entrevista concedida a Gabriel B. Fernandes e Paula Almeida
Esta edição da Revista Agriculturas apresenta grande diversidade de experiências de resgate, conservação e uso das sementes crioulas, demonstrando sua importância para a construção de um modelo de agricultura baseado nos princípios da sustentabilidade socioambiental. No entanto, apesar da crescente valorização e reconhecimento de iniciativas como as aqui apresentadas, todo esse esforço das organizações da sociedade civil está fortemente ameaçado pela liberação dos transgênicos.
Muitas organizações vêm há quase dez anos promovendo o debate sobre essa questão e alertando a população em geral sobre os riscos dos transgênicos. Nesse período, diferentes estratégias e ações foram traçadas para influenciar as decisões dos governos, que, em função das promessas das empresas de biotecnologia, passaram a apostar na transgenia como uma tecnologia com potencial de impulsionar a agricultura.
Os impactos negativos, desde cedo anunciados como riscos pelas organizações que acompanham o tema, vêm agora se confirmando na realidade, e os primeiros a sentir na pele os prejuízos têm sido os agricultores familiares e assentados da reforma agrária. A liberação de novas variedades transgênicas, como no caso do milho, só tende a acelerar e multiplicar esses impactos, colocando novas e graves ameaças para o futuro da agrobiodiversidade e de nossa alimentação.
Para aprofundar e atualizar a discussão sobre o tema, a Revista Agriculturas entrevistou seis pessoas de diferentes organizações da sociedade e do Estado que têm defendido o princípio da precaução frente aos riscos dos transgênicos, bem como têm atuado na promoção da Agroecologia como meio para a conservação da agrobiodiversidade e para a construção de um modelo de desenvolvimento rural sustentável.
Maria Rita Reis é advogada e assessora jurídica da Terra de Direitos, organização civil sediada no Paraná que atua na defesa da efetivação dos Direitos Humanos.
Isidoro Revers, mais conhecido como Galego, é membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT). É mestre em História das Sociedades Agrárias pela Universidade Federal de Goiás.
Adão Pretto é agricultor familiar, um dos fundadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) no Rio Grande do Sul e deputado federal pelo PT/RS. Rubens Onofre Nodari, agrônomo e geneticista, professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina e representante titular do Ministério do Meio Ambiente na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão responsável pelas decisões sobre transgênicos no Brasil.
Ademir Ferronato é agricultor familiar em Medianeira, região oeste do Paraná. Na última safra, teve a sua lavoura de soja orgânica contaminada pela soja transgênica plantada por vizinhos.
Magda Zanoni é professora doutora da Universidade de Paris VII. Atualmente está cedida ao Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento do Ministério do Desenvolvi- mento Agrário (Nead/MDA). É também representante titular do MDA na CTNBio.
PROFESSOR NODARI, QUAL A AMEAÇA QUE OS TRANSGÊNICOS REPRESENTAM PARA AS SEMENTES CRIOULAS?
Uma variedade crioula tem grande variabilidade genética e capacidade de adaptação, que é resultado do processo evolutivo e de seleção feita pelos agricultores ao longo de milhares de anos. Por isso é que se torna impossível recuperar uma determinada variedade local simplesmente recorrendo aos bancos de germoplasma, onde essa evolução ficou congelada.
Com a liberação dos transgênicos para plantio em larga escala, como o milho, que é uma planta de fecundação cruzada, a contaminação de uma variedade crioula por transgenes irá fatalmente ocorrer. Nesse cenário, a erosão genética é proporcional à quantidade de variedades contaminadas. Ainda que um agricultor obtenha sementes de outras variedades crioulas, a contaminação poderá ocorrer novamente. Assim, a cada ano, ocorrendo o processo de contaminação, a perda da variedade será inevitável. Na verdade, não só a crioula, mas qualquer semente não-transgênica de uma mesma espécie pode ser contaminada.
A perda de diversidade via erosão genética também pode ocorrer de outras formas. Em uma variedade crioula já contaminada e plantada novamente pode ocorrer nova contaminação, por meio do cruzamento com a mesma ou outra variedade transgênica plantada próxima. Ou seja, na presença de fonte de pólen de milho transgênico, como no caso de lavouras na vizinhança, por meio de cruzamentos continuados, a composição genética de uma variedade crioula vai se convertendo na transgênica.
Uma terceira forma de erosão genética é a ocorrência de efeitos adversos imprevisíveis ou a diminuição da capacidade de adaptação dessas variedades já contaminadas, resultante do cruzamento entre a variedade transgênica e a variedade crioula. Nesse caso, haverá um número menor de descendentes e ocorrerá perda de genes, muitas vezes específicos daquela variedade crioula.
Diante da contaminação, ou o agricultor destrói suas sementes para evitar que a contaminação se multiplique ou convive com elas.
No caso de uma espécie alimentícia, o consumo desses transgenes poderá afetar a saúde humana e o cultivo poderá afetar o meio ambiente. Além disso, o plantio das sementes contaminadas está sujeito às leis de Proteção de Cultivares e de Patentes. Se for detectada a presença de transgenes patenteados e de variedades protegidas, haverá cobrança de royalties, além de acusação de violação de normas e apropriação de recursos genéticos. Assim, podemos dizer que a tecnologia transgênica impede ou dificulta enorme- mente o uso de variedades crioulas sem a possibilidade de contaminação.
A saída então seria a compra de se- mentes todo ano. Mas, se isso ocorrer, o impacto para a agricultura familiar será duplo. De um lado, o agricultor perde a autonomia, tornado-se dependente de sementes, castigo que não pediu. De outro, interrompe-se uma história milenar de inovações, práticas e evolução do conhecimento tradicional sobre as variedades crioulas. Sem variabilidade genética, o agricultor não tem o que guardar ou selecionar. É como um atenta- do ao patrimônio genético e cultural mantido e melhorado por centenas de gerações de agricultores, ao longo da civilização humana.
Essa perversidade não está sendo adequadamente dimensionada pela maioria dos órgãos governa- mentais envolvidos com o tema. A aprovação dos transgênicos é, por esses motivos, uma ameaça crucial à segurança alimentar e nutricional.
MARIA RITA, COMO A SOCIEDADE ESTÁ SE MOBILIZANDO PARA ENFRENTAR O TEMA DOS TRANSGÊNICOS?
A mobilização está ocorrendo em várias frentes. A principal é a resistência dos agricultores que estão usando e conservando as suas sementes crioulas. Em vá- rios momentos, nesses dois últimos anos, nos encontros dos camponeses –como a Festa Nacional do Milho Crioulo, em Anchieta, Santa Catarina; a Jornada de Agro- ecologia do Paraná; e o II Encontro Nacional de Agro- ecologia, em Recife – foi se reafirmando o princípio de conservar a biodiversidade e fazer oposição aos transgênicos, uma grande ameaça para agricultura. O principal elemento de resistência e mobilização é, portanto, manter o tema na agenda da sociedade.
GALEGO, COMO A VIA CAMPESINA ESTÁ CONSTRUINDO A RESISTÊNCIA LOCAL AOS TRANSGÊNICOS?
Os movimentos sociais da Via Campesina, em conjunto com outras organizações, sempre estiveram engajados na luta para evitar que o governo liberasse o plantio comercial dos transgênicos. A Via tentou embates diretos, como no II Fórum Social Mundial, quando plantios de transgênicos foram arrancados no Rio Grande do Sul. Essa ação ajudou a chamar a atenção da sociedade para o tema. Hoje há um esforço de resistência para evitar que os agricultores adotem o plantio dos transgênicos. Trabalhamos para trazer como alternativa de produção a preservação das sementes crioulas e a prática da Agroecologia, inclusive para evitar a dependência em relação às multinacionais que querem controlar as sementes.
Outra ação importante da Via tem sido conscientizar a população sobre os problemas que podem atingir a agricultura, os consumidores e a saúde. Os transgênicos geram dependência. Ao aceitar a transgenia, o agronegócio estará conduzindo a agricultura para a total dependência das indústrias. E o objetivo das empresas não é dar qualidade aos alimentos, mas obter lucro. Os transgênicos colocam em risco a diversidade genética, indispensável à vida humana.
MARIA RITA, QUAIS OUTRAS INICIATIVAS ESTÃO SENDO TOMADAS?
Estamos acompanhando as ações da CTNBio. O acampamento da Via Campesina em frente à comissão em dezembro de 2006 foi a principal motivação para o milho transgênico não ser liberado naquela ocasião. Estamos também cobrando transparência e respeito a diretrizes oficiais, inclusive estabelecidas em lei, que a CTNBio não vem cumprindo, como, por exemplo, o direito de representantes da sociedade civil assistirem às reuniões da comissão. Só recentemente fizemos valer esse direito e, agora, as reuniões da CTNBio são abertas a todo o público interessado.
Outra estratégia está voltada para o plano jurídico. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Associação Nacional de Pequenos Agricultores (Anpa), ligada à Via Campesina, a Terra de Direitos, onde atuo, e a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) apresentaram à Justiça Federal uma ação civil pública pedindo a anulação da liberação comercial do milho transgênico. A ação se fundamenta em várias questões. Entre elas, o fato de a liberação do milho transgênico Liberty Link, da Bayer, ter sido feita sem relatório de impacto ambiental para os diferentes ambientes de produção. A CTNBio não determinou normas para que a contaminação fosse evitada e nem normas de monitoramento pós-liberação comercial. Conseguimos que a liberação fosse suspensa até que todas essas normas sejam cumpridas.
PROFESSORA MAGDA, COMO FUNCIONA A CTNBIO?
A CTNBio está ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Foi criada com a Lei de Biossegurança (11.105/2005) com o objetivo de centralizar as decisões sobre transgênicos. A comissão tem a função de analisar as demandas, a maioria de multinacionais, para a liberação de transgênicos para pesquisa e uso comercial. São no total 27 membros titulares e 27 suplentes. Todos têm o grau de doutor, sendo que 12 representam o meio acadêmico; nove, os ministérios; e seis, as organizações da sociedade civil em áreas como meio ambiente, agricultura familiar e defesa do consumidor. A comissão se reúne uma vez por mês em Brasília.
Além da CTNBio, a lei criou o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), que é formado por 11 ministros. O conselho pode decidir sobre os transgênicos sempre que considerar necessária a realização de avaliações de impacto socioeconômico ou quando houver divergência técnica entre a CTNBio e os órgãos governamentais de registro e fiscalização, como o Instituto Brasileiro Meio Ambiente (Ibama), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ligada ao Ministério da Saúde.
E POR QUE A CTNBIO É TÃO CONTROVERSA?
Na prática ela não tem funcionado como uma comissão de biossegurança, ou seja, que avalia os riscos dos organismos transgênicos antes de liberá-los. Tanto é que recentemente liberou duas variedades de milho sem mesmo ter protocolos internos para análise de riscos. Tem sido mais uma comissão de tecnólogos que trabalham de forma reducionista. A maior parte de seus membros não tem o cuidado de utilizar um enfoque global de análise. Olham apenas para genes e proteínas isoladamente e não para a interação das plantas transgênicas com o ecossistema como um todo.
A CTNBio tem um pecado original. Os tecnólogos são maioria, e muitos deles desenvolvem transgênicos. Por essa razão, a comissão não tem um enfoque sistêmico e uma visão crítica. Vou dar um exemplo: houve uma ocasião em que se contestou a persistência do [herbicida] Roundup no meio ambiente, mas muitos componentes da comissão disseram que essa questão não cabe à CTNBio, mas sim à Anvisa. Esse tipo de avaliação reducionista é incapaz de abordar a relação direta entre o uso do da soja transgênica em questão e o problema do herbicida. Ocorre que essa variedade transgênica foi desenvolvida exatamente para resistir ao herbicida e suas sementes são compradas em sistema de venda casada com o Roundup. Portanto, o uso dessas sementes implica no aumento do uso do herbicida.
Nós buscamos fazer uma leitura crítica dos pedidos de liberação, apontando as questões que devem constar da análise de impacto, uma vez que é nosso papel fazer cumprir o princípio da precaução.
Há também um problema de falta de democracia nessa comissão. Anteriormente, a aprovação de qualquer liberação comercial de variedades transgênicas só era realizada com votos da maioria absoluta dos membros, ou seja, 18 votos em 27. Recentemente, sob forte pressão das em- presas, o Congresso Nacional alterou essa regra, de modo a facilitar as liberações. Agora, com apenas 14 votos pode-se aprovar a liberação comercial de um transgênico.
A decisão da comissão contra a realização de audiência pública para o debate sobre a liberação do milho transgênico é outro exemplo da falta de democracia e transparência na CTNBio. A audiência só ocorreu porque as ONGs reclamaram na Justiça e garantiram esse direito. Em outra oportunidade, alguns membros da comissão se opuseram à presença de representante do Ministério Público Federal nas reuniões. Outros ainda se negaram a assinar um termo de declaração de conflitos de interesses, onde constaria se tinham ou não ligações com empresas do setor da biotecnologia
SEU ADEMIR, COMO SUA LAVOURA DE SOJA ORGÂNICA FOI CONTAMINADA NA ÚLTIMA SAFRA?
Plantei soja em duas etapas para dividir o trabalho. A colheita da segunda etapa foi na mesma época do que a colheita dos campos de soja transgênica dos meus vizinhos. A colheitadeira veio para a minha área após colher nas dos vizinhos. Embora tenha sido feita a limpeza da máquina, como é exigido, isso não foi suficiente para impedir a contaminação. A soja plantada na primeira etapa foi colhida com a mesma máquina 15 dias antes e não deu nada de contaminação.
E COMO O SENHOR DESCOBRIU QUE SUA SOJA ORGÂNICA ESTAVA CONTAMINADA?
Após a colheita, levei a soja para a Empresa Gebana, que exporta soja orgânica. A empresa fez o teste que acusou a contaminação. Embora sendo pequena, menos de 1%, o produto foi classificado como convencional, pois a certificação orgânica não permite nada de contaminação.
QUAL FOI O PREJUÍZO QUE O SENHOR TEVE COM ESSA CONTAMINAÇÃO?
Em vez de receber R$ 40,00 por cada uma das 150 sacas de soja orgânica, recebi apenas R$ 28,00. Mas pior do que o prejuízo financeiro foi o tempo e o trabalho que investi para converter minha área para o sistema orgânico, que é uma forma de produção que eu acredito. Agora é que eu ia começar a ter mais retorno. No meu sistema, a produção orgânica exige muita mão-de-obra. No transgênico só se utilizam agrotóxicos e mecanização. Esse é o maior problema hoje e por isso as pessoas não querem fazer o orgânico.
PROFESSOR NODARI, AS EMPRESAS DE BIOTECNOLOGIA E MUITOS GOVERNOS DIZEM QUE A CRIAÇÃO DE REGRAS DE COEXISTÊNCIA PODE SER UMA SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA DA CONTAMINAÇÃO. O QUE SE ENTENDE POR COEXISTÊNCIA?
Há diferentes interpretações. Na União Européia, fala-se de coexistência entre sistemas de produção. Mas devemos lembrar que o tipo de semente é apenas um dos componentes do sistema e, na verdade, a coexistência deve levar em conta também os diferentes tipos de variedades.
Outro ponto importante é a necessidade de definir se a coexistência é com ou sem contaminação. No caso de se aceitar contaminação genética por transgenes, deve ser fixado um valor máximo permitido. Na Europa a norma de coexistência está sendo construída com base nos sistemas de produção e com contaminação de até 0,9%. Essa porcentagem deve valer inclusive para os alimentos orgânicos. Alternativamente, o objetivo das normas de coexistência poderia prever zero de contaminação.
O sucesso na implementação de um plano de coexistência depende de vários princípios e estratégias. Aí entra a importância da transparência das decisões com base científica e da participação pública nas decisões. É também importante a adoção de estratégias caso a caso, específicas para cada espécie, respeitando a liberdade de escolha dos agricultores, com garantia da cooperação e acordos voluntários entre agricultores, além da exigência de que o produtor declare a seus vizinhos a intenção de plantar a semente transgênica.
Assim, um regime de coexistência, para ser eficaz, deve conter: objetivos (exemplo: não aceitar contaminação por transgenes); princípios; responsabilidades de cada parte; medidas de controle das diferentes formas de dispersão dos transgene; medidas e estratégias para alcançar os objetivos; especificação dos tipos de danos a serem compensados no caso de contaminação por transgenes; plano de monitoramento para avaliar a eficácia das medidas; além de um marco legal sobre coexistência de diferentes tipos variedades em diferentes sistemas de cultivo.
Contudo, essa definição deve ser mais ampla, envolvendo a coexistência entre variedades, sistemas de produção e os produtos obtidos, não só entre os sistemas de produção, pois uma mesma variedade pode ser cultivada no modelo convencional ou no orgânico. Por exemplo, nossa lei de agricultura orgânica fala em “zero ”de contaminação por transgênicos.
Diante desse contexto, e das normas brasileiras, a coexistência, entendida como o convívio entre variedades sem contaminação por transgenes, pode ser definida como: Um conjunto de medidas que garantam aos agricultores, de um lado, a escolha e o direito de produzir diferentes variedades sem a contaminação por transgenes, bem como utilizar sistemas agrícolas sem violar suas normas de produção. De outro, a rastreabilidade e a segregação em toda a cadeia produtiva, respeitando os direitos constitucionalmente garantidos e as normas legais em matéria de produção e de rotulagem.
E O QUE SE PODE ESPERAR DE UMA REGRA DE COEXISTÊNCIA?
Existem dois grandes desafios: um deles é a própria definição do plano de coexistência e a garantia de que ele será cumprido pelos agricultores. Dependendo do objetivo e dos demais componentes do plano de coexistência, podemos esperar uma maior ou menor taxa de contaminação. Outro desafio é que, para a maioria dos cientistas, a coexistência sem contaminação por transgenes é impossível, pois a troca de genes pode se dar com a polinização cruzada ou pela movimentação e mistura de sementes, pelo fato de não haver barreiras eficientes.
ADÃO PRETTO, PARA OS CAMPONESES, QUAIS SÃO OS DESAFIOS NO CONGRESSO NACIONAL EM RELAÇÃO À LUTA CONTRA OS TRANSGÊNICOS E À SOBERANIA SOBRE AS SEMENTES?
A questão dos transgênicos no Congresso Nacional representa uma luta desigual. A maioria dos deputados e senadores defende a transgenia, por vários motivos. Um deles é que grande parte desses parlamentares que defendem os transgênicos foi eleita com o patrocínio das multinacionais, principalmente da Monsanto. Agora, eles têm o dever, não de defender o seu eleitor, mas sim de atender a quem deu o dinheiro para fazer a campanha. Portanto, com essas pessoas comprometidas com essas multinacionais aqui no Congresso, a gente está em desvantagem. Não é à toa que já foram liberados a soja transgênica, o algodão transgênico e agora o milho transgênico. Lamentavelmente, assim vai sucessivamente.
O projeto das multinacionais é ter o controle total das sementes, para que todas sejam transgênicas. Trigo, batata, feijão, enfim, tudo que é produto. A gravidade do assunto é que nós, brasileiros, perdemos a soberania alimentar. Em audiências públicas aqui na Câmara dos Deputados, os defensores da transgenia já deixaram claro que vão punir os agricultores que guardam sementes. O projeto deles é que os agricultores tenham que comprar as sementes das multinacionais.
Além de pagar um preço altíssimo, os agricultores terão que continuar plantando o que as multinacionais de- terminarem. E, no momento que tiverem o controle de todas as sementes, as multinacionais vão começar a esterilizar as sementes. O agricultor plantará um ano e no ano seguinte aquela semente não nascerá mais, o que vai obrigar o agricultor a comprar novamente. Vai chegar o dia em que eles determinarão o que nós iremos plantar e, conseqüentemente, o que vamos comer. Isso significa a perda da soberania alimentar. A gente tem que alertar o povo brasileiro da importância de nós decretarmos guerra contra a semente transgênica e defender a semente crioula. Já temos centenas de sementes recuperadas, como milho, feijão, vários produtos, e temos um grande perigo dessas se- mentes serem contaminadas. É uma verdadeira guerra.
SEU ADEMIR, O QUE O SENHOR FARÁ AGORA SABENDO QUE SEUS VIZINHOS CONTINUARÃO PRODUZINDO SOJA TRANSGÊNICA?
Bom, eu vou voltar a produzir grãos convencionais e ter muito cuidado para não ter mais contaminação. No convencional fica mais fácil porque o nível de contaminação aceito é de até 1%. Mas a minha produção para consumo na família, como horta- liças, frutas, cereais, feijão e amendoim, continuará sendo orgânica.
MARIA RITA, A SUSPENSÃO DA LIBERAÇÃO DO MILHO TRANSGÊNICO FOI UMA VITÓRIA IMPORTANTE, MAS QUAIS SÃO OS DESAFIOS DAQUI PARA FRENTE?
O maior desafio é o problema da contaminação, porque ela é um dado biológico. Assim, uma vez liberado o milho transgênico, ela vai ocorrer. Como vamos trabalhar para lidar com isso? Acho que é fundamental a afirmação do modelo da Agroecologia em contraposição a esse modelo dos transgênicos. Fui ao México recentemente, que é o centro de origem do milho, e lá eles têm um problema sério de contaminação. Isso ocorreu por conta da importação do milho transgênico dos Estados Unidos. O milho entrou como grão, mas foi plantado. Eles criaram uma Frente Nacional em Defesa do Milho. Eles dizem que a melhor forma de proteger nossas sementes crioulas é plantá-las. A estratégia tem sido de disseminar o uso, a multiplicação e a conservação das variedades de milho tradicional indígena, crioulo. É importante perceber que não há como separar a luta contra os transgênicos da afirmação da Agroecologia como estratégia para a soberania alimentar e o desenvolvimento sustentável.
Baixe o artigo completo:
Revista V4N3 – A ameaça dos transgênicos