Marcio Pereira Silva
O município de Medina, localizado na região do Médio Jequitinhonha, Minas Gerais, assim como outros municípios vizinhos, vivencia um grande desafio relacionado aos rumos do seu desenvolvimento. A expansão desenfreada da atividade mineradora realizada por empresas de extração de granito vem causando enormes danos ambientais, colocando em risco a permanência das famílias de agricultores que compõem a maior parte da população rural da região.
A partir da iniciativa de um grupo de agricultores e agricultoras, que entendiam que o seu futuro estaria comprometido caso não se mobilizassem para reverter as tendências de degradação das nascentes em função da mineração de granito, o Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de Medina se sensibilizou e passou a tomar providências concretas. De forma articulada com associações comunitárias do município, o STR procurou estabelecer parcerias com outras instituições no sentido elaborar e executar uma estratégia para enfrentar o problema. O Instituto dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Vale do Jequitinhonha (Itavale), uma entidade de abrangência regional, e a Universidade Federal de Lavras foram os primeiros a se comprometer e, por meio dessa parceria interinstitucional, foi desenvolvido o projeto Gestão e Conservação de Nascentes de Medina. A ação articulada em torno à execução desse projeto criou as condições para que, com o tempo, outras questões relacionadas ao desenvolvimento local fossem incorporadas à agenda dessas instituições.
O PONTO DE PARTIDA
O meio rural da região é essencialmente ocupa- do por uma agricultura de base familiar, produtora de lavouras diversificadas e de pequenos animais. A principal fonte de sustento das famílias dos municípios é a produção própria ou a renda da aposentadoria dos idosos. Em- bora a agricultura de Medina enfrente sérias dificuldades como resultado do histórico descaso do Estado com relação à produção familiar, a chegada das empresas de mineração ao município agravou bastante a situação.
Apesar disso, sob o pretexto de gerar emprego e renda, a extração do granito nas pedreiras de Medina foi fortemente incentivada, sendo beneficiada pela administração municipal com a isentação de impostos por um período de quinze anos. Atualmente, existem 31 pedreiras distribuídas em diferentes localidades do município e, ainda que seja uma atividade recente na região, a mineração já causou danos ambientais e sociais graves devido à sua exploração desordenada e sem planejamento.
Para enfrentar a situação, as organizações dos agricultores decidiram fazer um levantamento sobre as condições das nascentes nas áreas rurais. Para tanto, contaram com a contribuição de uma turma de alunos do projeto Semear composta por jovens e adultos das próprias comunidades. Em conjunto, alunos e famílias das comunidades elaboraram desenhos em cartazes para mapear e descrever como se encontravam as nascentes.
Após a finalização do levantamento, foi realizado o Seminário de Gestão das Águas, oportunidade em que os resultados da pesquisa foram apresentados e debatidos. A partir daí, o trabalho foi ganhando uma dinâmica própria, buscando sempre levar a discussão a outros espaços, como reuniões, seminários e fóruns regionais e estaduais, além de apresentar reivindicações ao poder público local e organizar passeatas e manifestações.
ARTICULANDO PARCERIAS E NOVOS TEMAS
A parceria do sindicato com a Universidade Federal de Lavras permitiu que outras organizações de fora do município fossem incorporadas ao processo, inclusive facilitando a obtenção de financiamentos para assegurar o avanço dos trabalhos. Na própria região, o sindicato conseguiu também angariar apoios importantes de outras organizações locais, como as Associações de Assentados da Reforma Agrária, a Associação Escola Família Agrícola do Médio e Baixo Jequitinhonha (Aefambaje) e alguns STRs de outros municípios.
O avanço dos trabalhos foi conduzido de forma que a iniciativa não ficasse restrita a ações voltadas para a conservação das nascentes, cuja situação a cada dia se torna mais preocupante. Assim, desde o início da experiência, há oito anos, o sindicato e seus parceiros mobilizaram as comunidades do município para a realização de um conjunto de atividades importantes, dentre as quais destacam-se: o cercamento de 16 nascentes; visitas de intercâmbio a experiências inovadoras com enfoque agroecológico; seminários na Escola Família Agrícola Bontempo, situada em Itaobim (MG); cursos técnicos para os agricultores e agricultoras realizados na Universidade Federal de Lavras; oficinas de capacitação sobre produção de mudas de espécies nativas e construção de viveiro de mudas; Seminários de Gestão das Águas e Meio Ambiente e Feiras Municipais de Reforma Agrária em Medina; e produção de cartilhas e boletins informativos para divulgação das experiências.
As questões da preservação das nascentes, o cuidado com a produção de alimentos saudáveis e a situação geral do meio ambiente no município foram os temas a partir dos quais todas essas iniciativas foram motivadas.
Além disso, foram promovidas reflexões junto às comunidades para que elas se mobilizassem para construir alternativas viáveis para o desenvolvimento local que respondessem às suas necessidades e anseios. Vale destacar que a constante reflexão e o resgate das ações desenvolvidas são importantes para a continuidade da caminhada.
A SISTEMATIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA E SEUS IMPACTOS
Recentemente, o Itavale realizou uma sistematização sobre a trajetória do trabalho no município. Além de avaliar a experiência em si, esse esforço teve como objetivos fornecer referências para organizações que desejam promover iniciativas similares em outras regiões, sensibilizar os poderes públicos nas esferas municipal e regional sobre o potencial do enfoque agroecológico para o desenvolvimento rural e, por fim, fundamentar a construção coletiva de alternativas de conservação da natureza, de modo a influenciar as políticas públicas implementadas no Médio Jequitinhonha.
Nesse sentido, a sistematização consistiu na descrição das formas atuais do uso da água pelas comunidades, na identificação dos setores rurais que possuem maior número de nascentes e quais deles enfrentam os maiores problemas de escassez de água.
A sistematização permitiu também a realização de um levantamento de informações mais gerais sobre a situação das comunidades rurais no município.
Entre os temas enfocados estavam o acesso à educação, à terra, à água e ao crédito; a situação da documentação das famílias; as condições sanitárias e tipos de moradia; a disponibilidade de energia; a participação em organizações; e o envolvimento na experiência de gestão e conservação de nascentes. Essa foi também uma oportunidade para quantificar o número de famílias nas comunidades e atualizar a leitura sobre seus sistemas de produção. O diagnóstico foi realizado com uma amostra de aproximadamente 30% das pessoas de 29 comunidades rurais.
O documento final foi apresentado e referendado nas próprias comunidades. Foi também apresentado em um seminário realizado na sede do município que contou com a participação de cerca de 300 pessoas, a maioria representantes das comunidades rurais, mas também de escolas, de organizações parceiras, de órgãos públicos, como o Instituto Estadual de Florestas (IEF), a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater), e algumas ONGs que atuam no Médio Jequitinhonha.
O diagnóstico teve grande importância na orientação dos trabalhos do sindicato, uma vez que permitiu conhecer melhor a realidade da agricultura do município e verificar os resultados positivos de sua atuação durante os oito anos de execução do projeto de conservação de nascentes.
Os agricultores e agricultoras, por sua vez, percebem que as coisas estão mudando aos poucos em suas comunidades. As famílias avaliaram que o trabalho desenvolvido trouxe um ganho de consciência ambiental considerável. Hoje as nascentes são preservadas, pois sabe-se que a água é um recurso que pode se esgotar a qualquer dia. Portanto, a experiência possibilitou também o maior envolvimento e interação social entre os trabalhadores e trabalhadoras em ações para a valorização desse recurso natural de grande importância para todos. Um maior cuidado com relação ao destino do lixo doméstico também é generalizado. Além disso, houve uma revalorização da cultura local, com a reorganização dos grupos de reisado e contra- dança, que foram convocados a se apresentar nos momentos culturais durante os seminários e feiras.
Muitos agricultores e agricultoras reconhecem a importância do sindicato nesse processo e o consideram como uma escola que não tiveram quando jovens, já que é lá que se mantêm informados “sobre tudo o que acontece e que seja de nosso interesse”. As associações comunitárias rurais também têm buscado atuar contra a degradação do meio ambiente e assegurar a participação de seus representantes nos Conselhos Municipais (de Desenvolvimento Rural, Saúde, Assistência Social, Criança e Adolescente, Segurança Pública) e nos fóruns de abrangência regional e estadual em que o tema é debatido.
Marcio Pereira Silva
acadêmico de Serviço Social e funcionário do STR Medina
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Revista V4N2 – Da preservação das nascentes ao desenvolvimento local