Na manhã da última quarta-feira (23/04), o debate sobre a distância da instalação de torres de energia eólica na Paraíba tomou conta do plenário da Assembleia Legislativa do estado. Em audiência organizada pela deputada estadual Cida Ramos (PT-PB) e Tovar Correia Lima (PSDB), em parceria com a Articulação Semiárido Paraibano (ASA-PB), as famílias agricultoras de diversas regiões lotaram o plenário para denunciar os impactos das eólicas em seus territórios e a necessidade de regulamentação desses megaprojetos. A discussão deve basear a defesa do Projeto de Lei de n° 2061/2024 de propositura da deputada.
Apesar de estar sendo discutido em âmbito estadual, o tema tem relevância a nível de Nordeste e de Semiárido brasileiro, como pontua Roselita Victor, da coordenação executiva da Articulação no Semiárido Brasileiro(ASA): “Nós saímos de um Semiárido de pobreza e miséria para um Semiárido que hoje mostra para o mundo como a gente enfrenta as mudanças climáticas, a partir das tecnologias sociais de convivência com o semiárido. Isso não era para a gente estar fazendo esse debate aqui de proteção das pessoas, porque o nosso povo encontrou o caminho para fazer a convivência com o semiárido”.
“Hoje, se a gente for olhar as energias renováveis, é como se fossem territórios onde não existem pessoas, não existe produção de alimentos, não existe gente que vive, que cultua a sua própria cultura. Como é que a gente continua com o modelo de produção de energia que tira a nossa caatinga, que adoece as pessoas, que faz um falso desenvolvimento?”, questiona.
O Projeto de Lei de n° 2061/2024 está sendo construído pela deputada estadual Cida Ramos em parceria com a sociedade civil organizada por meio de diversas organizações populares do estado. Durante a audiência, Cida reforçou diversas vezes que pretende articular com outros parlamentares do Nordeste para o avanço da pauta que garante o distanciamento das torres eólicas, mas também a regulamentação das energias renováveis como um todo.
“Nós queremos um novo modelo sustentável e ambiental para o mundo, mas não podemos aceitar que as energias renováveis cheguem na Paraíba e ao Brasil reproduzindo o velho modelo energético, que deixa um lastro de destruição. Estamos querendo articular o Nordeste e quiçá o Brasil, com deputados estaduais que tratam da mesma pauta, para unificar forças”, afirmou.
O deputado federal Fernando Mineiro (PT-RN) está em diálogo sobre o assunto com a deputada petista, ele apoiou a realização da audiência em vídeo exibido durante a sessão. “O projeto da deputada Cida é inovador, porque ela cria uma distância mínima para a instalação dos aerogeradores. Mas as questões vão muito além das distâncias das torres e dos painéis solares, todos nós estamos vendo estudos publicados a cada dia mostrando esses impactos”.
Resposta do poder público
Apesar de toda a mobilização popular presente na ALPB, o retorno do Governo do Estado da Paraíba foi tímido. Bruno Araújo, gerente executivo da Secretaria de Infraestrutura e Recursos Hídricos, apresentou um mapa das potencialidades para energia solar no estado durante a audiência. Segundo ele, territórios indígenas, quilombolas e outras áreas de proteção não estão sendo cogitadas para a implementação de parques de energia renovável. Mas, nenhuma medida direcionada à agricultura familiar como um todo foi citada.
“Gostaria de reafirmar o compromisso do governo com a comunidade, estamos aqui para apoiar”, explanou na tribuna, após contar que estava em diálogo com algumas solicitações da Procuradoria Geral da República. O mapa acaba por evidenciar poucos territórios de proteção, o que escancara a falta de demarcação de territórios indígenas e quilombolas na Paraíba. A secretária de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Paraíba, Rafaela Camaraense, se comprometeu a “encarar de frente” a situação das eólicas nos territórios. “Gostaria de deixar como sugestão a possibilidade de criar um grupo de trabalho institucional com os entes aqui presentes”.
Espaços de discussão do tema são indispensáveis, mas a realidade dos territórios de agricultura familiar reivindica emergência na resposta dos poderes públicos diante da regulamentação das energias renováveis. Há pelo menos 7 anos, diversas comunidades denunciam sérios impactos dos megaprojetos.
Na mesa, também estiveram presentes: Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado da Paraíba (FETAG-PB), Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Ministério Público Federal (MPF), Tribunal de Conta do Estado da Paraíba (TCE-PB), Superintendência de Administração do Meio Ambiente (SUDEMA), Federação das Associações de Municípios da Paraíba (FAMUP), Defensoria Pública do Estado da Paraíba e Fiocruz Pernambuco.
O impacto das eólicas nas comunidades
O ponto de partida da audiência foram os relatos na tribuna de pessoas afetadas pelas instalações das eólicas. A agricultora Maria de Fátima, da comunidade Lamarão, localizada no município de Picuí (PB), teve que sair do território em que sua família já vivia há décadas por causa de uma torre que estava sendo instalada a 300 metros de sua casa. “Eu fiquei muito triste quando sai, principalmente pela cisterna calçadão que me deu vida. Eu plantava o meu alimento lá, minhas hortaliças, com muito prazer, e ainda vendia para os vizinhos. Então, foi uma renda tirada da agricultura familiar”.
Já a agricultora Vanessa Alves, que veio do município de Caetés (PE) para contribuir com a audiência, conta que desenvolveu ansiedade em decorrência dos aerogeradores instalados próximos. Segundo Vanessa, a comunidade localizada no Agreste pernambucano vem sofrendo com os impactos desde 2014. “Eu tenho 29 anos e toda vez que eu volto ao posto de saúde a minha medicação para ansiedade está aumentando. Eu não tomava nada, a gente que mora no campo mal toma esses remédios da farmácia, mas passei a tomar dois por dia. Vocês querem tomar esses remédios?”, questiona.
Na comunidade quilombola Pitombeira, localizada no município de Várzea (PB), não há aerogeradores instalados, mas a comunidade sofre com impactos das torres que estão no município vizinho de Santa Luzia. “Todas as consequências e impactos, a maioria das pessoas já sabem, mas o que não sabem é a dor e o sofrimento das famílias de não conseguirem dormir à noite, vendo os seus filhos precisando tomar remédio controlado por causa do barulho das torres diariamente. Crianças que não conseguem mais ir à escola são afetadas no estudo”, conta Zuila Santos, agricultora de Pitombeira.
Estudos sobre os impactos
Durante a audiência, a professora na Universidade de Pernambuco e na Fiocruz-PE, Wanessa Gomes, apresentou o estudo “Impactos na saúde decorrentes das usinas eólicas”. Ela fala que muitos dos problemas relatados pelos moradores dos territórios afetados se enquadram no que é chamada de Síndrome da Turbina Eólica (STE), ocasionada pela exposição aos ruídos audíveis e infrassons reproduzidos pelos aerogeradores.Os principais problemas diagnosticados são dificuldade de concentração e aprendizagem, tontura, instabilidade, náuseas e dores de cabeça que aumentam de acordo com a frequência e a perturbação do sono.
O estudo foi realizado na comunidade de Sobradinho, localizada no município de Caetés, no Agreste de Pernambuco, onde há instalações eólicas há 10 anos. Contudo, os relatos dos impactos não diferem de parques de energia mais recentes. “Esses mesmos problemas a gente está encontrando em Saloá, que é um município também da região, onde foi implantado (um parque eólico) no ano passado”.
Em Caetés, a distância mínima identificada pela pesquisa foi de 100 metros das residências e a máxima de 900 metros. Em ambas distâncias, as famílias relatam problemas de saúde. O estudo traz uma medição de graus de incômodo auditivo em relação aos ruídos e a identificação de problemas dermatológicos decorrentes do consumo de água contaminada pela poeira levantada pelos aerogeradores, questões de saúde mental, bucal e cardiovascular.
A professora e pesquisadora Ricélia Sales, do Grupo de Estudo e Pesquisa em Sistemas de Indicadores Urbanos, Rurais e Ambientais (SURA) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), também apresentou dados sobre o tema e explica que esses impactos negativos fazem parte de um modelo de energia renovável centralizado. “É um modelo em que empresas privadas, de maioria internacionais, estão tirando de nós o recurso natural de vento e sol para pressurizar e levar para os seus territórios, localizados principalmente na europa e lugares mais frios”.
Esse modelo centralizado tem se instalado de maneira “predatória humana e ambientalmente” no Brasil, segundo Ricélia. Apesar da indenização para as famílias impactadas ser uma preocupação, ela garante que o caminho é garantir a permanência das famílias agricultoras nos territórios de agricultura produzindo alimentos.
Sua pesquisa se ambienta na região da Chapada do Araripe, que abrange partes dos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. “As pessoas precisam ser visualizadas nesses projetos (de energias renováveis). Mas como eles são muito técnicos, eles citam que têm pessoas e que elas vão ser agraciadas com algum programa, plano de ação, financiamento de uma estrutura. Sem nem saber quantas pessoas tem e como vivem por lá”.
Compartilhando da mesma análise do modelo de energias renováveis que tem sido instalado no Nordeste, a ASA-PB tem defendido a “descentralização”. “A gente está dizendo que nós temos um caminho que é a convivência com o Semiárido, que é a Agroecologia para o enfrentamento das mudanças climáticas e um modelo de produção de energia descentralizada”, diz Roselita Victor, da ASA-PB.
Em novembro de 2024, a ASA Brasil lançou um programa de 1 Milhão de Tetos Solares voltado às famílias do Semiárido brasileiro.