José Aldo dos Santos e Rebeca Barreto
No semi-árido pernambucano, a agricultura familiar agroecológica e a em transição para a agroecologia têm buscado apropriar-se das várias potencialidades dos sistemas agrícolas e pecuários sustentáveis, seja através do beneficiamento de uma produção diversificada, seja por meio da comercialização a partir de canais diferencia- dos, com destaque para as “feiras agroecológicas ”.
Entre as famílias agricultoras, chama atenção o fato de as mulheres, em municípios como Bom Jardim e Santa Cruz da Baixa Verde, estarem desenvolvendo experiências que já apresentam resultados concretos nas dimensões ambiental (solo, vegetação, fauna silvestre etc.), sociocultural, assim como na dimensão econômica, sobre a qual trataremos aqui de enfocar alguns aspectos. Para situar o contexto dessas experiências, apresentaremos um pouco da vida de mulheres que fazem do semi-árido um lugar promissor.
A agricultora Lourdes Negromontes vive há cerca de 50 anos na comunidade Santa Cruz, no município de Bom Jardim. Ela trabalha com a terra desde os dez anos de idade. É, na região, uma das poucas mulheres que assumem a chefia do sistema de produção, do beneficiamento e da comercialização dos produtos agroflorestais.
Dona Lourdes pratica a agricultura agroflorestal há oito anos e afirma que isso mudou a sua vida para melhor. Mas nem sempre foi assim: Meu pai foi quem me ensinou a plantar em roçado queimado. Aprendi que onde existisse pé de fruta não dava para plantar, por isso a gente cortava e queimava o solo. Durante muitos anos, sua plantação se resumia ao cultivo de feijão, milho e mandioca, e não era possível comercializar seus produtos. O resultado das plantações atendia unicamente as necessidades de consumo da família. A gente só plantava para comer, não tinha esse negócio de vender, porque a gente não lucrava nada, lembra. Para ajudar na renda familiar, Dona Lourdes também costurava, confeitava bolos e criava animais para vender.
A decisão de “inovar” partiu dela mesma, que não hesitou em procurar informações e participar de reuniões para saber melhor a respeito da agrofloresta. Fui a primeira vez e gostei. Daí por diante, comecei a ir sempre às reuniões do Sindicato e vi que a agrofloresta dá certo. Com o apoio dos filhos e assessoria do Centro Sabiá, Dona Lourdes iniciou com os sistemas agroflorestais numa área de 200 m². Logo notou a melhora da sua área, diversificou o número de plantas e introduziu a criação de animais.
Com esse novo jeito de plantar, ela pôde orientar parte do produto do seu trabalho para a venda na feira agroecológica. O que a gente tem agora dá para comer e pra vender, só gastamos com açúcar, farinha e goma e, quando a feirinha é boa, chegamos a lucrar mais de R$ 100,00, conta ela.
Hoje, Dona Lourdes obtém, com o suor de seu trabalho, o retorno que tanto merece, complementando sua renda com seus doces e bolos. Ela participa das feiras e lá recebe pelo que produz e pelo que tira da sua terra. A agricultora, que adora aprender e participar, tem na agricultura sua principal fonte de renda e quer melhorar cada vez mais naquilo que ama fazer.
Numa pesquisa realizada pelo Centro Sabiá, foi verificado que, em 1999, Dona Lourdes tinha uma renda mensal líquida de R$ 190,00. Após cinco anos, essa renda subiu para R$ 829,00. A gente mudou (…) Eu tenho mais amor pelas coisas. Quando vejo um pé de planta que tá meio fraquinho, dá vontade de chegar lá e ajeitar para vê-lo crescer bonito!
A agricultora Ivonete Lídia Vieira reside numa área pequena, localizada no Sítio Baixa das Flores, município de Santa Cruz da Baixa Verde. Até 1997, cultivava apenas café para o consumo familiar. A única fonte de renda de Ivonete era trabalhar no alugado em propriedades vizinhas, aplicando venenos nas plantações de cana-de-açúcar. Essa atividade comprometeu por diversas vezes a saúde dela.
Em meados desse mesmo ano, com o apoio da Associação de Desenvolvimento Rural Sustentável (Adessu) Baixa Verde, Ivonete começou a incorporar as práticas agroecológicas a sua propriedade. No início, tinha certa resistência à agricultura agroflorestal. Observando os resultados positivos dessa intervenção, que transforma terras improdutivas em cultiváveis, ela e sua família passaram então a intensificar o trabalho com agrofloresta. Hoje, passados oito anos, existem em seu terre- no mais de 50 espécies, entre nativas e frutíferas. Para melhor aproveitar sua produção, que é diversificada e constante, porém em pequena quantidade, Ivonete resolveu beneficiar tudo o que tirava da terra. Dessa forma, consegue agregar mais valor aos produtos e obtém um lucro satisfatório, diversificando não apenas o número de produtos transformados, mas também a forma de oferecê-los aos consumidores: Com a produção de um único pé de cajá, eu apurei aproximadamente dois salários mínimos, fazendo polpas, doces, geléias, licores e sucos. E se tivesse um freezer teria ganhado muito mais.
Com um espírito inovador, ela está sempre criando receitas diferentes: Antes eu usava a palma apenas para alimentar os animais. Hoje, sei que ela serve para alimentação humana porque é rica em vitamina A, e também auxilia no tratamento de algumas doenças. Da palma eu aproveito tudo: vendo o fruto, faço sucos, geléias e também cocadas. Com a folha eu faço desde saladas até farofas.
Devido ao sucesso de suas receitas, sempre participa em programas de rádio, nos quais dá dicas de como ter uma alimentação saudável aproveitando os recursos existentes na região. Freqüentemente ela também é convidada por outras instituições para assessorar cursos de beneficiamento de frutas.
A comercialização dos produtos por ela beneficiados é realizada na Feira Agroecológica de Serra Talhada, localizada no Sertão Central de Pernambuco. Nesse espaço, são vendidos produtos da agricultura familiar, cultivados sem agrotóxicos nem adubos químicos. Tudo é produzido de forma saudável e sustentável. Considerada uma referência no campo da produção e beneficiamento de produtos agroecológicos, a área de Ivonete é visitada constantemente por agricultores, pesquisadores, técnicos de vários municípios do Nordeste, de outras regiões do país e de outros países. Ela ressalta que esse novo jeito de trabalhar a agricultura proporcionou uma melhoria na renda e na qualidade de vida de sua família. Hoje, temos hábitos alimentares saudáveis, vendemos e consumimos produtos limpos e de boa qualidade, mas tudo isso só foi conquistado quando aprendemos a conviver com a nossa terra.
Diferentemente de Dona Lourdes Negromontes, Ivonete começou só há pouco tempo a fazer comercialização direta. Numa pesquisa realizada em 2003 pelo Centro Sabiá, ela apresentou renda média mensal de R$ 160,00. Pode-se perceber aí uma grande diferença entre as rendas auferidas por ela e Dona Lourdes, que, além do maior tempo de experiência, comercializa no mercado da capital do estado, onde é maior a demanda dos consumidores pelos produtos agroecológicos.
Outro aspecto a ser observado na estratégia econômica das duas agricultoras refere-se ao autoconsumo. Tanto num caso como no outro, evidencia-se a diminuição de gastos com a compra de alimentos e uma maior qualidade e diversidade da dieta da família.
Essas experiências inovadoras de produção agroecológica vêm possibilitando às famílias agricultoras a melhoria da qualidade de vida e uma gestão mais autônoma e mais próspera de suas economias. Isso significa a reconstrução do prazer de ser gente mais alegre e satisfeita, com auto-estima elevada e plantando mais vida para um mundo melhor.
José Aldo dos Santos:
coordenador-geral do Centro Sabiá
[email protected]
Rebeca Barreto:
estagiária de jornalismo do Centro Sabiá
[email protected]
Referências:
Centro Sabiá e PD/A-MMA. Sistematização da Experiência com Comercialização Agroecológica – Feiras Agroecológicas, 2004.
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Revista V2N3 – Agricultoras descobrem nova forma de gerar renda e garantir uma alimentação segura