David Amudavi, Zeyaur Khan e John Pickett
Milhões de agricultores do leste da África dependem dos cultivos de milho e de sorgo para garantir a alimentação e a geração de renda de suas famílias. Entretanto, a produção desses cultivos é gravemente afetada por insetos-praga como a broca-do-colmo e pela infestação da planta espontânea parasita Striga hermonthica . A broca-do-colmo promove quedas de 30 a 40% na produtividade, enquanto a infestação de Striga provoca perdas econômicas que vão de 30% a 50% em 40% da terra cultivável da África. Ainda que herbicidas geralmente venham sendo recomendados pelos órgãos oficiais de pesquisa e extensão, eles têm se demonstrado pouco econômicos e práticos para os agricultores familiares, além de gerarem impactos negativos sobre o meio ambiente e a saúde das famílias. Por outro lado, o método tradicional de arranquio da Striga é muito trabalhoso e pouco eficaz.
Diante desse contexto, tornou-se necessário desenvolver alternativas acessíveis para lidar com as crescentes ameaças aos sistemas agrícolas familiares na África. O sistema empurra-puxa mostrou-se como uma estratégia técnica eficaz para cumprir esse objetivo. Ele combina conhecimentos sobre a ecologia da Striga e da broca- do-colmo, enfocando, em particular, as interações químicas que essas espécies mantêm com outros organismos do agroecossistema. Essa estratégia foi desenvolvida por cientistas do Icipe (Centro Internacional de Fisiologia e Ecologia de Insetos, em inglês), no Quênia, e do Centro de Pesquisa Rothamsted, na Inglaterra, em colaboração com organizações de pesquisa do leste africano. Este artigo explica como o sistema tem sido adotado por agricultores quenianos.
COMO FUNCIONA O SISTEMA EMPURRA-PUXA?
O sistema é estruturado com o plantio de espécies repelentes aos insetos-praga nas áreas de cultivo (empurra) e com o plantio de plantas atrativas a essas espécies no entorno das áreas de cultivo (puxa). As espécies repelentes mais comuns são o capim-melaço (Melinis minutiflora) e uma espécie do gênero Desmodium (Desmodium uncinatum). O capim-napiê (Pennisetum purpureum) e o sorgo (Sorghum vulgare var. sudanense) são as espécies mais utilizadas para a atração dos insetos-praga para fora das áreas de cultivo. As plantas repelentes produzem determinadas substâncias químicas que afastam as brocas-do-colmo enquanto o capim-napiê produz, ao anoitecer, outras substâncias que evaporam facilmente. Algumas dessas substâncias atraem as lagartas, que acabam depositando seus ovos ali. Felizmente, o capim-napiê também produz uma substância pegajosa que imobiliza as larvas da broca-do-colmo. Poucas chegam à idade adulta e, com isso, a população de lagartas acaba sendo reduzida.
O sistema empurra-puxa também inibe e elimina a infestação da Striga por meio de diversos mecanismos, como fixação de nitrogênio, sombreamento do solo e alelopatia, mecanismo em que uma planta afeta outra com substâncias químicas. Neste caso, as raízes do Desmodium é que desempenham esse papel. Algumas dessas substâncias estimulam a germinação das sementes de Striga, mas outras inibem o crescimento lateral e evitam que as raízes de striga se fixem nas raízes do milho. A Striga morre e o número de suas sementes no solo diminui. Como o Desmodium é uma planta perene, ele controla a Striga mesmo quando a planta hospedeira está fora de estação, tornando-a uma planta repelente mais eficiente que outras.
OPORTUNIDADES PARA DIVERSIFICAR OS SISTEMAS FAMILIARES
O sistema empurra-puxa é um bom exemplo de como uma pesquisa elementar pode contribuir para elevar a produtividade agrícola e aperfeiçoar o uso sustentável de recursos naturais. Essa estratégia proporciona diversos benefícios, contribuindo direta e indiretamente para o sustento das famílias agricultoras. Entre as oportunidades que surgem, destacamos:
Aumento da segurança alimentar
No Quênia, o sistema empurra-puxa tem aumentado em média 20% a 30% a produtividade do milho em áreas afetadas apenas por brocas-do-colmo (distrito de Trans Nzoia). Já nas áreas com incidência tanto de brocas como de Striga (como nos distritos de Vihiga, Siaya, Suba e Migori), o aumento foi de mais de 100%. Tais resultados têm sido decisivos para que as famílias se sintam incentivadas a adotarem o sistema.
Redução da erosão e aumento da fertilidade do solo
Ao proporcionar boa cobertura do solo, o sistema contribui para a redução da erosão. Por meio da fixação de nitrogênio, o sistema empurra-puxa reduz a quantidade exigida de fertilizantes nitrogenados que são de custo eleva- do e, portanto, inacessíveis para a maioria dos pequenos agricultores. Um estudo de campo de longa duração realizado pelo Icipe em Mbita, oeste do Quênia, revelou um aumento significativo do total de nitrogênio encontrado em parcelas em que foi feito o consórcio milho-Desmodium por três anos, especialmente quando comparado a campos de milho consorciado com outras culturas.
Aumento da biodiversidade
O sistema empurra-puxa promove e conserva a biodiversidade por manter a variedade de espécies. Essa diversificação, por sua vez, melhora o funcionamento dos ecossistemas natural e agrícola, ao contribuir com os serviços do ecossistema, tais como ciclagem e decomposição de nutrientes. Isso ajuda a desenvolver sistemas sustentáveis de proteção dos cultivos, por dependerem menos do uso de pesticidas. Um estudo realizado em Lambwe Valley (distrito de Suba) mostra que o sistema promove um aumento global dos predadores benéficos, o que é muito importante para os sistemas agrícolas.
Criação de pequenos animais e promoção da saúde da família
A baixa estabilidade na disponibilidade e regularidade da alimentação de animais tem sido um das maiores limitações para a manutenção de gados leiteiros no leste africano. O sistema empurra-puxa produz forragem de qualidade para os animais. Em pequenas propriedades onde a pressão de uso da terra é elevada, isso geralmente melhora a saúde das famílias agricultoras, especialmente das crianças. Além disso, vacas e cabras leiteiras têm se apresentado como alternativas importantes para a geração de renda de agricultores que adotaram o sistema.
Proteção de ambientes fragilizados
A maior produtividade dos cultivos e a produção de gado, resultantes das estratégias de manejo do agroecossistema, têm o potencial de garantir o sustento das famílias agricultoras sob diversas circunstâncias. Isso pode frear o movimento de migração da população rural para áreas designadas para proteção ambiental. Além disso, agricultores que lançam mão dessas estratégias têm menos motivo para usar pesticidas que possam afetar a flora e fauna do agroecossistema.
Geração de renda e eqüidade de gênero
O sistema empurra-puxa tem apresentado impactos promissores. Além de proporcionar um aumento no rendimento do sistema agrícola, ele consegue promover uma maior valorização e empoderamento das mulheres das áreas rurais. O sistema oferece fontes alternativas de renda, uma vez que as famílias podem vender o excedente de grãos, de forragem e de sementes de Desmodium. Ao mesmo tempo, tem potencial para melhorar a qualidade da vida rural, na medida em que mais agentes e parceiros interagem com os agricultores, que por sua vez passam esse conhecimento a outros agricultores.
A DISSEMINAÇÃO DO SISTEMA
O sistema empurra-puxa tem sido adotado em mais de 10 mil propriedades em 19 distritos do Quênia, cinco de Uganda e dois da Tanzânia. Nesses três países o método tem sido promovido pelo serviço público de extensão rural, por ONGs e pelo setor privado. Inicialmente, a difusão do sistema era feita por veículos de comunicação de massa (um programa de rádio chamado Tembea na Majira) e materiais impressos (jornais, panfletos, boletins informativos e pôsteres). Eram promovidas também visitas a campo em que o desempenho do sistema era comparado com o de métodos convencionais. Também foram realizados eventos de divulgação que tiveram os próprios agricultores como instrutores, demonstrações práticas e reuniões públicas (barazas). Essas estratégias de difusão obtiveram resultados variáveis.
A abordagem da Escola de Campo Agrícola – Farmer Field School (FFS) – está agora sendo empregada para disseminar o sistema. Por seguir o princípio de aprendizado intensivo, essa abordagem tende a aumentar a escala de adoção do método ao atingir milhares ou mesmo milhões de agricultores. A Escola de Campo Agrícola adota um currículo desenvolvido em conjunto por todos os grupos interessados e envolvidos, incluindo agricultores, equipe de extensão rural do governo, pesquisadores do Icipe e equipes de ONGs e de organizações de base comunitária. Os conteúdos são apresentados em sessões semanais durante duas temporadas de plantio, de forma que dois ciclos de desenvolvimento do milho sejam acompanhados. Isso se deve ao fato de que, durante a primeira temporada, os cultivos acompanhantes (o Desmodium e o capim-napiê) ainda não se encontram totalmente estabelecidos para que os agricultores possam aprender a manejá-los. Além disso, em função da ênfase dada ao aprendizado por meio da observação e da descoberta, torna-se mais fácil aprender como conservar e utilizar produtos do sistema empurra-puxa durante a segunda temporada, quando os agricultores também aprendem a estruturar parcelas de empurra- puxa. Também faz parte do currículo a coleta de informações relevantes para que seja realizada a avaliação da eficácia do método.
Depois do sucesso obtido com o lançamento do sistema empurra-puxa no distrito de Bungoma, oeste do Quênia, em março de 2007, o Icipe organizou a primeira oficina de capacitação para facilitadores da Escola de Campo Agrícola no mês seguinte. O objetivo era capacitá-los no sistema, para que pudessem implementá-lo, além de desenvolver habilidades de facilitação e de gestão de grupos. Os participantes da oficina foram facilitadores experientes das Escolas de Campo dos distritos de Bungoma e Busia e potenciais facilitadores dos distritos de Suba e Homa Bay, todos no oeste do Quênia. Depois da capacitação, os facilitadores de Bungoma e Busia começaram a implementá-lo nas Escolas existentes em suas localidades. Hoje há 22 em Bungoma e 12 em Busia
O Icipe organizou uma segunda oficina em junho de 2007 em sua estação em Mbita para capacitar facilitadores das Escolas de Campo Agrícolas dos distritos de Suba e Homa Bay. A primeira etapa foi de identificação de agricultores interessados, que participaram de grupos focais de discussão entre agricultores-professores com experiência no sistema empurra-puxa e agricultores não-praticantes dessa técnica. As discussões serviram para descobrir os perfis dos grupos de agricultores, o seu nível de acesso à informação e a experiência que tinham no controle de Striga e brocas-do-colmo. Os debates também permitiram identificar os principais meios para aumentar a conscientização entre os agricultores acerca da estratégia e papel desempenhado pela Escola de Campo Agrícola como es- paço para o aprendizado de novas estratégias de manejo agrícola. Cada grupo selecionou um agricultor para participar da oficina de capacitação de facilitadores. Utilizando essa estratégia, o Icipe já capacitou diversos facilitadores de Escolas de Campo Agrícolas em cerca de dez distritos do oeste do Quênia. Também organizou capacitação de agricultores de Uganda, que eventualmente serão capacitados como agricultores-facilitadores.
UMA HISTÓRIA DE SUCESSO
Consolata James é mãe de quatro filhos e vive numa propriedade de 1,5 hectares em Ebuchiebe, um vilarejo do distrito de Vihiga (oeste do Quênia). Ela pertenceu ao grupo dos primeiros 12 agricultores de Vihiga que visitaram a estação do Icipe em Mbita, assim como esteve entre os agricultores que foram a Suba em 2001 para aprender sobre o sistema empurra-puxa. Depois dessa experiência em campo, e contando com o suporte técnico da equipe do Icipe, Consolata e os demais agricultores cultivaram áreas manejadas segundo o sistema inovador.
Consolota costumava colher cerca de 45 kg de milho por temporada de uma parcela de 1.000 m. Durante o longo período de chuvas de 2002, ela começou a usar o sistema empurra-puxa e conseguiu colher cerca de 270 kg dessa mesma área. Isso a motivou a aumentar a área do sistema empurra-puxa para 2.000 m em 2006. Desde então, ela vende parte do capim-napiê que plantou para seus vizinhos e adquiriu uma cabra leiteira, que é alimentada com a forragem que ela mesmo produz no sistema. Consolata também ampliou o seu rebanho, o que fez sua produção de leite aumentar. Atualmente, ela é facilitadora de uma Escola de Campo Agrícola no vilarejo de Ebukhaya e Consolata tem disseminado o sistema empurra-puxa para diversos agricultores da vizinhança.
Por ser um exemplo de sucesso, ela já recebeu mais de 30 visitas até de outros distritos. Ela vem expandindo gradativamente suas áreas manejadas segundo o sistema empurra-puxa, deixando uma pequena parcela de sua propriedade para plantar milho e feijão. Quando perguntamos o que ela mais apreciou na experiência com o sistema, ela respondeu: “Não preciso mais comprar milho no mercado para alimentar minha família. Além disso, o sistema me permitiu ter um rebanho maior.”
PERSPECTIVAS
O sistema empurra-puxa não é uma solução universal para os problemas enfrentados por pequenos agricultores, mas pode oferecer alternativas para diversificar os sistemas de produção familiares. O maior obstáculo para que ele seja difundido a milhares ou mesmo milhões de agricultores tem sido a baixa disponibilidade de sementes de Desmodium. Para contornar essa situação, diversas oportunidades têm surgido, inclusive o envolvimento de uma empresa privada do ramo, assim como a produção comunitária de sementes e a propagação vegetativa. Os efeitos que essas iniciativas tiveram sobre a disseminação do sistema ainda estão sendo estudados.
O trabalho está sendo direcionado no sentido de desenvolver ferramentas para garantir o desempenho de novos componentes do sistema empurra-puxa, assim como para elevar nossa compreensão acerca da dinâmica dos nutrientes do solo. Pesquisas também estão sendo conduzidas sobre o aparecimento de uma praga não-reconhecida (um besouro polinizador que ataca o Desmodium) e de uma doença que afetou o capim-napiê. Algumas questões têm sido levantadas acerca do potencial de integração de novas estratégias de produção e proteção. Dessa forma, o sistema empurra-puxa fornece novos temas para o desenvolvimento de pesquisas mais abrangentes e serve como inspiração para o manejo de outras pragas na África e em outros continentes.
David M. Amudavi
técnico do Icipe em Nairobi, Quênia
[email protected]
Zeyaur R. Khan
técnico do Icipe en Nairobi, Quênia
[email protected]
John A. Pickett
Rothamsted Research, Inglaterra
[email protected]
Referências Bibliográficas:
COOK, S.M.; KHAN, Z. R.; PICKETT, J.A. The use of ‘Push-Pull’ strategies in integrated pest management. Annual Review of Entomology, n.52, p. 375-400, 2007.
INTERNATIONAL CENTRE OF INSECT PHYSIOLOGY AND ECOLOGY. Push-Pull curriculum for Farmer Field Schools. Quênia, 2007.
NIELSEN, F. The Push-Pull system – a viable alternative to Bt maize. LEISA Magazine, v. 17, n. 4, p. 17-18, dez. 2001.
Baixe o artigo completo:
Revista V5N1 – Disseminando a estratégia “empurra-puxa”