Mais de 3.500 agricultoras dos 14 municípios que compõem o Polo da Borborema e de outras regiões do estado que fazem parte da ASA Paraíba estiveram reunidas pela quinta vez na Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, organizada pelo Polo da Borborema em parceria com a AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia. O município de Massaranduba recebeu a edição 2014 da Marcha, na manhã de sexta-feira, 14 de março. A concentração aconteceu a partir das 8h30 na Vila Nicolândia, na entrada da cidade, onde cerca de 50 ônibus estacionaram trazendo as caravanas dos municípios.
As caravanas organizadas chegavam com camisetas, chapéus, bandeiras, faixas e, sobretudo, com muita alegria. Após a acolhida realizada pelas mulheres da coordenação do Polo da Borborema, foi apresentada a peça “Margarida grávida de novo?”, encenada pelo grupo de teatro do Polo da Borborema. Nessa edição, o espetáculo trouxe a questão dos desafios que as agricultoras ainda encontram para acessar as políticas públicas voltadas para as mulheres. Ao mostrar situações em que “Biu” esposo de “Margarida”, faz plano e se apropria dos recursos como a bolsa família e o auxílio maternidade da mulher que está esperando um filho, e também da falta de espaço dentro de casa para que a esposa participe das decisões como o acesso à cisterna-calçadão, do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). A peça trouxe a reflexão sobre a necessidade da luta permanente das mulheres para enfrentar os mecanismos históricos de dominação que insistem em bloquear o seu acesso às políticas e que elas possam ter autonomia para gerir os recursos e desfrutar de benefícios conquistados pelas mulheres camponesas.
Após a peça a agricultora Kátia Maria dos Santos Barbosa, do sítio Bom Sucesso em Solânea deu o seu depoimento de superação: “Eu tinha um Biu dentro de casa, meu marido fazia isso tudo comigo, até que eu comecei a participar, fui conhecendo outras mulheres e criei coragem pra denunciar ele. Ele quis pegar o bolsa família que a gente recebia, ele não quis receber a cisterna-calçadão que a gente tinha direito. Eu saí de casa por 6 meses. Depois de muito tempo e muita luta, a gente foi conversando e se acertando, hoje ele se transformou e é outro homem pra mim, ajuda dentro de casa e toma de conta de tudo pra eu ir pras reuniões, me apoia”, disse a agricultora.
Motivadas pela peça e pelo testemunho, as mulheres seguiram em marcha até o Parque do Povão, uma praça de eventos localizada no Centro da cidade. Acompanhadas por dois minitrios elétricos e segurando bandeiras, faixas, cartazes e painéis as mulheres e homens marcharam cantando músicas emblemáticas da luta por igualdade e gritando palavras de ordem.
Vítimas da violência – Durante o trajeto 63 mulheres, vestidas de preto e segurando cruzes também pintadas de preto, ao som de bumbos e matracas, surgiram em procissão no meio da multidão simbolizando as 63 mulheres assassinadas na Paraíba só no ano de 2013, segundo dados levantados pelo Centro da Mulher 08 de Março, de João Pessoa. “Delas foram roubados os direitos de andar, de falar, de amar e ser amada, de chorar ou de sorrir, de produzir. Delas foi roubado o direito de existir! Venham mulheres, venham para nossa luta! Juntem-se, juntem à nossa caminhada”, chamavam as lideranças de cima do trio.
Dentro da cidade, em frente à Igreja Matriz, foram lembrados os assassinatos de duas mulheres de Massaranduba, a jovem Avanir dos Santos Lima, de 15 anos, espancada até a morte por um conhecido de sua família em 1998 e Maria Lúcia da Silva, assassinada a facadas por seu marido em 2006. A filha de “Lucinha” como era conhecida, disse muito emocionada: “Muita gente deu conselho pra ela deixar ele, mas ela sempre dizia que ele ia mudar, ele mesmo se ajoelhava dizendo isso. Infelizmente, ela não teve coragem pra dizer um basta e aconteceu o que aconteceu. Por isso eu digo a todas as mulheres que vivem uma situação parecida, que procurem ajuda, que denunciem, se separem, pra não acontecer o que aconteceu com minha mãe”, disse tomada pela emoção. A mãe de Avanir, Severina dos Santos Lima, também deu seu depoimento e compartilhou o seu sentimento de indignação por perder uma filha tão jovem vítima da violência de gênero.
Encerrando esse momento marcado pela emoção e debaixo chuva, falou Angineide Macêdo, mãe de Ana Alice Macêdo, jovem militante do Polo da Borborema que foi raptada, violentada e brutalmente assassinada quando voltava da escola em 2012. Angineide rememorou o caso e não conteve as lágrimas ao lembrar a filha: “Já faz quase dois anos que tudo isso aconteceu, mas pra mim é como se fosse ontem, porque eu fico aqui quase que procurando o rosto dela no meio do povo, pois ela sempre estava comigo, assim foi na primeira marcha de Remígio, na marcha de Queimadas, de Esperança. E eu fico feliz porque essa marcha tem tirado muitas mulheres de situações de violência”, disse. Angineide agradeceu ainda ao Comitê de Solidariedade Ana Alice, formado por diversas entidades que vem acompanhando o caso desde o seu desaparecimento, prestando solidariedade à família e agindo em outros casos em busca de justiça, agradeceu a campanha de arrecadação que ajudou a cobrir os gastos advocatícios para que se pudesse acompanhar as audiências e todo o andamento do processo na justiça. As mulheres do Polo e o Comitê Ana Alice se manterão unidas até que o assassino seja julgado e condenado.
No Parque do Povão para receber a Marcha foi montada uma feira, chamada de “Jardim das Margaridas” onde as agricultoras expuseram e comercializaram produtos fruto do seu trabalho como artesanato, frutas, hortaliças, sementes, doces, sucos, bolos, tapiocas, etc. Após novos depoimentos de superação, houve a apresentação dos grupos de cirandeiras “A Cor da Terra” e “Desencosta da Parede”, ambos da comunidade Caiana das Crioulas, do município de Alagoa Grande, vizinho à Massaranduba. Formado por jovens, crianças e idosas o grupo de cirandeiras animou as participantes da Marcha acompanhado pelo trio de forró “Mistura de Geração” formado por agricultores dos municípios de Esperança e Lagoa de Roça.
Homenagem – Uma homenagem a todas as mulheres parteiras, rezadeiras ou benzedeiras marcou o encerramento da Marcha. “Não poderíamos deixar de homenagear estas mulheres que tanto contribuíram e ainda contribuem, nas suas comunidades, com o seu saber, com o seu conhecimento. Quantas de nós não nascemos pelas mãos de uma parteira, não fomos ao socorro de uma benzedeira? Eu mesma nasci com ajuda de uma parteira”, disse Roselita Vitor da Coordenação do Polo da Borborema e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Remígio. Uma benção coletiva foi feita pela agricultora Narciza Gomes da Silva, do sítio Furnas, em Areial. Naziza, como é chamada, conta que desenvolveu o dom da reza através dos conhecimentos repassados por sua avó. Naziza já reza crianças há 25 anos em sua comunidade e tem muita satisfação em usar a sua fé para o bem dos outros. Já a agricultora Josefa Firmino de Lima, dona “Nenê parteira”, como é conhecida, mora no sítio Pedra do Sino em Queimadas e já fez mais de 8 mil partos nos 20 anos em que exerce a atividade. Ela conta que é mãe de nove filhos, sete desses nasceram em casa, com a ajuda de uma parteira. Após esse momento de homenagens, a programação foi então encerrada com a música “Salve a parteira” do cantor e compositor cearense Zé Vicente, que foi cantada por todas as participantes formando um animado coro.
A V Marcha chega ao fim revigorando a luta das mulheres agricultoras. Do Parque do Povão retomam a caminhada, mais conscientes e encorajadas a buscar autonomia, liberdade, a experimentar, a produzir, a lutar por transformações e pela construção um mundo mais igual. Na bolsa carregam uma certeza: se encontrarão no ano que vem em Lagoa Seca para juntas fazerem a VI Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia.