Nos últimos dois anos, a AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia implementou na região metropolitana do Rio de Janeiro o Projeto Semeando Agroecologia. Nesse tempo, o Projeto surpreende com seus números e acumula importantes reflexões a cerca da agricultura familiar urbana e periurbana da região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Mais dois anos semeando agroecologia
No início do trabalho, em 2011, foi realizado um diagnóstico sobre a realidade da agricultura urbana e periurbana junto às comunidades participantes e em parceria com cooperativas e organizações locais. Foi a partir das informações coletadas, que as ações do Projeto foram tomando forma.
Para cumprir as metas de promover a intensificação produtiva em 200 estabelecimentos agrícolas familiares na periferia do Rio de Janeiro a partir de tecnologias e práticas agroecológicas, ampliar o acesso dos agricultores aos mercados consumidores locais e institucionais e irradiar as experiências do projeto para outros agricultores familiares, e nos espaços de governança e usando as redes sociais, foram realizadas diversas ações nestes dois anos de atuação. Podemos dar destaque especial aos cursos de capacitação para produção agrícola em bases agroecológicas, 9 realizados, nos quatro municípios onde o Projeto atuou. Destes cursos os principais frutos são 4 feiras agroecológicas com funcionamento semanal e diversos agricultores adotando práticas agroecológicas de produção.
Com o objetivo de reunir agricultores de diferentes regiões e promover espaços de troca de experiências e interação foram realizados dois grandes eventos nestes dois anos de projeto. Em Novembro de 2011 cerca de 300 agricultores de todo o estado do Rio de Janeiro se reuniram em Nova Iguaçu para a Primeira Festa Estadual de Sementes. O evento promoveu uma grande troca de experiências sobre o uso e conservação das sementes crioulas e da biodiversidade. No primeiro dia agricultores apresentaram suas experiências em uma mesa de discussões e uma grande feira reuniu os participantes em torno da troca de sementes e mudas, momentos de fortalecimento do diálogo entre agricultores de diferentes regiões do estado.
No segundo dia os participantes se reuniram na Praça Rui Barbosa, no centro de Nova Iguaçu, para inaugurar as novas barracas da Feira da Roça deste município. Em parceria com a Emater de Nova Iguaçu e a Associação da Feira da Roça, o Projeto Semeando Agroecologia apostou na reformulação da identidade visual da Feira para fortalecer este espaço de comercialização que fornece produtos frescos estreitando as relações entre agricultores e consumidores e ajudando a dar maior visibilidade para a agricultura familiar de Nova Iguaçu.
O fortalecimento e a ampliação das feiras e espaços de comercialização direta de produtos da roça, foram avanços importantes para a geração de renda e valorização da agricultura familiar conquistados pelo Projeto Semeando Agroecologia. Assim como o fortalecimento das Feiras da Roça de Nova Iguaçu e de Queimados o projeto apostou na abertura de novas feiras como Feira da Agricultura familiar de Magé e na reformulação da Feira Orgânica de Campo Grande. A equipe do Projeto auxiliou as organizações locais nos processos de negociação junto aos governos municipais, assim como na formulação da identidade visual das barracas, produção de ecobags e folhetos para serem distribuídos para os consumidores, ajudando a enfatizar a importância dos agricultores familiares na produção de alimentos agroecológicos frescos e vendidos diretamente aos consumidores.
Segundo Claudino Alves, o Dininho, coordenador geral da Associação da Feira da Roça de Queimados, a assessoria do Projeto Semeando Agroecologia foi muito importante para a organização dos associados e feirantes: “A equipe do Projeto organizou espaço para a gente reunir os agricultores e através de muita conversa, melhorar o nosso trabalho, aumentando a cooperação entre os associados, tanto dentro como fora da feira”. Outro aspecto importante ressaltado por Dininho se refere ao relacionamento entre feirantes e consumidores: “As novas barracas, aventais, as bolsas e os folhetos ajudam a melhorar e relação com os clientes. As nossas vendas melhoram e tendem a crescer ainda mais”.
Rui Cunha Rodrigues, agricultor em Magé e presidente da Coopagé, também ressalta o sucesso da feira, neste caso, da nova feira inaugurada em Magé, no que diz respeito a relação com os consumidores: “Depois de sete meses de funcionamento a gente percebe que já tem clientes cativos. Os agricultores estão felizes e os consumidores também estão.”
O aumento das vendas é o principal fator de sucesso das feiras. Foi por este motivo que agricultores do Rio da Prata, solicitaram o mesmo tipo de apoio para a Feira Orgânica de Campo Grande no Rio de Janeiro, e este espaço de comercialização que já funciona há 14 anos na Zona Oeste do Rio de Janeiro, recebeu também novas barracas, e materiais de divulgação e um evento de reabertura com oficinas, e atividades culturais em dezembro de 2012.
O tema da comercialização dos produtos da agricultura familiar foi intensamente debatido durante o Encontro Metropolitano de Agroecologia, realizado em Setembro de 2012 em Magé. O pano de fundo de toda a discussão realizada neste evento foi o crescente e crônico processo de invisibilização da agricultura familiar nesta região e a necessidade de fortalecer a agricultura urbana e perirubana no Rio de Janeiro, através da abertura de mercados para ajudar a incrementar a geração de renda da agricultura familiar. O evento reuniu 400 pessoas durante dois dias para discutir estes temas a partir de uma visão de perda de território da agricultura familiar em relação ao processo de franca urbanização em curso da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Também fez parte da programação do evento a estreia do documentário Agricultura Mora em Mim: A face invisível das cidades, produzido pelo Projeto Semeando Agroecologia. A partir da visão de agricultores da região metropolitana do Rio de Janeiro o documentário discute como, em meio à expansão urbana, à especulação imobiliária e, sobretudo, de baixo de um manto de invisibilidade, centenas de famílias resistem com seus modos de vida, trabalhando a terra para produzir alimentos para os moradores das cidades. Os agricultores entrevistados contam como é a prática da agricultura na região mais urbanizada do estado, as dificuldades e as mais recentes conquistas desta luta contra a invisibilidade.
Outro material de reflexão importante produzido pelo Projeto foi a edição de outubro de 2012 da Revista Agriculturas: Experiências em Agroecologia dedicada ao tema da agricultura urbana e periurbana. A revista, que teve uma tiragem de 7.000 exemplares e circulou em todo o território nacional, teve como editor convidado Marcio Mendonça, coordenador do Projeto Semeando Agroecologia. Neste número da Revista foram publicados dois artigos que enfatizam os benefícios, os desafios e os entraves para a agricultura familiar da região metropolitana apoiada pelo projeto.
Reafirmando uma metodologia de construção participativa
Os dois anos de trabalho na região metropolitana do Rio de Janeiro são frutos da presença da equipe do programa de agricultura urbana da AS-PTA, que há mais de dez anos atua neste região. Seu trabalho está fortemente ancorado em sua metodologia de construção participativa do conhecimento agroecológico. Neste sentido os resultados do Projeto Semeando Agroecologia ajudam a consolidar cada vez mais esta metodologia, que tem como princípios a valorização dos conhecimentos locais e as trocas de experiências entre diferentes grupos e indivíduos, a promoção de atividades de formação, encontros e visitas de intercâmbio, onde a sistematização dos conhecimentos seja socializada e sirva para o fortalecimento dos participantes, bem como das suas experiências.
As trocas de experiências foram sempre um ponto forte nas ações do Projeto Semeando Agroecologia, desde pequenas reuniões, passando pelos cursos de formação, até os eventos realizados como a Festa Estadual de Sementes e o Encontro Metropolitano de Agroecologia. Em todas estas ocasiões os momentos onde os agricultores apresentam suas experiências tem grande destaque nas programações e ajudam a construir espaços de valorização destas histórias de vida e trabalho com a terra.
Outro importante espaço de valorização das trocas de conhecimento foram as visitas de intercâmbio. Fortes mobilizadoras de pessoas e grupos, as visitas são momentos de vivência e troca onde não só o agricultor que recebe a visita tem sua experiência valorizada, mas todos que participam são responsáveis pelo conhecimento que é construído e se consolida.
Para Rui as visitas de intercâmbio, assim como os encontros, ajudaram muito a fortalecer a discussão sobre agroecologia dentro da Coopagé: “Quando os agricultores vão visitar o sítio de outros agricultores e começam a conhecer a agroecologia eles veem que é possível praticar a agricultura desta outra forma. Tudo vem da troca de experiências.” Rui também ressaltou que as visitas de intercâmbio fizeram surgir uma proposta de construção de uma estrutura para a produção de caldas alternativas dentro da sede da cooperativa, em parceria com o Projeto Semeando Agroecologia. Esta usina será inaugurada ainda neste mês de março e deverá atender uma demanda dos agricultores de Magé na produção de insumos para impulsionar as experiências em agroecologia na região.
Além dos cursos, eventos e visitas, o Projeto Semeando Agroecologia deu suporte a diversas organizações de agricultores como a Coopagé e a Agrovargem, Associação de agricultores orgânicos da Vargem Grande, para que estes grupos conseguissem avançar na conquista de mercados governamentais, como o Programa de Aquisição de Alimentos, PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o PNAE. Neste sentido a equipe do Projeto se dedicou a auxiliar as cooperativas e associações com os processos de aquisição de DAP’s, Declaração de Aptidão ao Pronaf, documento que viabiliza as vendas dos agricultores para programas governamentais e na elaboração de proposições e de projetos de venda.
Consolidando parcerias para fortalecer a agricultura periurbana
Além da conquista de novos mercados de comercialização, a consolidação de parcerias locais é outro fator que contribuiu para o sucesso do Projeto Semeando Agroecologia, para o fortalecimento e maior visibilidade da agricultura familiar na região periurbana do Rio de Janeiro em relação ao poder público.
Para José Claudio Alves, sociólogo e professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ: “A agricultura periurbana e, de modo especial, a agroecologia constituem-se como uma das dimensões mais invisibilizadas pelas práticas políticas, econômicas, culturais e sociais no Rio de Janeiro. O projeto político de desenvolvimento para o estado do Rio está baseado num projeto industrializador dos mais degradantes e perversos, e no incentivo à monocultura de celulose, passando pela criação de infra-estrutura de portos e rodovias que liquidam áreas produtivas, contaminam e envenenam solo, ar e água e obrigam a agricultura periurbana a enfrentar de forma desigual o arsenal de ataques permanentes.”
Ainda segundo José Claudio, o projeto Semeando Agroecologia realizou com suas diversas parcerias um importante papel de aglutinar pessoas em torno de questões centrais como a resistência dos agricultores e grupos que praticam a apoiam a agricultura na região periurbana. A partir dos encontros realizados e das parcerias estabelecidas, as experiências passaram a ser percebidas enquanto parte de um movimento mais organizado e estrategicamente articulado: “A UFRRJ sente-se honrada nesta parceria, pois ela permite a diferenciação do modelo de conhecimento e a sua aplicabilidade na direção de uma sociedade mais justa, ambientalmente responsável, economicamente mais igualitária e politicamente comprometida com os grupos sociais segregados e invisibilizados pelo grande capital e seu Estado, gabinete de gerenciamento dos seus negócios. ”
Durante estes dois anos de atuação, além da UFRRJ, os principais parceiros do Projeto foram a Comissão Pastoral da Terra (CPT), COOPAGÉ, Cooperativa Univerde, Embrapa Agrobiologia, Rede Carioca de Agricultura urbana; Cisv.