As transnacionais dos transgênicos e seus defensores sempre lutaram por uma Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) com poderes ampliados para decidir soberanamente sobre a liberação de transgênicos. Mudaram a lei e conseguiram. Mas o mesmo processo político que gerou a nova lei de biossegurança também instituiu mecanismos que visam tornar a Comissão mais transparente e participativa. E são esses esforços para colocar a CTNBio numa rota mais democrática que vêm provocando a ira de alguns.
A voz dos que se sentem incomodados com a transparência ou com o dever de cumprir a lei ganhou força e contundência no editorial de O Estado de S. Paulo publicado em 31 de maio. A indignação tem origem no fato de o Ministério Público Federal ter designado uma procuradora da República para acompanhar as reuniões da CTNBio.
Em tom extremamente agressivo,o jornal usou de linguajar chulo para defender o misticismo científico que promove os transgênicos. Todos os integrantes da CTNBio são doutores com notório conhecimento nas suas áreas de atuação. Mas para o jornal, que ecoa os brado de tecnocientistas, os que buscam fazer a comissão cumprir seu real objetivo de garantir biossegurança à população são “ecofundamentalistas e radicais que abominam o agronegócio”, “ecoxiitas” que “adotaram estratagema que não engana a ninguém” e que “gastam tempo” com um “palavrório sem-fim”.
Gastar tempo com palavrório sem-fim significa, entre outros, atualizar e aperfeiçoar as normas internas da comissão, feitas em sua maioria dez anos atrás. Certamente muita coisa mudou no campo técnico-científico da biotecnologia e da biossegurança nesse período. Mas atualizar os mecanismos de funcionamento da Comissão à luz de novos conhecimentos é tido como ato “obscurantista”.
Para se ter uma idéia, cientistas que revisaram o processo de avaliação de transgênicos na Nova Zelândia concluíram que se o cigarro fosse submetido a testes semelhantes aos aplicados aos transgênicos, ele não seria considerado maléfico à saúde. Assim, obscurantismo, na verdade, é acreditar por princípio que, no caso, os transgênicos são inerentemente seguros e evitar, de todas as formas, que esses produtos sejam submetidos a testes rigorosos, independentes e de médio e longo prazos. Há evidências científicas e práticas de sobra que justificam essa necessidade.
O obscurantismo também pode explicar a resistência, ou inconformidade, de alguns membros da CTNBio em assinar uma declaração de conduta onde deverão constar os eventuais conflitos de interesses existentes entre o integrante da comissão e os processos que nela serão avaliados – participação em projeto de desenvolvimento de transgênico, financiamentos ou patrocínio de empresa com interesse na matéria, direitos de patentes e outros. O que existe a ser escondido? Declarações semelhantes são exigidas para a publicação de artigos em revistas científicas.
Ademais, ao contrário do que informou o mesmo O Estado de S. Paulo, não foi a procuradora quem exigiu a assinatura das declarações. A medida está prevista na lei de biossegurança e deveria ter sido feita no dia da posse dos membros, há seis meses. O que fez a procuradora foi usar de suas prerrogativas legais para exigir que a lei seja cumprida.
De fato, numa comissão cujo presidente afirma que o povo no Nordeste come o que vier e for mais barato – aludindo que a também legal rotulagem de transgênicos não teria maiores funções -, a adoção de medidas que garantam a ética e o cumprimento da lei é muito bem-vinda.