O seminário reuniu organizações agricultoras (Polo da Borborema e Sindicatos de Trabalhadores Rurais de diversos municípios); assessorias (AS-PTA e Arribaçã); pesquisadores da UFPB (Campus Areia e Bananeira) e da UEPB (Campus Lagoa Seca); agentes da assistência técnica e extensão rural (Sinter e Emater); e outros órgãos do poder público, tais como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba (Emepa), Defesa Agropecuária da Paraíba e Banco do Nordeste do Brasil (BNB).
Para Nelson Anacleto, do Polo da Borborema: O grande objetivo é construir um debate entre essas organizações e traçar um caminho que valorize a região e suas estratégias no que diz respeito ao manejo da fruticultura e suas formas de convivência com as pragas e doenças.
Gilson Silva Alves, do Sinter, também valorizou a oportunidade do evento: Esse espaço é importante para avançar na luta pela qualidade de vida das famílias. A cada dia que passa a sociedade necessita e nos cobra assessoria que busque uma produção harmoniosa entre as famílias e a natureza.
Antes de iniciar os debates, Luciano Silveira, da AS-PTA, traçou um panorama geral da agricultura familiar do Brejo da Borborema, destacando que ela é tradicionalmente marcada pela fruticultura diversificada. Essa diversificação de cultivos é importante não só em termos comerciais, mas também para o autoabastecimento da família e para o equilíbrio ecológico dos sistemas de produção, afirmou.
Outro aspecto histórico da agricultura levantado por Silveira é que o uso de agrotóxicos nunca foi uma prática muito difundida entre os produtores.
Os sistemas de produção na região se desenvolveram buscando estabelecer relações harmoniosas com o ambiente, favorecendo a manutenção dos equilíbrios que dispensaram o uso de insumos externos, como adubos químicos e agrotóxicos. A maioria das famílias mal dispõe de pulverizadores. Dessa forma, podemos dizer que a evolução dos sistemas produtivos na região identifica-se com princípios agroecológicos, concluiu Silveira.
Segundo ele, apesar de a pouca disponibilidade de terras ser um grande desafio para os pequenos produtores, o último Censo Agropecuário mostrou que a agricultura familiar cumpre papel importante na produção de alimentos e riqueza. Os dados comprovam que a citricultura na região da Borborema (limão, tangerina e laranja) recobre 2.500 hectares, e reponde por um valor bruto de R$ 50 milhões.
Desde o início da infestação, no final do ano passado, famílias agricultoras da Borborema têm se mobilizado contra a aplicação de agrotóxicos nas lavouras. Os agricultores alegam que, além do risco para a saúde dos produtores e consumidores, o agrotóxico Provado SC200 (banido em alguns países) também é prejudicial ao meio ambiente, inclusive afetando outros insetos benéficos, como os polinizadores.
Na contramão dessa prática, diversos produtos alternativos naturais vêm sendo testados e obtendo bons resultados, tais como: álcool com castanha-de-caju (ACC); coquetel de extratos vegetais; pó da folha de nim; e óleo de nim e detergente neutro. Foi ainda elaborado um boletim com receitas e modo de aplicação.
Durante o seminário, o testemunho dos agricultores que estão usando esses produtos naturais foi determinante para o debate, trazendo com riqueza evidências de viabilidade do controle alternativo e dos riscos associados ao uso do Provado.
Francinaldo, do Assentamento Carrasco, afirmou com orgulho: Graças a Deus quero dizer a vocês que temos 10 famílias salvas do agrotóxico. E, para felicidade nossa, quem é que dá assistência? A Emater. Então, não é difícil, é muito fácil, porque com o saldo econômico o agricultor tem condições de se libertar. Nós temos que tentar criar experiências e alternativas. A tecnologia é muito grande, mas o agricultor está cheio de experiência e tem de ser respeitado. Então nós temos as mãos que Deus nos deu e as experiências nossas, de nossos pais e avós. Por que não pulverizamos com o Provado? Ora, nós temos experiência. Onde tínhamos 40 hectares de laranja, pulverizamos com o ACC e analisamos que conseguiu controlar. Dessa forma, estamos nos libertando economicamente.
Já dona Nova, agricultora de Matinhas, conta que: No município, a grande maioria dos agricultores trabalhava de forma orgânica. A partir da mosca negra foi incentivado o uso do Provado. Alguns agricultores estão aguando seus pomares com esse veneno. Alguns deles já se intoxicaram e estão gastando dinheiro para se curar. Se o governo está incentivando os agricultores a usar esse veneno, qual a segurança que o governo dá se algum agricultor se envenenar? Porque vai sair do bolso do agricultor os custos de tratamento. Às vezes temos agricultores doentes e que não têm recursos para se tratar. Tenho casos de agricultores de Matinhas que já estão nessa situação.
Diante desses depoimentos, traçaram-se estratégias comuns para abordar o problema da incidência da mosca negra de forma mais adequada, considerando os riscos à saúde e ao meio ambiente e respeitando o conhecimento acumulado e as práticas dos agricultores agroecológicos da região.
O representante da Defesa Agropecuária da Paraíba, Jamir Mascena de Souza, afirmou: Neste momento, como Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará também já têm a incidência da praga confirmada, estamos aguardando do Mapa nova regulamentação. O que se deve esperar é que entre esses estados o trânsito de frutas seja normal. Porém, se quiser passar para outro estado, seria necessário promover protocolos de fitossanidade. E completa: Já que presente em 12 estados, ou seja, quase metade dos estados da federação, é necessário propormos para o Mapa que retire a mosca negra da tipificação de praga quarentenária. Nesse caso, a pressão social para que isso ocorra é fundamental para a suspensão das barreiras comerciais.
Para o Professor Jacinto Luna, da UFPB – Campus Areia, é preciso aprender a conviver com a mosca negra, uma vez que a praga já faz parte da paisagem da região Nordeste. Ao descrever a biologia da mosca negra, ele explicou que agora, com a chegada das chuvas, naturalmente haverá uma queda da população do inseto. Além disso, ele alerta para o fato de que a aplicação de agrotóxicos não só é menos eficaz no médio prazo, como ainda poder fazer com que o inseto crie resistência, comprometendo o seu controle no longo prazo.
Para ele, o importante é prevenir: Deve-se evitar o transporte de vegetais infestados; garantir uma produção e comercialização de mudas sem infestação; lavar implementos e todo o material de colheita; lavar os frutos colhidos; e realizar a poda nos pomares. Fora isso, a mosca negra não é um problema tão grande quanto pensamos. Outros insetos são mais exigentes nas suas formas de controle. Defendemos também a urgência de implantar biofábricas.
As biofábricas são locais em que seres vivos contribuem na fabricação de produtos biológicos de grande utilidade para a sociedade. No caso em questão, as biofábricas poderiam produzir em quantidade inimigos para a mosca negra que, embora já existentes na natureza, apresentam uma população reduzida na região. A ideia é produzir na biofábrica mais joaninhas e bicho-lixeiro, por exemplo, e depois soltá-los nas lavouras com elevada incidência da praga. Por meio da predação, portanto, seria feito o controle biológico.
Raul Porfírio, da Embrapa Algodão, ressaltou também que a presença da mosca negra indica fragilidade nos sistemas de produção e que, portanto, é necessário que o governo contribua com a mudança e crie um fundo para investir na fruticultura da região.
Em sua exposição, o Professor Marcos Barros, da UFPB – Campus Bananeiras, demonstrou de forma contundente como o Provado é prejudicial para a saúde humana e para o meio ambiente.
Já Jocélia Gonçalves, mestranda da UFPB, apresentou resultados de pesquisas conduzidas no Maranhão que testaram e comprovaram a eficiência de produtos naturais, como o extrato alcoólico de nim e de cinamomo, no controle da mosca negra. Esses dados, já publicados em revistas acadêmicas conceituadas, são importantes na medida em que podem embasar cientificamente o argumento de que esses novos produtos devem ser registrados pelo Mapa. Diante disso, Afonso Cartaxo, Superintendente da Emater Paraíba, se mostrou sensível a pleitear o registro do óleo de nim junto ao Mapa, o que foi considerado um encaminhamento bastante favorável pelos agricultores e assessorias.
Ao final do seminário, foram propostos os seguintes encaminhamentos:
1. Atuar para conseguir, em caráter emergencial, o registro comercial do nim para o combate à mosca negra e a implementação da biofábrica;
2. Articular politicamente para que a mosca negra saia do status de praga quarentenária;
3. Identificar as principais rotas de comercialização da produção;
4. Realizar uma Sessão Pública na Assembleia Legislativa sobre as consequências da incidência da mosca na Paraíba e nos estados vizinhos, exigindo mudanças na legislação;
5. Solicitar à Secretária Estadual da Agricultura que disponibilize uma quantidade de produtos naturais para controle da mosca negra;
6. Convocar uma reunião de trabalho (Governo do Estado; Território da Borborema e Mapa) para discutir estratégias de convivência com a mosca negra, a partir do controle alternativo desenvolvido pelas famílias;
7. Constituir uma comissão para fazer valer os acordos tomados;
8. Promover um seminário regional sobre a fruticultura no Território da Borborema;
9. Institucionalizar na Emater políticas de manejo agroecológico da agricultura que já vêm sendo apoiadas pelos extensionistas; e
10. Realizar um seminário territorial sobre o Pnater e Ater envolvendo um conjunto de técnicos da região.
A avaliação geral do evento foi positiva, sendo destacado o respeito mútuo mesmo em momentos de discórdia. Para as organizações agricultoras e parceiras, a expectativa é que os órgãos públicos assumam um maior compromisso e reconheçam como válidas as experiências e o conhecimento acumulado pelos agricultores familiares da Borborema.
Como o agricultor Francinaldo concluiu: Espero que esse discurso aqui, com a presença de tantos doutores, não fique apenas na conversa, mas que ele seja definidor de mudança e uma mudança que possa trazer qualidade de vida para as famílias agricultoras. Vamos transformar esse debate em prática que ajude a salvar a vida. Espero que a tecnologia respeite a mãe natureza!
Para conhecer as receitas e as orientações de uso dos produtos naturais, leia o boletim Uso de produtos naturais no combate à mosca-negra
Para saber mais sobre a mobilização dos agricultores paraibanos contra o uso de agrotóxicos, leia:
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