João Antonio Firmato de Almeida
As experiências vivenciadas pelo técnico da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), João Antonio Firmato de Almeida, popularmente conhecido como Jafa, trazem alguns ensinamentos importantes para os que enfrentam problemas com o controle de formigas cortadeiras.
Em 1983, Jafa adquiriu uma propriedade de 30 hectares, que denominou de Fazenda Exílio, localizada no município de Camamu, região do Baixo Sul da Bahia. Lá se dedicou a implantar vários roçados, nos quais empregou os conhecimentos técnicos da agricultura convencional que havia aprendido durante sua formação profissional. Em três deles (no total de 13 hectares), adotou o método de derrubada total da floresta seguido de queima. Em um quarto roçado (de três hectares), utilizou o sistema cabruca, que consiste no raleamento de algumas árvores da floresta para permitir o plantio. Todas as áreas eram até então cobertas por mata atlântica e foram posteriormente manejadas com alto uso de insumos externos.
Ainda na década de 1980, a partir do contato que teve com a equipe do Projeto Tecnologias Alternativas da ONG Fase, sediada em Salvador (BA), Jafa tomou conhecimento dos princípios da então chamada agricultura alternativa. Essa equipe, que posteriormente fundou a ONG Serviço de Assessoria às Organizações Populares Rurais (Sasop), celebrou com a Ceplac um acordo de cooperação técnica, inaugurando nesse momento o seu escritório local em Camamu. Essa cooperação com o Sasop permitiu que Jafa adquiris- se muitos novos conhecimentos que foram imediatamente colocados em prática para dar início à transição agroecológica na Fazenda Exílio.
A alta incidência de formigas cortadeiras foi um dos grandes desafios enfrentados nesse processo de transição. Também chamadas cabeçudas, carregadeiras, saúvas, de mandioca e quenquéns, as formigas cortadeiras são insetos-praga muito encontrados na região. A infestação, porém, estava justamente ligada à drástica alteração dos ecossistemas naturais promovida para a implantação de áreas de lavoura, o que destruiu os complexos sistemas ecológicos responsáveis pela regulação das populações de formigas na natureza.
Assim como nos roçados de Jafa, foram extintas em áreas extensas diversas espécies de plantas que serviam de alimento ou de abrigo para inúmeros animais, inclusive insetos, causando desequilíbrios ecológicos favorecedores das populações de formigas.
Para combater a praga, Jafa conduziu um conjunto de experimentações, que foram bem-sucedidas, tendo por base a sistematização de conhecimentos locais e da ecologia das formigas realizada por especialistas em mimecologia, a ciência que estuda esse grupo de insetos, particularmente Jacques H. C. Delbie.
Por exemplo, ao saber que as formigas fazem seus ninhos em solos ácidos para favorecer o desenvolvimento do fungo que lhes serve de alimento, Jafa passou a colocar substâncias alcalinas no formigueiro. Sabendo também que cada rainha produz um feromônio próprio de forma a manter a unidade da colônia, colocou terra de um formigueiro em outros, desorientando as formigas em suas trilhas. Também para confundir as formigas em suas trilhas, passou a desfazê-las e pôs ramos de plantas normalmente cortadas pelas formigas próximo das colônias.
Como o fungo que serve de alimento às formigas é muito sensível a contaminações externas, introduziu em diferentes formigueiros fontes de biomassa sujeitas a fermentação, de forma a contaminar as plantações de fungo das formigas. Além disso, passou a plantar espécies nos formigueiros que exalam substâncias tóxicas, sabendo que as formigas cortadeiras têm o corpo revestido de pelos e que se limpam umas nas outras. Tal estratégia provoca grande mortalidade das formigas pela transmissão de veneno pelo contato físico (ver detalhes no Quadro 1).
Com esses e outros conhecimentos devidamente experimentados, a Ceplac e o Sasop, assim como outras organizações que atuam na região, realizaram oficinas em comunidades rurais de Camamu e em outros municípios da região cacaueira da Bahia.
As oficinas buscaram articular conteúdos teóricos e práticos e tinham por objetivo estimular os agricultores participantes a experimentar e disseminar os conhecimentos adquiridos. No primeiro dia, foram aborda- dos temas relacionados à biologia e à ecologia das formigas cortadeiras. Houve também uma visita a campo para que as formigas e os formigueiros fossem observados e a teoria pudesse ser debatida com base na visualização dos fenômenos. No segundo dia, por meio das vivências dos membros do grupo, foram discutidos os processos de levantamento e monitoramento da infestação, as estratégias para o manejo ecológico e as formas de convivência com a alta incidência da praga. Dessa forma, muitas propostas de experimentação debatidas acabam sendo oriundas dos conhecimentos anteriores dos próprios agricultores. Em seguida, realizou-se mais uma atividade de campo, buscando colocar em prática as estratégias discutidas com base na utilização dos recursos e interações eco- lógicas do lugar. Ao final das oficinas, foram construídas agendas de compromissos.
De forma geral, após as oficinas, os agricultores declararam que desconheciam a quantidade de recursos que possuíam na propriedade para conviver e controlar as formigas cortadeiras, além de outras pragas e doenças. Segundo eles, passaram a utilizar melhor os recursos físicos – como processos mecânicos, calor, umidade – e os biológicos – como plantas atrativas, repelentes, venenosas, visgos, microorganismos e animais predadores.
Atualmente, ao retornar a várias comunidades, Jafa encontra as pessoas que participaram das oficinas afirmando que as formigas cortadeiras não oferecem mais problemas. Pelo contrário: são verdadeiras ajudantes no sistema de produção, pois identificam as plantas deficientes e apontam a hora de efetuar as podas. Ou seja, os agricultores incorporaram a compreensão de que as formigas nada mais são do que sinais de uma agricultura que degrada o ambiente.
João Antonio Firmato de Almeida
técnico em agropecuária e assessor de agroecologia doCentro de Extensão da Ceplac
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Revista V5N1 – Disseminando práticas de manejo ecológico de formigas cortadeiras no Sul da Bahia