Pablo Tittonell
A necessidade de aumentar a disponibilidade de água para a agricultura por meio da construção de barragens, canais ou sistemas de irrigação onerosos tem dominado a agenda de agências de desenvolvimento e doadores por mais de 40 anos. No deserto do
Sahel, por exemplo, a água sempre foi considerada um fator limitante crítico para a produção agrícola. No entanto, estudos aprofundados conduzidos a partir do final da década de 1990 já mostravam que o desempenho produtivo da maioria das culturas na região é limitado principalmente pela falta de nutrientes, e não pela escassez de água. Mas a construção de uma enorme barragem costuma gerar mais prestígio, visibilidade e, muitas vezes, compensa em termos políticos.
Isso não significa dizer que sistemas de irrigação não são necessários. A maioria de nossas civilizações e instituições, bem como sistemas políticos e de governança, surgiram em antigas áreas de irrigação. Mas não há água suficiente para que o consumo pelos sistemas de irrigação continue aumentando.
Que alternativas temos diante dessa realidade? A quantidade de água armazenada nos primeiros 60 centímetros de um hectare de solo saudável pode ser suficiente para encher uma piscina olímpica. Por que então não promover a saúde dos solos agrícolas para que eles aumentem suas capacidades de captar e o armazenar a água das chuvas, em vez de permanecer apostando exclusivamente na irrigação?
Retornando ao caso do Sahel, é importante assinalar que a vegetação local, que cresce em solos extremamente arenosos e recebe de 300 a 400 mm de chuva por ano, pode produzir até 20 toneladas de biomassa anualmente. Sob as mesmas condições, um campo de cultivo com milheto e feijão macassar produz, em média, apenas um décimo dessa biomassa. Além disso, um solo coberto por vegetação nativa é capaz de absorver 443 mm de água da chuva em uma hora; isso significa que pode literalmente engolir uma tempestade. Já o solo cultivado, absorve no máximo 30 mm por hora.
Esses dados revelam pelo menos duas questões de extrema relevância para a agricultura. Em primeiro lugar, demonstra que a natureza encontrou uma maneira de produzir grandes quantidades de biomassa em condições extremamente secas. Devemos aprender com isso, para valorizar essa possibilidade no planejamento de sistemas de cultivo, sobretudo em regiões semiáridas. A manutenção de árvores ou arbustos nas paisagens agrícolas pode contribuir para reduzir drasticamente a temperatura da superfície do solo – e, assim, a evaporação. Em segundo lugar, esses sistemas de cultivo que produzem apenas um décimo da biomassa produzida pela vegetação nativa, aportarão apenas um décimo do carbono que será incorporado ao solo na forma de matéria orgânica. Por essa razão, esses solos têm muito menor capacidade para absorver e armazenar a água das chuvas.
Portanto, excelentes resultados podem ser alcançados com a restauração da capacidade do solo para absorver e armazenar água. E, como acontece com muitas soluções agroecológicas, há também outros benefícios associados às melhores condições físicas do solo. Entre outras, destacam-se a elevada diversidade biológica, uma ciclagem de nutrientes mais eficiente, maior prevenção contra a erosão e, até mesmo, uma melhor utilização da água de irrigação, quando esta é disponível.
Pablo Tittonell
coordenador do Programa Nacional de Recursos Naturais e Meio Ambiente do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (Inta) da Argentina e professor do grupo de Ecologia de Sistemas Agrícolas na Universidade e no Centro de Pesquisa de Wageningen, na Holanda. Ele
também é membro do conselho da rede African Conservation Tillage e membro da Sociedade Científica Latino-Americana de Agroecologia (Socla).
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Revista V12N3 – Economia da água: aprendendo com a natureza