Folha de São Paulo
São Paulo, quinta-feira, 24 de novembro de 2005
BIOTECNOLOGIA
Funcionário da Casa Civil prestou serviços por cinco anos para a Monsanto, companhia interessada nos transgênicos
Ex-advogado de múlti trabalhou no decreto
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Beto Ferreira Martins Vasconcelos -funcionário da Casa Civil encarregado de preparar o decreto que regulamentou a Lei de Biossegurança, publicado ontem no "Diário Oficial" da União- trabalhou por cinco anos como advogado da Monsanto, uma das principais interessadas na abertura do país aos transgênicos.
A Folha teve acesso à procuração por meio da qual o atual subchefe-adjunto para assuntos jurídicos da Casa Civil representou a Monsanto e uma de suas subsidiárias, a Monsoy. Segundo a Casa Civil e a assessoria da empresa, a procuração valeu de 1998 a 2002 e se estendeu a outros advogados de grande escritório paulista.
Vasconcelos integrou o grupo de trabalho formado por representantes de outras nove pastas e coordenado pela Casa Civil. Apesar de oito meses de debate, a minuta de decreto produzida pelo grupo chegou sem consenso às mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que arbitrou favoravelmente aos ambientalistas.
Apesar de o debate sobre conflito de interesses estar presente na elaboração do decreto, a Casa Civil e a Monsanto avaliam que a presença do ex-advogado da multinacional na coordenação do grupo de trabalho encarregado de regulamentar a Lei de Biossegurança não compromete o trabalho (leia texto abaixo).
O decreto obriga os membros da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) a assinar uma "declaração de conduta", documento que explicitará eventuais conflitos de interesse.
Ainda de acordo com o decreto, os integrantes da comissão -a quem cabe liberar pesquisas e a comercialização de transgênicos- ficam proibidos de julgar questões com as quais "tenham algum envolvimento de ordem profissional ou pessoal, sob pena de perda de mandato". É um instrumento usado em outros países na busca de decisões imparciais.
O Meio Ambiente defendia proposta mais radical: ficariam barrados de participar de determinado julgamento os membros da CTNBio que "tenham ou tenham tido" envolvimento com as questões em análise.
A Monsanto é uma das principais personagens do debate sobre a liberação dos transgênicos do país. Esse debate ganhou fôlego no governo Lula, com a autorização presidencial para a venda da primeira safra de soja transgênica no país, obtida a partir de sementes contrabandeadas da Argentina, menos de quatro meses depois do início do mandato.
Em abril de 2004, a multinacional começou a cobrar royalties dos produtores que usavam as sementes contrabandeadas. A Monsanto é dona do direito de propriedade intelectual sobre o gene de soja transgênica. Os produtores que usam sementes de origem contrabandeada têm de pagar uma indenização de 2% do valor do grão no momento da venda; já os produtores licenciados de semente pagam R$ 0,88 por quilo de soja transgênica. O preço vale para a safra deste ano e a de 2006. (MARTA SALOMON)
OUTRO LADO
Monsanto e governo negam que haja conflito de interesse
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Sem revelar quanto já lucrou ou pretende lucrar com a liberação dos transgênicos no país, a Monsanto avalia que não há conflito de interesses na presença de um ex-advogado da multinacional no grupo de trabalho que elaborou o decreto de regulamentação da Lei de Biossegurança.
Segundo Cristina Rappa, gerente de Comunicação da empresa, Beto Vasconcelos "não tem vínculo com a empresa e é ó parte do grupo responsável por elabora o decreto".
A Monsanto é dona da patente da soja RR, resistente ao herbicida Roundup, produzido pela empresa, e faturou, no ano passado, US$ 890 milhões no país. A empresa não revela dados sobre faturamento com os direitos de propriedade intelectual, os royalties.
A Casa Civil, que coordena o debate do decreto de biossegurança, reagiu de forma semelhante à multinacional. Por meio de nota, a assessoria da ministra Dilma Rousseff disse que o advogado "possui competência e formação acadêmica inquestionável para desenvolver qualquer trabalho jurídico imparcial acerca do assunto".
Procurado pela Folha na semana passada, Vasconcelos não quis se manifestar. (MS)
PAINEL DO LEITOR
28 de novembro de 2005
Ambiente
"Em referência à reportagem "Ex-advogado de múlti trabalhou no decreto" (Dinheiro, 24/11), informo que, na avaliação da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, representante desse ministério no grupo técnico interministerial responsável pela elaboração da proposta de decreto que regulamentou a Lei de Biossegurança, o doutor Beto Vasconcelos atuou com ética e isenção durante todo o trabalho, sendo fundamental para os resultados alcançados."
João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (Brasília, DF)