O mundo inteiro está chocado com as novas notícias sobre os efeitos colaterais produzidos pelos tratamentos de reposição hormonal atualmente usados por mulheres na menopausa. E, infelizmente, esta não foi a primeira e nem deverá ser a última vez que assistiremos a histórias semelhantes.
Uma pesquisa divulgada no dia 10 de junho (publicada numa das mais importantes revistas médicas do mundo, o ‘Journal of the American Medical Association’), conduzida durante 5 anos com 16 mil mulheres, submetidas ao tratamento com hormônios para inibir os efeitos causados pela menopausa, mostrou risco 26% maior de surgimento de câncer de mama, 22% maior do surgimento de doenças cardiovasculares e 41% maior de ter um derrame cerebral.
O órgão americano responsável por avaliar e liberar ou não medicamentos para o mercado é o famoso FDA – Food and Drug Administration (Agência de Alimentos e Medicamentos, na sigla em inglês) – reconhecido no mundo inteiro por seu rigor e sua seriedade.
O FDA é o mesmo órgão que, em 1995, liberou os alimentos transgênicos para entrarem no mercado americano, sem realizar qualquer estudo sobre a segurança desses produtos para o consumo da população.
Parte da explicação para esta falta de responsabilidade revoltante é a ligação um tanto promíscua que existe entre o órgão e as empresas multinacionais bilionárias.
Um fenômeno conhecido nos EUA é a chamada ‘porta giratória entre indústrias e agências reguladoras’, através da qual cientistas e executivos das respectivas instituições transitam sem que haja nenhum controle por parte dos órgãos públicos.
Alguns exemplos:
Michael Friedman – ex-membro da Comissão do FDA, agora vice-presidente de Atividades Clínicas da Searle, a divisão farmacêutica da Monsanto.
Lidia Watrud – ex-pesquisadora de biotecnologia microbiana da Monsanto, agora no Laboratório de Efeitos Ambientais da EPA (Agência de Proteção Ambiental do governo americano, na sigla em inglês).
L. Val Gidddings – ex-controlador de biotecnologia e negociador de segurança biológica no USDA (Depto. de Agricultura dos EUA, em inglês), agora vice-presidente da Organização da Indústria de Biotecnologia (BIO). Há muitos outros exemplos.
A política das indústrias de remédios, que são, na maioria dos casos, as mesmas que produzem agrotóxicos e sementes transgênicas, é a de colocar seus produtos no mercado o mais rapidamente possível para adiantar seus retornos aos investimentos que fizeram para desenvolver seus produtos – custe o que custar. Análises de risco, estudos sobre efeitos colaterais de longo prazo, efeitos crônicos etc. ficam para segundo plano.
E o resultado é este que estamos vendo. No início, coloca-se o produto no mercado, com a proteção da marca ‘Aprovado pelo FDA’ e com o ‘fortíssimo’ argumento de que ‘não existem provas de que nosso produto não seja seguro’ – obviamente ocultando o fato de que também não existem provas de que seus produtos sejam seguros. Mais ainda, que não existem provas de nada, uma vez que estudos rigorosos não foram feitos.
Depois, quando problemas desse porte vêm à tona, quando milhões de pessoas já estão consumindo seus produtos largamente, e pelo menos milhares delas já estão pagando o preço (muitas vezes com a vida) pela irresponsabilidade das indústrias, tenta-se minimizar o problema. Ora bolas, ‘faremos um recall!’.
É chocante ler, no ‘Globo’ de 11 de junho, o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Ricardo Meirelles, dizer: ‘As mulheres que fazem terapia de reposição hormonal não precisam se preocupar. (…) Não há estudo comprovando que os hormônios naturais são prejudiciais.’ Aí o escândalo passa e ninguém mais se lembra da tragédia.
O filme dos alimentos transgênicos tem tudo para seguir o mesmo roteiro. O FDA os liberou, considerando-os ‘substancialmente equivalentes’ aos seus pares convencionais (conceito sem fundamento científico algum).
Muitos países foram atrás, alegando que ‘o FDA, o rigorosíssimo órgão americano, que jamais poria em risco a população americana, liberou, então é seguro’. E não nos surpreenderemos se, a qualquer momento, o fim da história também se repetir.
O que agrava o problema no caso dos transgênicos é que, nos EUA, o maior país produtor e consumidor de transgênicos do mundo, os alimentos não informam no rótulo a origem transgênica.
Ou seja, por um lado a população não tem o direito de escolher se quer consumir alimentos transgênicos ou não. Por outro, como o consumo não é controlado, quando problemas começarem a aparecer, será impossível resgatar os dados sobre o consumo, pois como não há rotulagem, não há controle algum sobre esse consumo (ao contrário dos medicamentos, que são vendidos mediante receita médica e cujos consumidores são acompanhados, o que permite que se resgate as informações posteriormente).
Quando dizemos que os governos e as indústrias dos países em que estes alimentos já foram liberados estão fazendo de sua população cobaia dos alimentos transgênicos, em verdade, estamos sendo delicados. Cobaias são usadas em experimentos controlados.
Estamos brincando de aprendiz de feiticeiro, e o que temos pela frente são só surpresas.
FLAVIA LONDRES, agrônoma, é assessora técnica da AS-PTA.