Entre chapéus de palha, cestos indígenas e sementes preservadas, a 20ª Feira Regional floresceu como território de memórias, partilhas e esperança no futuro.
Nos dias 29 e 30 de agosto, o Centro de Eventos Miguel Belinoski, em Teixeira Soares, foi território fértil para acolher sonhos, saberes e resistências. A 20ª Feira Regional de Sementes Crioulas e da Agrobiodiversidade, junto à agricultura familiar e movimentos sociais, reafirmou-se como um dos maiores encontros do Sul do Brasil em defesa da agroecologia e da agrobiodiversidade.
Com o lema “Sementes do futuro – Agroecologia, Biodiversidade e Justiça Socioambiental”, o evento reuniu cerca de 4 mil visitantes, entre agricultores e agricultoras, organizações sociais e de assessoria técnica, caravanas vindas de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Brasília e de pelo menos trinta municípios paranaenses. Foram mais de 140 expositores com bancas coloridas, repletas de sementes, artesanatos e alimentos que carregam não apenas sustento, mas principalmente histórias, memórias e afetos.
A feira, organizada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Teixeira Soares e pelo Coletivo Triunfo e com apoio de diversas entidades e movimentos sociais, foi marcada por debates, a bênção inter-religiosa das sementes, apresentações culturais e, sobretudo, pela tradicional partilha da agrobiodiversidade, momento em que mãos calejadas e corações esperançosos se encontram para multiplicar a vida.
Memórias tecidas em palha
Entre os corredores do encontro, estava Dona Olinda Sczepanik Vingad, de 58 anos, agricultora da comunidade rural de Vieiras, em Palmeira. Seus olhos brilhavam tanto quanto as fibras trançadas de seus chapéus de palha de butiazeiro. A arte, que havia aprendido ainda menina, no tempo em que o dinheiro era curto e a criatividade era abrigo, voltou à sua vida em um dia chuvoso. “Redescobri que ainda sabia fazer, como se minhas mãos lembrassem o que o tempo tentou apagar”, contou.
Cada chapéu leva um dia e meio para nascer, assim como uma planta que brota devagar, com cuidado e paciência. As tiras de até dez metros vão se enroscando em espiral até virarem sombreiros robustos, companheiros fiéis de quem trabalha sob o sol do campo. Para Olinda, mais do que uma fonte de renda extra, tecer é um reencontro com a infância e com a tradição que a roça ensinou.
Agora, seus chapéus de palha de butiazeiro se misturam às sementes crioulas expostas nas mesas vizinhas, compondo um cenário que mostrava que a tradição não está apenas no que se planta, mas também no que se tece com a alma.
Cestaria que conecta florestas e pessoas
De ainda mais longe veio Kedetil Guarani, da comunidade indígena Y’y Moyontin Weyo, em Biguaçu, Santa Catarina. Aos 48 anos, trouxe para a feira suas cestas artesanais, herança da avó, que a ensinou a trançar fibras e memórias. Antes, elas carregavam batatas, mandioca e milho nas colheitas; hoje, carregam identidade, resistência e sustento.
Seus trançados, de tamanhos e formatos variados, misturam desenhos que lembram animais da floresta e cores extraídas de pigmentos naturais, como a casca do catinguá. Durante a bênção das sementes, Kedetil emocionou ao usar o petenguá, cachimbo ritualístico que purifica e agradece à terra, à água e ao lavrador. “Foi o momento mais marcante. A gente sente que não abençoa só a semente, mas também a vida de quem planta e de quem colhe”, disse, com voz firme e olhar sereno.
Laços de amizade e sementes guardadas
Já Marilene Magalhães, moradora do assentamento João Maria de Agostinho, em Teixeira Soares, reforça que a feira é também um espaço de amizade. Ao lado de Maria Aparecida Alves, sua companheira de banca e de trocas, tornou-se guardiã de mais de 40 variedades de sementes crioulas. “Cada feira trago uma semente nova para casa. Planto, cultivo e depois volto a partilhar. É como se cada planta fosse também uma história que carrego comigo”, contou.
O brilho em seus olhos ao mostrar cada pequeno pacote de sementes não escondia o orgulho de manter vivas as espécies que alimentam corpos e também sonhos.
Um encontro de futuro e esperança
A feira recebeu estudantes das redes municipal e estadual — cerca de mil crianças e jovens participaram de atividades de educação ambiental, aprendendo que preservar a agrobiodiversidade é também garantir o futuro da alimentação.
No palco, representantes das entidades parceiras, prefeitos, vereadores, deputados e lideranças de movimentos sociais reforçaram o compromisso com a agricultura familiar. Foi lançado ainda o projeto “Da Terra à Mesa”, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), que pretende aproximar cada vez mais o alimento saudável da mesa das famílias brasileiras.
No fim das contas, a 20ª Feira Regional de Sementes Crioulas e da Agrobiodiversidade foi mais que um evento: foi um território de encontros. Encontros de gerações, de tradições, de culturas e de sonhos que se plantam e se colhem.
Em cada chapéu de palha de Olinda, em cada cesta trançada por Kedetil, em cada semente guardada por Marilene, pulsa a certeza de que resistir é cultivar, partilhar e florescer.