 19,5 mil toneladas.
Por se dar bem num clima mais árido, a cultura do algodão é uma importante aliada para as famílias agricultoras seguirem vivendo no Semiárido em tempos de extremos climáticos. Costuma-se dizer que, quando as lavouras de feijão, milho, macaxeira, fava… não dão, o algodão dá. E ele salva a renda familiar bem na época mais seca do ano na região, que é entre outubro e fevereiro.
Do Curimataú, seu Antônio Barros vai plantar algodão pelo terceiro ano. Em 2023, ele foi o agricultor que teve maior lucro no plantio na região. “Desde criança, plantei muito algodão. Até 2011, meu pai chegou a plantar. Não tinha o bicudo, mas tava bem barato e não compensava a produção”, conta Antônio, que trabalha com o filho no roçado e, na época da colheita, chega a contratar mão de obra para dar conta do recado, mesmo ele chegando a colher 100 kg de rama por dia. Tal desempenho chamou atenção do pessoal da Veja. Este ano, Antônio já plantou algodão, consorciado com milho e feijão macassar, em 4,5 hectares. E o roçado está bonito.
Outro agricultor do Curimataú que aderiu ao cultivo do algodão agroecológico foi Risonaldo Ferreira. Em 2022, foi ele o campeão de safra. “Estamos produzindo algodão bem mais fácil hoje. Temos menos despesa e o valor de venda é melhor. Meu pai plantou algodão até 2000.”
Riso, como é conhecido, mora a uns três quilômetros de distância em linha reta de Antônio. Mas o roçado dele não está tão desenvolvido quanto o do vizinho. Este ano, a área de Antônio está sendo privilegiada com chuvas constantes.
“São 65 dias que chove. Aqui, não faltou chuva. Mas as chuvadas passam num canto e no outro, não. Não pegou o inverno de forma geral na região”, comenta Antônio, estranhando o comportamento das chuvas.
Já na área de Riso: “Nos dias 31 (de março) e 1º (de abril) choveu bastante. Mas do segundo dia a 16 (de abril) foram dias bem sofridos”, ressalta ele, justificando o desenvolvimento mais acanhado de seu roçado.
Venda garantida – Antes de assinar o contrato de compra do algodão que tem duração de dois anos, representantes da Veja visitaram núcleos de produção em Solânea. Foram conhecer a área de plantio da família de Antônio e de Riso, no dia anterior, e na manhã seguinte, a de seu Eronildes e dona Erondina. A volta no roçado do casal foi feita acompanhada de um grupo de produtores dos municípios de Queimadas e Esperança que vieram testemunhar a assinatura.
Antes da assinatura em si, houve uma conversa entre os/a representantes da Veja e as/os agricultoras e agricultores presentes. Foi quando a empresa apresentou as condições que interessam a ela para a compra do algodão. Algumas questões estão no campo técnico como o roçado ter até 60% de algodão e o restante da área com outras culturas; outras são compromissos éticos como não haver trabalho escravo, nem qualquer tipo de discriminação.
Segundo Alexandre Dias, um dos representantes da Veja na região Nordeste, essa é uma forma de incentivar que as famílias pratiquem preceitos básicos da agroecologia. “Agroecologia não é só alimento saudável, mas também é contribuição para o enfrentamento às mudanças climáticas”, assegura ele.
Além da sensibilização sobre as práticas do cultivo, também foi apresentado o preço de compra do algodão. Essa foi a hora mais esperada entre os presentes. Houve até quem fotografasse do celular a tela projetada na parede do banco de sementes comunitário de Goiana, onde estava acontecendo a reunião.
Em 2024, o algodão plantado por quem está em processo de transição agroecológica vai ser comprado pelo preço de 18,00 reais o quilo da pluma. Neste valor, ainda precisam ser descontados vários impostos como ICMS. Para quem já tem a certificação de produção orgânica, chancelado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o valor bruto do quilo da pluma é de quase 20,00 reais.
Alexandre expôs também o valor de uma premiação que é dada para quem preenche o caderno de campo e também quem tem a prática de fazer o “vazio sanitário” após a colheita do algodão. Esse vazio é o arranque do pé para evitar a propagação do bicudo, uma das principais pragas do algodão.
Certificação dos produtores de algodão – Para desenvolver o processo de reconhecimento da produção do algodão como orgânica, a EcoBorborema é mais uma organização do Polo da Borborema que se apresenta para prestar apoio às famílias produtoras.
“A EcoBorborema mudou seu regimento interno para acolher os/as plantadores/as de algodão. Pra conquistar a certificação, vocês precisam ser sócios/as da Eco e comparecer, no mínimo, a duas assembleias por ano, além de participar também dos momentos de formação que nós promovemos. Daqui por diante, vamos estar mais juntos da Rede de Sementes do Polo da Borborema”, afirma Anilda Batista, uma das coordenadoras da Eco.
Na verdade, quando uma família agricultora conquista o título de produtora orgânica toda a produção do seu agroecossistema é certificada como livre de veneno, não só o roçado de algodão consorciado. Isso já aconteceu com várias famílias sócias da EcoBorborema e que vendem seus produtos nas 12 feiras agroecológicas geridas pela Eco no território.
E a instituição que averigua a produção para solicitação ao Ministério da Agricultura do certificado é a EcoBorborema. Para tanto, diante do Ministério, ela é uma Organização de Controle Social (OSC) que realiza processos de certificação participativa das famílias agricultoras
O Polo da Borborema é um coletivo, que reúne 13 sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais. O Polo é parceiro histórico da AS-PTA que completa 40 anos de existência no Brasil. Na Paraíba, a AS-PTA atua há três décadas.