Claudenir Fávero e Fernanda Testa Monteiro
O Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, está localizado na porção nordeste do estado, contando com 51 municípios (ver mapa).
Com uma população de 720.356 (IBGE, 2010), a região apresenta destacada diversidade social, cultural, econômica e ambiental (campos rupestres, cerrados, caatinga e mata atlântica). Se considerados os moradores das sedes dos distritos e parte das sedes municipais que mantêm relações com as atividades agropecuárias, mais de 50% da população do Vale do Jequitinhonha habita ou realiza atividades no meio rural.
Em função da presença ancestral de diversos grupos humanos e da lógica de colonização e relações sociais estabelecidas ao longo do tempo, observa-se, atualmente, nessa região, uma rica diversidade étnica, cultural e de organização social camponesa. Há presença de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais camponesas, levando-se em conta, também, a miscigenação. A rica cultura dessa região vai muito além das expressões artísticas (como a música, festas, artesanato, etc.). Ela se manifesta também nas formas de ocupação do espaço e usos dos elementos da natureza, assim como nas lógicas de produção e reprodução social considerando as várias dimensões da vida. Há que se ter em conta que quilombolas, indígenas, comunidades tradicionais agroextrativistas e ribeirinhas vivem em interação com os diferentes biomas/ambientes há séculos e, sendo assim, conformam a gênese das paisagens do Vale do Jequitinhonha, um legado de gerações em constante movimento que imprimem contornos, usos, significações e estratégias agroalimentares variadas no tempo e no espaço.
As riquezas naturais (pedras preciosas, biodiversidade, recursos hídricos, rochas raras, etc.) fazem com que a região seja vista, desde o início da colonização euro- peia, como local de extração e espoliação. Nas últimas décadas, no ensejo do estigma de Vale da Miséria, órgãos estatais e empresas privadas têm implantado projetos vi- sando à promoção do desenvolvimento regional a partir de empreendimentos de grande porte que continuam a extrair tais riquezas. Os principais projetos apoiados e fomentados pelo governo estadual no Vale do Jequitinhonha estão ligados à produção de energia (hidroelétrica e carvão-combustível), para abastecer o polo siderúrgico do estado, e de matéria-prima para as empresas de celulose e papel. Como compensação ambiental, tem sido promovida a criação e a implantação, na região, de Unidades de Conservação de Proteção Integral nas cotas mais elevadas da paisagem (FÁVERO, 2007).
PAISAGENS, EXPRESSÕES CAMPONESAS E DISPUTAS TERRITORIAIS
As paisagens do Vale do Jequitinhonha podem ser compreendidas a partir de seus diferentes degraus, com seus respectivos biomas e variadas formações sociais e culturais (ACSELRAD, 2004) que as configuraram/produziram em um processo marcado por conflitos territoriais. Tais paisagens abrangem desde altitudes próximas a 1.400 metros, onde es- tão presentes os campos rupestres, na região de Diamantina, até 150 metros, na divisa com o estado da Bahia, já no domínio do bioma Mata Atlântica.
A microrregião do Alto Jequitinhonha – primeiro e segundo degraus – pode ser dividida em duas sub-regiões com características ambientais e socioculturais distintas: a sub-região localizada na Serra do Espinhaço, em sua porção meridional, com altitudes entre 1.100 e 1.400 metros, que tem em Diamantina sua referência principal; e a sub-região das Chapadas, formada por extensas áreas planas, com altitudes entre 800 e 1.100 m, entremeadas por vales profundos, tendo as cidades de Capelinha, Itamarandiba e Turmalina como suas principais referências. Para efeitos de distinção, a primeira sub-região será denominada de Hiper-Alto Jequitinhonha ou, simplesmente, Serra, enquanto a segunda, de Alto Jequitinhonha ou região das Chapadas.
Na paisagem da Serra, predominam os campos rupestres do Cerrado com algumas inclusões de vegetação característica de Mata Atlântica, uma vez que em suas porções mais orientais ocorre a transição entre os biomas. É nessa sub-região que há as maiores precipitações no Vale do Jequitinhonha, podendo chegar a 1.600 mm anuais (IBGE, 1997). Essa característica climática associada às características geológicas atribuiu à região um alto potencial hídrico, tornando-a a maior responsável pelos afluentes que dão origem e perenizam o Rio Jequitinhonha. A região é marcada também pela presença de remanescentes de quilombos e, principalmente, pela miscigenação destes com descentes de indígenas e europeus que se espalharam, sobremaneira, pelo território desde o final do Regimento Diamantino, no século XIX (MACHADO FILHO, 1985).
As territorialidades dessas comunidades combinam diversos agroambientes contidos na Serra e no pé da Serra, onde geralmente a agricultura tradicional (roças, quintais, criação de animais de pequeno porte) para consumo familiar é praticada próximo às moradias e, dependendo dos ambientes, vale-se do uso de rotação com pousio para a reposição natural da fertilidade dos solos. Já nas cotas mais elevadas da paisagem, ocorre o agroextrativismo das flores secas nativas do Cerrado, conhecida como flores sempre-vivas. A coleta é feita nos campos (campo limpo, entremeado aos campos rupestres), sobretudo na porção meridional da Serra do Espinhaço, sendo uma das principais fontes de renda das comunidades tradicionais apanhadoras de flores. A cidade de Diamantina é ponto de concentração da comercialização das flores sempre-vivas para o mercando nacional e internacional (MONTEIRO; FÁVERO, 2011).
Devido a suas características ambientais, como o potencial hídrico e a riqueza em fauna e flora, com a presença de espécies endêmicas, a Serra do Espinhaço foi definida como área prioritária para conservação da natureza pelos governos esta- dual e federal desde a década de 1990. Nesse sentido, os órgãos ambientais, asso- ciados a ONGs ambientalistas, têm atuado intensamente na criação de Unidades de Conservação (UCs), preponderantemente UCs de Proteção Integral. A extensão total de sete unidades de proteção integral na região chega a 197.396 hectares, que, agregados às zonas de amortecimento (ou zonas tampão), em alguns casos se sobrepondo, atingem 865.100 hectares de área protegida, o que representa 1,47% do território do estado (MONTEIRO, 2011).
A criação e a implantação dos parques naturais se deram de forma autoritária, desrespeitando os povos e comunidades tradicionais e seus direitos previstos por lei. Tais unidades desvelam a moderna produção capitalista do es- paço no âmbito da compensação ambiental de grandes empreendimentos.
Esse processo gera desterritorialização das comunidades e desconsidera que as formas de vida tradicionais estão diretamente relacionadas à conservação da natureza e à conformação da paisagem tal como se conhece atualmente. Essa situação tem se revelado como um dos maiores conflitos socioambientais do estado de Minas Gerais. Em paralelo, e contraditoriamente, empresas monocultoras de eucalipto e mineração de elevado porte adentram essa região com o apoio estatal.
As Chapadas do Alto Jequitinhonha são constituídas por feições típicas dos Cerrados (cerrado restrito, cerradão, campo cerrado). Essas áreas foram historicamente ocupadas em regime comunal pelas comunidades tradicionais camponesas que ali praticam a solta de gado e o agroextrativismo de frutos nativos, plantas medicinais e madeiras para construção e lenha. Geralmente, as famílias constroem suas casas perto dos cursos d’água, ao longo das grotas, como são chamados os vales que se iniciam na meia encosta e se prolongam até as áreas úmidas próximas das nascentes e córregos onde está localizada boa parte das unidades de produção: quintais, roças e mangas de pastos.
Como bem sintetizou Galizoni (2007), as famílias distribuem roças de milho, feijão e cana-de-açúcar pelas áreas de culturas, mandiocais nas áreas de caatinga e soltam criações e coletam nas áreas de campo (ou Chapadas). As roças são salteadas nos terrenos, procurando as manchas de terras de cultura dentro do lote que as famílias usam em comum.
Desde a década de 1970, na esteira desenvolvimentista dos governos militares, foram financiados grandes projetos de monocultivos de eucalipto nas Chapadas com vistas a atender a crescente demanda de carvão vegetal do polo siderúrgico de Minas Gerais. Extensas áreas de Cerrado foram substituídas por monocultivos de eucalipto, ao ponto de a região ser considera- da, atualmente, o maior maciço de eucalipto da América Latina. Empresas receberam terras públicas em regime de comodato; proprietários locais foram pressionados a vender suas terras; e, sobretudo, posseiros foram expulsos e/ou empurrados para os vales e grotas. As Chapadas foram consideradas grandes vazios demográficos, ignorando as formas de ocupação e uso do território pelas comunidades camponesas e, levando à expropriação das famílias. Além de todos os impactos ambientais desses projetos (supressão da biodiversidade, rebaixamento do lençol freático, contaminação por agrotóxicos, etc.), houve aumento da migração sazonal, êxodo rural e exclusão social.
Na mesma lógica desenvolvimentista capitalista, e sob a argumentação de que o Vale tinha uma vocação energética, nos anos de 1980 foram realizados esforços governamentais para construir usinas hidroelétricas no Rio Jequitinhonha e em seu principal afluente, o Rio Araçuaí. A maior delas – a Usina de Irapé – foi construída na área de transição entre a região do Alto e do Médio Jequitinhonha e ficou famosa por ter a barragem de maior altura da América Latina (220 metros). Foi o empreendimento que atingiu de uma só vez o maior número de pessoas na história do Vale do Jequitinhonha: mais de 1.300 famílias camponesas foram desalojadas. No dizer dos nativos dessa região, eles foram encurralados por cima pelos monocultivos de eucalipto e por baixo pela represa de Irapé.
Em direção à região do Médio Jequitinhonha – terceiro degrau –, encontra-se o maior desnível na paisagem do Vale, saindo de altitudes de 800 metros ou mais, nas Chapadas, e chegando a 300-400 metros na depressão do Rio Jequitinhonha. O Médio Jequitinhonha, que tem como polo a cidade de Araçuaí, é a porção do Vale com menores precipitações anuais (abaixo de 800 mm), com déficit hídrico característico de regiões semiáridas (IBGE, 1997) e ocorrência de feições típicas do bioma Caatinga. A presença de prolongamentos das Chapadas do Alto Jequitinhonha, avançando sobre as planícies que constituem a depressão do Rio Jequitinhonha, historicamente garantiu a perenização de alguns cursos d ’água, hoje cada vez mais comprometidos pela substituição dos Cerrados das Chapadas pelos monocultivos de eucalipto que adentram essa região.
Curiosamente, o Médio Jequitinhonha é a região com maior população rural, apresentando, em 2010, 46,03% do total (IBGE, 2010). São comunidades tradicionais camponesas cujo cotidiano se dá na convivência com a escassez de água e as poucas e concentradas ocorrências de chuvas. Quando as condições propiciam o aproveitamento de algum curso d’água ou de alguma água armazenada para a irrigação de cultivos e, principalmente, quando as águas chegam na estação chuvosa, essas comunidades enchem de alimentos as feiras livres em todas as cidades da região.
Além de sofrerem os impactos dos monocultivos de eucalipto e da represa da Usina Hidroelétrica de Irapé, as comunidades dessa região são afetadas pela presença da mineração de alguns metais raros, como a cassiterita e o lítio, e, principalmente, pela extração de granito – tido como de muito boa qualidade, apresentando grande diversidade de cores, sendo comercializado nos grandes centros urbanos brasileiros e no exterior. Tal extração vem comprometendo severamente a manutenção de nascentes essenciais às famílias camponesas em seus lugares de vida.
Seguindo o curso do rio, adentra-se o Baixo Jequitinhonha. A partir da sua porção mediana em direção à foz – quarto degrau –, percorre-se uma rampa de inclinação suave que vai de uma altitude próxima a 300 metros, no entroncamento das rodovias BR 367 e BR 116, no município de Itaobim, até uma altitude inferior a 150 metros, na divisa do estado de Minas Gerais com o da Bahia, no município de Salto da Divisa.
A região do Baixo Jequitinhonha, assim como as regiões do Vale do Mucuri e do Vale do Rio Doce, foram mantidas até o século 19 como áreas proibidas, seguindo uma estratégia da Coroa Portuguesa de coibir a extração e o contrabando das riquezas minerais, principalmente ouro e diamante, existentes nas regiões a montante desses rios (FÁVERO, 2001, citando ESPÍNDOLA, 1996). A partir do início do século 20, ocorreu de forma intensa a extração de madeira para comercialização, seguida da implantação de pastagens em grandes extensões de terras, assentadas no massacre de comunidades indígenas e na grilagem de terras. Esse histórico de ocupação resultou em alta concentração fundiária, ao ponto de alguns municípios dessa região não contarem mais com a presença de comunidades camponesas.
É nessa porção do Vale do Jequitinhonha, que tem como principais referências as cidades de Almenara e Jequitinhonha e um histórico de dominação política dos fazendeiros, que se intensificou, a partir da década de 1980, a luta pela terra do Movimento Sindical e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o que levou à atual presença de dezenas de acampamentos e assentamentos de trabalhadores rurais. Essa luta tem sido conflituosa e sangrenta, a exemplo do Massacre de Felisburgo, em que cinco trabalhadores rurais do acampamento Terra Prometida foram assassinados no dia 20 de novembro de 1994.
No Baixo Jequitinhonha, mesmo os camponeses que ainda não conquistaram a terra, ou não estão na luta pela reforma agrária, buscam formas de produzir alimentos para seu sus- tento ou para obtenção de renda via comercialização nas feiras livres. Um exemplo disso é o aproveitamento das margens do Rio Jequitinhonha para cultivos após a vazante do rio (período de estiagem). Entretanto, na atualidade, esses estabelecimentos encontram-se tensionados pelos perímetros irriga- dos voltados à fruticultura em grande escala nas margens do rio, ampliando-se o hidronegócio na esteira da modernização conservadora do campo (GONÇALVES, 1995).
RESISTÊNCIAS CAMPONESAS
Por todo o Vale do Jequitinhonha, ocorreram/ocorrem intensos processos de expropriação territorial de po- vos e comunidades tradicionais camponesas em função do histórico de ocupação e, mais recentemente, pelo modelo de desenvolvimento capitalista impulsionado/viabilizado pelo Estado brasileiro. Ao mesmo tempo, os povos do Vale têm demonstrado uma enorme capacidade de resistência, luta e persistência das suas formas de vida.
Nas regiões do baixo e do médio Jequitinhonha, as Dioceses Católicas de Almenara e de Araçuaí permitiram a entrada, nas décadas de 1970 e 1980, das pastorais sociais. À luz da Teologia da Libertação, essas pastorais promoveram um processo de formação po- lítica, propiciando o surgimento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que impulsionaram a resistência e a luta por terra e território de forma organizada via sindicatos, associações e diversos movimentos sociais. Nos anos 1980, no bojo da abertura política pós-Ditadura Militar, estendendo-se até parte do Alto Jequitinhonha, o surgimento/atuação de diversas ONGs de assessoria/apoio aos movimentos populares contribuiu para consolidar essas formas de resistência e luta. Já nas últimas duas décadas, as lutas foram fortalecidas pela chegada e presença na região do MST, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Na região do Hiper-Alto Jequitinhonha (Serra), o conservadorismo da hierarquia da Igreja Católica (Arquidiocese de Diamantina) não permitiu a entrada das pastorais sociais e, consequentemente, da formação de base, razão que ajuda a explicar a menor presença dos movimentos sociais anteriormente referidos.
Muitas comunidades tradicionais do Vale do Jequitinhonha, especialmente, as da Serra (Hiper-Alto), mantiveram-se na invisibilidade até a chegada recente de ações governamentais, por meio da criação unidades de conservação da natureza ou da implantação de grandes empreendimentos minerários, hidroelétricos e do agronegócio. A tomada de consciência de seus direitos, enquanto comunidades tradicionais, inscritos no marco legal brasileiro – como o direito das comunidades autodeterminadas quilombolas à titulação de seus territórios – tem proporcionado novas estratégias de resistência e de organização política. Um exemplo foi a constituição, em 2010, da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex), que congrega comunidades tradicionais apanhadoras de flores sempre-vivas, incluindo comunidades quilombolas, da região de Diamantina. A Codecex tem lutado pela demarcação/titulação de territórios quilombolas e pela retomada de territórios tradicionais expropriados pela criação de parques naturais por órgãos ambientais das esferas esta- dual e federal.
Para além das formas organizadas de resistência e luta dos camponeses do Vale do Jequitinhonha, existe uma resistência maior que consiste na manutenção e reprodução de seus modos de vida, assumindo diversas expressões de- pendendo da região: no Baixo, as famílias estão cultivando nas barrancas do rio, apesar da imponência das cercas do latifúndio; no Médio, sobrevivem estabelecendo e aprimorando as estratégias de convivência com o semiárido; no Alto, são empurradas para as grotas pelos monocultivos de eucalipto, mas seguem construindo suas estratégias produtivas; e, na Serra, encontram diversas formas para enfrentar a ameaça aos seus territórios. De uma ou outra maneira, as comunidades camponesas do Vale seguem produzindo e reproduzindo suas formas tradicionais de vida, seus sabe- res, sua cultura e seus valores.
A AGROECOLOGIA COMO CAMINHO
A produção camponesa do Vale do Jequitinhonha é a principal responsável pela dinamização econômica da maioria dos municípios da região, sendo as feiras livres, que ocorrem em praticamente todas as cidades e povoados, a sua maior expressão. Essas famílias produzem alimentos para consumo, venda, trocas cerimoniais e comunitárias; mas não produzem exclusivamente para comércio e, por isso, os indicadores de renda da região sempre são situados entre os mais baixos do país (RIBEIRO, 2007, p. 38).
A modernização agrícola brasileira, iniciada entre os anos 1960 e 1970, chegou ao Vale do Jequitinhonha apenas nas últimas décadas. Sendo assim, os camponeses dessa região passaram a ter contato com o pacote tecnológico dos insumos industrializados recentemente. Os sistemas de produção camponesa são, em sua maioria, assentados na utilização de materiais genéticos adaptados, multiplicados, melhorados e conservados pelos próprios agricultores (variedades e raças crioulas); na diversidade de espécies (introduzidas e nativas) e de arranjos produtivos no espaço e no tempo; e em práticas e estratégias baseadas nos saberes tradicionais acumulados e transmitidos pelas sucessivas gerações, constituindo, assim, componentes fundamentais e estruturantes do desenvolvimento de sistemas agroecológicos.
As profundas transformações dessas paisagens ocorreram nas últimas décadas a partir do momento em que as riquezas do Vale se tornaram atrativas ao grande capital nacional e internacional, despertando o interesse de empresas nacionais e transnacionais que se instalaram na região com total apoio e fomento do Estado brasileiro em detrimento das condições de vida dos povos e comunidades tradicionais. Mesmo as investidas do Estado na região com a roupagem da preservação ambiental foram no sentido da expropriação territorial e da acumulação capitalista.
Esta trajetória poderia – e pode – ser diferente se as ações estatais na região se derem no sentido de fortalecer e potencializar as iniciativas, as experiências e os acúmulos dos diferentes povos e comunidades tradicionais camponesas, bem como suas organizações representativas e de apoio/assessoria. Tal acúmulo está alicerçado em saberes e princípios agroecológicos, que demonstram como os modos de vida desses grupos são capazes de produzir e reproduzir paisagens que integram as dimensões cultural, social, ambiental e econômica, e não a lógica atualmente em curso que segrega essas dimensões e as coloca como setores específicos e mutuamente conflitantes.
Claudenir Fávero
Professor do Departamento de Agronomia e Coordenador do Núcleo de Agroecologia e Campesinato da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
[email protected]
Fernanda Testa Monteiro
Pesquisadora colaboradora do Núcleo de Agroecologia e Campesinato da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
[email protected]
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Baixe o artigo completo:
Revista V11N3 – Disputas territoriais no Vale do Jequitinhonha: uma leitura pelas transformações nas paisagens