Intercâmbio de conhecimentos entre agricultoras. Foto: AS-PTA
“Com a caderneta eu descobri meu poder. Ela significa a minha história. Significa liberdade e também saúde”. É assim que a agricultora Maria Helena Silva, do município de Solânea (PB), descreve a caderneta agroecológica trabalhada na experiência do projeto Quintais das Margaridas, do Programa Quintais Produtivos das Mulheres Rurais do Governo Federal, alocado no Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). No território da Borborema, o projeto está em fase de finalização e conta com a assessoria técnica da AS-PTA, em parceria com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
Com encerramento marcado para a próxima quarta-feira (23/07), a partir das 8h, no quintal da própria Maria Helena, localizado no Assentamento Novo Horizonte (Solânea-PB), a AS-PTA e o Polo da Borborema irão receber representantes do MDA e outros gestores públicos em uma cerimônia para ouvir relatos de quem viveu a experiência dessa política de valorização da agricultura familiar com foco nas mulheres. Maria Helena é uma das 80 beneficiárias do projeto Quintais das Margaridas no território da Borborema. Elas, agricultoras dos municípios paraibanos de Areial, Queimadas e Solânea, puderam estruturar seus quintais e participar de diversas formações a partir do projeto, que iniciou em julho do ano passado.
Metodologia participativa
Algricultora Valdenira de Macena, de Solânea (PB). Foto: AS-PTA
O Quintais das Margaridas aborda temas como economia feminista, agroecologia, divisão justa do trabalho doméstico, trabalho produtivo e reprodutivo, diferenças e desigualdades, participação política das mulheres em espaços coletivos e decisórios e acesso a políticas públicas.
“Teve o aprendizado que a mulher faz a maioria das coisas de casa, muitas vezes trabalha mais do que o homem. Além de cuidar dos filhos, tem reunião escolar e posto de saúde. Tudo é a mulher. O que a gente faz é trabalho esforçado e temos que valorizar”, afirma Janaina Souza, agricultora de Areial e beneficiária do Quintais das Margaridas.
Já Pauliana Bizerra, agricultora de Queimadas, conta sobre o fomento que faz parte do projeto. A liberdade de escolher o quê e em qual parte do quintal investir foi um diferencial que o Quintais das Margaridas trouxe. “Para mim, foi muito importante essa conquista da mulher ter o direito a aprimorar seu quintal, colocar em prática um projeto que tinha em mente, seja no seu jardim, nas suas plantações ou criações”. Também fazem parte do projeto a construção de diagnósticos dos quintais, baseados na metodologia LUME para favorecer a construção dos projetos produtivos, e o preenchimento das cadernetas agroecológicas, um registro diário que as agricultoras fazem das suas atividades e que contribui para visibilizar o trabalho feminino. Outro instrumento importante são os intercâmbios de experiências, momentos de troca de conhecimento entre agricultoras.
Renata Paula, coordenadora do núcleo de Saúde e Alimentação da AS-PTA, chama atenção justamente para a importância desses momentos de troca de experiências no projeto. “A gente percebe que, a partir dos processos de formação e intercâmbios na própria comunidade, a aproximação entre as mulheres se fortaleceu. Eu acho que tem um ganho para essas comunidades no sentido da auto-organização. A metodologia é o grande tesouro do projeto, vem para fortalecer a questão produtiva e da agricultura, mas também traz outras transformações para as vidas das mulheres”.
A avaliação de Leda Gertrudes, assessora técnica da AS-PTA que acompanhou o projeto, vai no mesmo sentido. “Naturalmente, as mulheres já têm os seus conhecimentos que carregam de geração para geração, mas também tem a interação entre elas dentro e fora das comunidades, que possibilita reflexões e construção de novos conhecimentos. Inclusive, sobre o tema das mudanças climáticas”.
Outro diferencial do Quintais das Margaridas realizado no território foi a parceria com as Cirandas das Borborema durante as atividades, que acolhiam as crianças que ficavam sob o cuidado das cirandeiras. Com uma abordagem lúdica, as crianças participavam de processos formativos com os mesmos temas ligados aos quintais e permitiram com que suas mães pudessem se concentrar nas atividades.
Agricultora Adriana Batista, de Solânea (PB). Foto: AS-PTA
Acesso a direitos
Segundo Leda, os diagnósticos dos quintais evidenciaram uma questão estruturante que impacta diretamente os quintais produtivos: a falta de acesso à terra e, por consequência, a falta de acesso a crédito. “Tem mulheres que o tamanho da sua terra é praticamente só o quintal mesmo e às vezes não tem documentação. Já trabalham na terra, mas são herdeiras futuras e não proprietárias”.
Apesar do entrave, uma outra conquista do projeto Quintais das Margaridas no território da Borborema foi poder disseminar mais informações sobre acesso a crédito para as mulheres. A agricultora de Areial, Hosana Martins, fala da importância de poder investir no seu espaço produtivo: “O quintal é muito importante para mim, é onde eu posso tirar parte da minha renda, do alimento saudável, eu sei o que eu estou colocando na minha mesa. Com os recursos e investimentos, muda. Você tendo o recurso, pode crescer o seu investimento no seu quintal como um todo”.
Para começar a solucionar o problema, Leda aponta o quão fundamental é ter uma linha de crédito de agricultura familiar voltada para os quintais. No final de junho deste ano, o Governo Federal anunciou uma medida que dialoga com esta demanda, o Pronaf Quintais Produtivos, uma linha de crédito inserida no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que tem como público-alvo mulheres rurais que buscam desenvolver ou ampliar seus quintais produtivos, com foco em sistemas agroecológicos.
Marcha das Margaridas
O Programa Quintais Produtivos das Mulheres Rurais, do qual o projeto Quintais das Margaridas faz parte, foi criado pelo Governo Federal em resposta às reivindicações da Marcha das Margaridas. Os quintais produtivos são espaços ao redor das casas, em geral criados e manejados pelas mulheres para a produção de alimentos, criação de pequenos animais e conservação da biodiversidade.
O programa tem o objetivo de promover a autonomia econômica das mulheres do campo, da floresta e das águas e ampliar o acesso às políticas públicas de apoio à produção e comercialização de alimentos e a tecnologias sociais de acesso à água potável, como as cisternas.
“É uma política fundamental para garantir a autonomia econômica, inclusão produtiva, trabalho e renda para as mulheres do campo, da floresta e das águas e [para a] superação da fome no Brasil”, afirma Mazé Morais, coordenadora geral da Marcha das Margaridas.