A dificuldade de acesso dos agricultores familiares da região metropolitana do Rio de Janeiro às políticas públicas é um reflexo de sua marginalidade em relação ao processo de urbanização em curso na região.
A região metropolitana do Rio de Janeiro vem sofrendo um acelerado processo de urbanização e especulação imobiliária impulsionado pela pressão dos grandes eventos de 2014 e 2016. Soma-se a esta realidade a consolidação de grandes empreendimentos como a siderúrgica da TKCSA, a construção do Arco Metropolitano, a desativação do aterro sanitário de Gramacho e a criação do aterro de Seropédica. Estes empreendimentos têm impactado diretamente a configuração deste território, seja na desapropriação de agricultores e pescadores, seja prejudicando o meio ambiente e os recursos naturais. Alguns destes conflitos, principalmente aqueles que impactam diretamente a agricultura familiar na região metropolitana do Rio de Janeiro, foram discutidos no II Encontro Metropolitano de Agroecologia realizado em 31 de Agosto e 1 e 2 de Setembro de 2012 em Magé, Rio de Janeiro, reunindo agricultores, técnicos, lideranças, estudantes gestores públicos e outras organizações e coletivos.
Apesar do cenário político desfavorável, a agricultura familiar urbana e periurbana está se redesenhando a partir de um processo de fortalecimento dos grupos e organizações de agricultores na busca de uma maior visibilidade e um maior reconhecimento desta prática econômica e cultural. Nos últimos dois anos, o Projeto Semeando Agroecologia vem concentrando esforços em ações voltadas para a consolidação e revigoramento de espaços de comercialização para os produtos provenientes da agricultura familiar, a exemplo das feiras de Magé, Campo Grande e Nova Iguaçu.
Todas as ações promovidas pelo Projeto Semeando Agroecologia têm como objetivo favorecer o acesso dos agricultores às políticas públicas voltadas para a agricultura familiar. No entanto, pode-se observar que, apesar do esforço de dar visibilidade para as práticas agrícolas, os agricultores familiares sofrem diretamente o efeito de um processo de urbanização que fecha os olhos para práticas existentes nos territórios e direciona o olhar somente para dados oficiais que apontam para um crescimento das populações urbanas em todo o mundo. Observa-se também que as politicas públicas existentes não estão adequadas à realidade da agricultura praticada nesta região e, em muitos casos, deixam os agricultores sujeitos a variações das políticas municipais e locais.
Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, os agricultores residentes no Maciço da Pedra Branca relatam dificuldades para renovar os registros de lavradores, documento emitido pela Prefeitura. Este fato é o reflexo de uma tendência dos governos municipais da região metropolitana de realizar mudanças nos Planos Diretores desconsiderando as zonas rurais e as práticas agrícolas realizadas nestes locais. Estas mudanças nos planos diretores municipais vão ao encontro de interesses fiscais dos municípios, na medida em que os impostos urbanos, como o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano (IPTU), são mais lucrativos que os impostos rurais, como o Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). Somam-se a isso, interesses de especulação imobiliária e de valorização de terrenos para construção de empreendimentos nestas regiões. Os registros de lavradores são documentos importantes para facilitar a comercialização de produtos, dar acesso a créditos e até dar entrada em pedidos de aposentadoria rural.
Outro fator determinante para as dificuldades dos agricultores urbanos e periurbanos em conseguir regularizar seus certificados e documentos está relacionado a sua natureza pluriativa. A forte relação dos agricultores com as atividades típicas dos meios urbanos faz com que estes trabalhadores se dividam entre atividades econômicas tipicamente rurais e outras tipicamente urbanas, como os serviços domésticos e o comércio, no caso das mulheres, e os serviços de construção civil, no caso dos homens. A característica pluriativa da agricultura periurbana muitas vezes traz dificuldades para o reconhecimento destes lavradores como agricultores familiares.
O tema do reconhecimento da pluriatividade dos agricultores urbanos e periurbanos vem ganhando força nos debates realizados pela Rede Carioca de Agricultura Urbana, que estão sendo acompanhados de perto pela equipe do Projeto Semeando Agroecologia. Recentemente, depois de muita negociação e ajustes, o grupo organizado pela Associação de Agricultores de Vargem Grande conseguiu a emissão de suas primeiras Declarações de Aptidão ao Pronaf (DAP), documento que permite acesso a políticas específicas para a agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA, e o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o PNAE.
Após dois anos de atuação do Projeto Semeando Agroecologia, avanços foram registrados e devem ser comemorados. Em 2012 ocorreu a Conferência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, na qual a equipe do Projeto Semeando Agroecologia participou dos debates para construção da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, e promoveu um seminário com a participação de agricultores para subsidiar o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) na elaboração de uma regulamentação das práticas agroflorestais e de pousio.
Em relação às iniciativas de venda direta de produtos, a Feira da Agricultura Familiar de Magé e a Feira da Roça de Queimados conquistaram seus espaços e vêm consolidando relações de confiança com os consumidores. Em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, a AS-PTA vem organizando a inserção dos agricultores da região no Circuito Carioca de Feiras Orgânicas, que foi instituído a partir de um decreto municipal junto à Secretaria Especial de Desenvolvimento Econômico Solidário (SEDES), da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Também junto à SEDES foi negociada a edição de um Decreto Municipal criando um grupo de trabalho para discussão de políticas favoráveis à agricultura carioca.
No entanto recentemente os agricultores do município de Nova Iguaçu viveram uma situação que exemplifica a fragilidade das políticas públicas para a agricultura na região metropolitana. Depois de mais de 6 anos de funcionamento, a Feira da Roça de Nova Iguaçu foi – desde o início do ano de 2013, quando ocorreu a mudança na administração municipal – proibida de se estabelecer na principal praça do centro da cidade.
Para que as políticas públicas para a agricultura familiar sejam eficazes é necessário reconhecer a existência e a permanência destas experiências nas regiões urbanas e periurbanas e pensar estratégias que valorizem estas práticas a partir de suas especificidades.