Emanoel Dias da Silva, Adriana Galvão Freire e Luciano Marçal da Silveira
O histórico processo de ocupação do agreste da paraíba foi marcado por níveis extremos de alteração da paisagem natural. O desmatamento, as queimadas e o uso da vegetação nativa para a geração de energia foram importantes vetores da desarborização dos estabelecimentos familiares da região.
A eliminação do componente arbóreo do ecossistema interrompe os ciclos biogeoquímicos responsáveis pela continua regeneração da fertilidade dos solos. Diante dessa situação, as famílias agricultoras foram levadas, no decorrer das gerações, a desenvolver inovações de manejo voltadas a repor a fertilidade dos solos exportada com as produções ou perdida em decorrência de processos erosivos (SILVEIRA et al., 2010).
Este artigo apresenta a estratégia de inovação adotada na região com vistas a restituir, ampliar e/ou conservar a fertilidade sem a necessidade da criação de vínculos de dependência com mercados de insumos. Essa estratégia está orientada a promover o fechamento de ciclos ecológicos nos agroecossistemas por meio de medidas voltadas à intensificação da produção, do processamento e da circulação de biomassa entre os seus subsistemas produtivos.
CONSTRUINDO UM AGRESTE FÉRTIL
Para incidir sobre os históricos processos de degradação da base de recursos naturais nos agroecossistemas, promovendo simultaneamente um melhor desempenho econômico dos estabelecimentos familiares, em 1993, a AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia inaugurou um programa de assessoria a organizações da agricultura familiar da região. A partir de 2000, as organizações identificadas com a proposta agroecológica se articularam e formaram o Polo da Borborema, uma rede de 14 sindicatos rurais e mais de 150 associações comunitárias. Visando ao fortalecimento da agricultura familiar no território da Borborema, o Polo coordena um amplo processo de experimentação agroecológica que se irradia nas comunidades e municípios na forma de redes de agricultores (as) experimentadores (as). Para organizar essas redes, o Polo e os sindicatos a ele vinculados criaram diversas Comissões Temáticas, em que agricultores (as) e lideranças se ocupam de produzir conhecimentos específicos sobre aspectos relevantes para o desenvolvi- mento rural. Por meio da realização de diagnósticos participativos sobre vários aspectos da agricultura familiar da região, da sistematização de experiências e do incentivo aos intercâmbios entre agricultores (as) experimentadores (as), essas comissões orientam as dinâmicas de inovação técnica e sócio-organizativa, assumindo também o papel de representação política frente a gestores públicos das três esferas federativas.
Atualmente, o Polo da Borborema está organizado em seis Comissões Temáticas: Água, Criação Animal, Saúde e Alimentação, Juventude, Cultivos Agroflorestais, Sementes e Manejo Ecológico dos Roçados. O manejo da fertilidade é, por excelência, um tema de abrangência sistêmica, pois envolve elementos ecológicos e sociotécnicos do conjunto do agroecossistema. Por essa razão, todas as comissões temáticas do Polo, cada qual ao seu modo, incidem sobre a problemática.
OS MEDIADORES DA FERTILIDADE SISTÊMICA
Frente ao problema da degradação dos solos e seus efeitos sobre a economia dos agroecossistemas, o Polo e a AS-PTA conceberam uma estratégia técnica que combina diferentes práticas inovadoras. Essa estratégia parte da compreensão das práticas de manejo tradicionais, buscando aprimorá-las paulatinamente em consonância com os objetivos econômicos e com as limitações de acesso a recursos das famílias agricultoras.
Tradicionalmente, a principal medida adotada na região para a regeneração da fertilidade dos solos era o pousio das áreas de cultivo. No entanto, com a progressiva redução do tamanho das propriedades e com a intensificação do uso do solo, esse método foi pouco a pouco se tornando inviável. Partindo da compreensão sobre os princípios ecológicos subjacentes à lógica do pousio, um conjunto diverso de práticas vem sendo experimentado e desenvolvido.
Essas inovações individuais concorrem para fortalecer a infraestrutura ecológica dos agroecossistemas, podendo ser combinadas entre si de diferentes formas. Podem ser agrupadas em duas frentes estratégicas:
a) O manejo da biodiversidade visando ao aumento da produção global da biomassa, bem como à promoção e regulação de serviços ambientais que interatuem positivamente com as dinâmicas de produção econômica e de reprodução ecológica dos agroecossistemas. Essa estratégia é efetivada por meio de três linhas de ação principais: a rearborização das propriedades familiares; a intensificação do plantio de espécies com potencial forrageiro; e a intensificação produtiva de espaços com alto potencial de produtividade biológica no agroecossistema.
b) A implantação e/ou o aprimoramento de infraestruturas responsáveis pela captação, armazenamento, processamento e transporte de recursos produtivos dos agroecossistemas. Pela função sistêmica que exercem, denominamos essas infraestruturas de mediadores de fertilidade. Dentre elas, podemos citar as infraestruturas hídricas (cisternas, barreiros, tanques de pedra etc.), os equipamentos para pequena irrigação, as esterqueiras, os silos, etc.
A implantação prática dessas duas frentes estratégicas é apresentada a seguir a partir da descrição de iniciativas promovidas pelas Comissões Temáticas do Polo da Borborema.
REARBORIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES FAMILIARES
A reconstituição dos estratos arbóreo e arbustivo tem por objetivo ampliar a produção global de biomassa vegetal nos agroecossistemas. Por meio da reintrodução de árvores e arbustos na paisagem um maior número de nichos ecológicos do ecossistema é ocupado, ampliando, pela fotossíntese, a apropriação e a conversão de recursos abióticos localmente disponíveis (água, nutrientes e radiação) em biomassa vegetal.
Cada árvore plantada ou preservada nas propriedades cumpre múltiplas funções. Além de contribuir diretamente para a produção econômica, ao gerar bens que podem ser consumidos ou vendidos pelas famílias ou que podem ser valorizados como insumos no próprio agroecossistema, as árvores prestam importantes serviços de regulação de processos ecológicos na escala local, pois oferecem sombra, regulam ciclos hidrológicos, reciclam nutrientes e energia, oferecem abrigo para inimigos naturais de insetos-praga etc. O plantio e a conservação das árvores são realizados em diferentes espaços para cumprir funções técnicas e/ou produtivas, tais como cercas vivas, adubação verde em roçados, produção de frutas em quintais e produção de estacas em bosques implantados em parcelas das propriedades com baixa aptidão agrícola.
Para assegurar o atendimento a uma de- manda crescente por mudas para a rearborização das propriedades, a Comissão de Cultivos Agroflorestais do Polo constituiu a Rede de Viveiros da Borborema. Atualmente, a rede conta com sete viveiros comunitários que estão implantados nos municípios de Esperança, Alagoa Nova, Massaranduba, Remígio e Solânea. Nos últimos cinco anos, foram produzidas e distribuídas mais de 320 mil mudas de mais de 60 espécies frutíferas, florestais, forrageiras e medicinais. Essas mudas foram utilizadas para o plantio de mais de 150 bosques agroflorestais (numa área de 22,5 hectares), para diversificar mais de 260 quintais domésticos, para a constituição de 26 km de cercas vivas, assim como para o plantio em diversos espaços das propriedades.
FORMAÇÃO DE ESTOQUES DE FORRAGENS
A estocagem de recursos é uma estratégia tradicional das famílias do semiárido para transpor os períodos de estiagem. As palhas de milho e feijão, por exemplo, costumam ser armazenadas em casa ou em depósitos para alimentar os animais no curral durante os períodos secos do ano.
Mais recentemente, para ampliar os estoques e estabilizar a oferta de alimentos para os animais, as famílias passaram a intensificar o plantio de espécies forrageiras e a adotar diferentes técnicas de ensilagem e fenação. A ampliação dos estoques em silos e fenos, assim como a constituição de estoques vivos (campos de palma consorciados, plantio de cardeiro nas cercas vivas), permite não só estabilizar a oferta de alimentos para o rebanho nos períodos de estiagem, mas também diminuir a pressão do pastejo sobre a vegetação nativa remanescente, devido ao maior tempo de estabulação do rebanho, além de ampliar o volume de esterco acumulado no curral, um recurso de alta qualidade para a fertilização dos solos.
A confecção dos silos forrageiros é uma técnica altamente de- pendente de trabalho exatamente em um período do ano de grande demanda de mão de obra, ou seja, o final dos períodos chuvosos, quando as lavouras estão sendo colhidas e comercia- lizadas. Para dar conta dessa demanda extra de trabalho, grupos de vizinhança comunitária organizam-se por meio de variados mecanismos de ajuda mútua baseada na tradicional prática do mutirão. Além disso, empregam máquinas forrageiras de uso coletivo e financiam lonas plásticas com recursos de fundos rotativos solidários. Os grupos também contam com um conjunto de máquinas motoensiladeiras itinerantes que vêm agilizando a confecção dos silos forrageiros. Nos últimos quatro anos, foram confeccionados 685 silos com capacidade de estocagem de aproximadamente 7,5 mil toneladas de forragem, atendendo a demanda de 500 famílias agricultoras. Para coordenar as ações nesse campo, a Comissão de Criação Animal do Polo da Borborema elabora planos anuais de apoio e estímulo às estratégias de armazenamento de alimento para os animais.
Além das práticas de estocagem de biomassa colhida, 190 famílias aumentaram os estoques vivos por meio do plantio de campos de palma consorciados com espécies arbóreas e forrageiras e com variedades de palma resistente à cochonilha do carmim.
A ampliação dos estoques forrageiros por meio dessas estratégias técnicas e dos mecanismos de ajuda mútua tem estimulado as famílias a intensificarem o plantio de espécies forrageiras, gerando um círculo virtuoso entre a recuperação ambiental e a produção econômica dos agroecossistemas.
MANEJO DA BIOMASSA PARA A RECOMPOSIÇÃO DA FERTILIDADE DOS SOLOS
A integração entre agricultura e pecuária, com a transferência de biomassa entre os subsistemas de produção, constitui uma das principais estratégias de manejo da fertilidade do solo. No entanto, o esterco acumulado nos currais não costuma ser bem armazenado e processado, o que compromete tanto a qualidade quanto a quantidade do material utilizado na fertilização dos solos. Nos últimos quatro anos, estimulou-se a experimentação de um modelo de esterqueira desenvolvido a partir da observação e do aprimoramento das práticas tradicionais das famílias agricultoras da região. A estrutura que vem sendo apropriada pelas famílias é composta por telas de nylon e barrotes de madeira, com capacidade de armazenamento de 4,2 m de esterco.
Em 2013, foi realizada uma pesquisa participativa na região com o objetivo de avaliar comparativamente a qualidade do esterco compostado nessa esterqueira e do esterco colhido diretamente do curral. Também foi testada a adubação com uso de folhas e ramos da gliricídia em outro tratamento. Observou-se que o esterco tratado na esterqueira dobrou a produção de massa seca e grãos, melhorando o crescimento e o desenvolvimento do milho. Esses resultados positivos são ainda mais expressivos quando o composto foi associado às folhas de gliricídia (SILVA, 2014).
Desde 2011, foram implantadas cerca de 170 esterqueiras, permitindo a integração de práticas de manejo da fertilidade por meio do armazenamento e da compostagem de um total de 705,4 m de esterco e restos vegetais. Esse esterco produzido foi utilizado sobretudo na produção de batata, atividade recentemente revitalizada na região a partir de estratégias de manejo agroecológico.
Para incrementar a adubação dos roçados de batata, os (as) agricultores (as) experimentaram o uso do pó de rocha (MB4). Em 2012, essa iniciativa foi avaliada em duas comunidades. Tendo observado resultados positivos, já em 2014 os experimentadores utilizaram 30 toneladas de MB4 nos roçados de batata agroecológica. Nesse mesmo ano, 120 famílias agricultoras produziram o volume de 212 toneladas de batata para atender a crescente demanda nos mercados locais. Vale destacar que a batata foi produzida em sistema de policultivo, e não em monoculturas, como no passado, gerando benefícios à fertilidade dos solos e à sanidade dos cultivos.
Práticas visando melhorar a nutrição e a proteção das plantas cultivadas também vêm sendo incentivadas por meio da fabricação e do uso de biofertilizantes e caldas bioprotetoras. Atualmente, 32 biofábricas estão estruturadas na região, produzindo de 4,6 mil litros de biofertilizantes por ano.
USO ECOEFICIENTE DE ENERGIA
A instalação de biodigestores ecológicos e fogões ecoficientes foi fomentada como estratégia para a redução do consumo dos recursos energéticos da caatinga, como lenha e carvão vegetal. Com os fogões ecológicos, por exemplo, observou-se a redução de 50% no consumo de lenha, repercutindo diretamente na diminuição da pressão exercida sobre os remanescentes de caatinga. Essas inovações também permitem reduzir o uso do gás liquefeito de petróleo (GLP).
Além dos benefícios ambientais, essas iniciativas geraram efeitos positivos na saúde das mulheres, que deixaram de ser expostas à fumaça e à fuligem dos fogões à lenha convencionais, diminuíram o esforço físico e o tempo dedicado ao corte e ao transporte de lenha.
Nos últimos quatro anos, foram implantados 180 fogões ecoeficientes, sendo que mais da metade dessas unidades foi construída com recursos oriundos de Fundos Rotativos Solidários organizados nas comunidades. Treze biodigestores ecológicos foram implantados nesse mesmo período.
CONSTITUIÇÃO E/OU APRIMORAMENTO DE ESPAÇOS DE ALTA PRODUTIVIDADE BIOLÓGICA
Como resultado direto da ação do Polo e da AS-PTA, constituiu-se no último decênio uma densa rede de infraestruturas de captação, armazenamento e distribuição de água destinadas ao consumo humano (cisternas de placas) e à produção (cisternas-calçadão, cisternas-enxurrada, barreiro trincheira, etc.). A construção dessas milhares de infraestruturas resultam da parceria estabelecida entre o Governo Federal e a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) na execução dos Programas Um Milhão de Cisternas e Uma Terra e Duas Águas.
Frente às flutuações climáticas sazonais, o aumento da disponibilidade e da regularidade da oferta de água proporcionou a intensificação e uma maior estabilidade produtiva dos quintais, espaços tradicionalmente estratégicos para onde se canaliza parte relevante da biomassa produzida na propriedade. Com as inovações, os quintais se tornaram nichos ambientais privilegiados nos quais se assegura a manutenção de alta produtividade biológica oriunda da combinação do cultivo e da criação de várias espécies: plantas alimentícias, condimentares, medicinais e ornamentais, fruteiras, e animais de terreiro (aves, porcos, cabras e ovelhas).
Além de gerar benefícios expressivos à saúde da família, o acesso à água de boa qualidade nos quintais liberou as mulheres e/ou as (os) filhas (os) do árduo trabalho de abastecer a casa, permitindo que as famílias pudessem reorganizar o trabalho no tempo e no espaço. Essa nova realidade contribuiu, sobretudo, para que as mulheres pudessem reorientar seu trabalho e suas capacidades intelectuais para a gestão do conjunto dos agroecossistemas. O melhor entendimento do papel produtivo e econômico do quintal gerou um ambiente favorável para que agricultoras e agricultores revissem não só as funções desempenhadas por cada um, mas também o papel dessas funções no desempenho econômico do agroecossistema. Com isso, as relações de poder tradicionalmente desiguais entre homens e mulheres no interior da família começaram a ser questionadas e enfrentadas.
A ARTICULAÇÃO SISTÊMICA DAS INOVAÇÕES
Embora até aqui as inovações tenham sido apresentadas isoladamente, procuramos demonstrar como cada uma delas promove efeitos sistêmicos no conjunto da organização do trabalho nos agroecossistemas. Mas também é importante frisar que o efeito combinado dessas inovações, quando implantadas de forma combinada nos estabelecimentos familiares e comunidades rurais, provoca profundas alterações na infraestrutura ecológica responsável pelos processos de regeneração da fertilidade sistêmica.
Para ilustrar o caráter sistêmico das inovações, apresentamos o caso da família de Carlinhos e Josélia, moradores do Sítio Furnas, no município de Areial (PB). Os cinco hectares onde o casal mora e trabalha juntamente com um filho foram recebi- dos como herança, no ano de 1973.
Quando assumiram a propriedade, o solo estava em acelera- do processo de degradação. O município de Areial é conhecido por possuir solos rasos e arenosos e ter uma área rural densamente ocupada por unidades familiares. Quando o casal chegou, encontrou apenas um campo de agave e alguns pés de sabiá, pau d’arco e aveloz. A retirada da cobertura arbórea acelerou o enfraquecimento da terra, resultando na queda paulatina da produção. Por essa razão, a família tornou-se de- pendente da compra regular de esterco bovino para manter uma produção mínima.
Diante dessa condição, no início da vida de casados, Carlinhos e Josélia foram levados a trabalhar em regime de meia em terras de vizinhos. Além da metade dos resultados dos cultivos de feijão, milho, batata doce e macaxeira, deixavam para o proprietário os restos de cultura e toda a biomassa remanescente das lavouras. Também criavam animais em regime de meia, recebendo os animais jovens e magros e vendendo-os no ponto de abate, sendo que a metade da renda obtida era repassada para o dono dos animais.
Por meio de seu trabalho, a família conseguiu pouco a pouco acumular recursos para adquirir seus próprios animais. Essa foi uma condição necessária para que pudessem dedicar mais tempo à gestão de sua propriedade. Os animais próprios constituem uma poupança estratégica para enfrentar momentos adversos.
Nos períodos mais agudos de estiagem, por exemplo, quando a dificuldade para manter o rebanho era grande, vendiam parte da criação para comprar alimentos para o restante dos animais. Também enfrentavam dificuldades de estocar água para o consumo da família e do rebanho. Como os reservatórios eram insuficientes para atravessar os períodos de seca, em alguns momentos precisavam percorrer longas distâncias para buscar água.
Para facilitar o acesso ao esterco, a comunidade organizou em 2006 um fundo rotativo específico. No primeiro ano, cada sócio recebeu um carro de esterco, mas o grupo almejava aumentar o volume de estrume a cada período chuvoso. Com dinheiro em caixa, a comunidade adquiriu capacidade de barganha para negociar melhores condições de acesso a esse importante insumo para a produção nessa região. O sistema de fundo rotativo solidário, que iniciou com sete sócios, hoje reúne mais de vinte famílias.
Em 2008, Carlinhos e Josélia participaram da primeira atividade de formação promovida pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais do município. Nessa oportunidade, conheceram uma nova prática de armazenamento de forragem, um aprendizado que marcou a vida do casal. Desde então, estocam forragens todos os anos para oferecer aos animais no período de estiagem. Em anos climáticos bons, armazenam até dez toneladas, volume que assegura a alimentação de dez animais por sete meses. A cada ano, aprendem um pouco mais com as visitas e com as observações de suas próprias experiências. Hoje, em vez de armazenarem toda a forragem em um único silo, confeccionam vários silos menores. Com isso, conseguem maior eficiência na produção, melhoram a qualidade do material estocado e têm mais flexibilidade para abrirem os silos nos momentos que acharem mais convenientes.
No decorrer dos últimos anos, investiram na recomposição da cobertura arbórea e diversificaram o estoque vivo de forragens. Por meio dessas práticas, já plantaram mais de 500 árvores nos perímetros da propriedade, além de pelo menos mil mudas de gliricídia consorciadas com palma forrageira.
Carlinhos e Josélia têm clara consciência da importância da aplicação de esterco bovino para a produção de grãos e palhas. Em 2011, após outra visita de intercâmbio, conheceram o manejo do esterco com o uso de esterqueiras, que, além de melhorarem a qualidade do material, permitem que ele seja armazenado gradativamente. Atualmente, a família possui quatro unidades instaladas próximas ao cercado dos animais e a cada ano vem aumentando e aprimorando a produção de composto.
Com o passar do tempo e a introdução de diversas inovações, houve uma melhora simultânea na nutrição da família, do rebanho e do solo. A ampliação do volume global de alimentos para a família e de forragens para os animais permitiu a adoção de outras estratégias. Como Josélia sempre gostou de criar animais, investiu na aquisição de tela a fim de organizar o espaço do arredor de casa. Dessa forma, ampliou a criação de galinhas e estruturou um chiqueiro para a criação de porcos. Atualmente, os porcos e galinhas geram importantes rendas para a família. O esterco dos porcos e das galinhas são transferidos para os campos de palma, enquanto o esterco do gado é integralmente orientado para a compostagem nas esterqueiras.
O investimento na ampliação dos estoques de água foi outra linha de ação adotada no decorrer dos últimos anos. Atualmente, a família dispõe de dois barreiros próprios e um terceiro que compartilha com um vizinho. Possui ainda uma cisterna para armazenar água para o consumo doméstico, uma cisterna-calçadão e uma cisterna de 52 mil litros para abastecer o criatório de porcos.
Novos investimentos na propriedade vão sendo realizados no sentido de aprimorar o manejo da fertilidade. Dentre eles, destaca-se a compra de arame para piquetear um terreno que será utilizado em sistema de rotação de pastejo e pousio.
LIÇÕES E ENSINAMENTOS
A trajetória de inovação de Carlinhos e Josélia encerra muitas lições e ensinamentos. Ao incorporarem uma gama de inovações de manejo em seu sistema, observa-se como resposta a intensificação dos espaços de produção e o aumento dos fluxos de transferência de biomassa na propriedade e, com isso, o ganho em eficiência nas seguintes dimensões: 1- ecológica: por meio da estruturação de uma densa rede de produção-processamento-transferência-consumo de biomassa; 2- energética: ao intensificar os processos de transformação de energia da biomassa em energia para o acionamento da infraestrutura ecológica; 3- nutricional, quando acelera a reciclagem entre os componentes do agroecossistema diminui a perda de nutrientes por erosão; e 4- econômico, na medida em que a produção é diversificada e os volumes produzi- dos são ampliados, assegurando a autonomia em relação aos mercados de insumos.
Entretanto, vale assinalar que o elemento central no desdobramento das iniciativas de inovação da família foi o acesso ao conhecimento. A partir da revalorização de saberes tradicionais e das trocas de conhecimentos proporcionadas pelos inúmeros ambientes de aprendizagem com os quais interagiu, a família estruturou a propriedade passo a passo, assegurando que a contínua regeneração da fertilidade e a ampliação da renda e da segurança alimentar e nutricional despontem como resultados combinados. Apesar da pequena dimensão de sua terra, Carlinhos e Josélia não precisaram mais trabalhar em terra de terceiros para viverem da agricultura com dignidade.
Emanoel Dias Da Silva
Assessor técnico da AS-PTA
Mestre em Ciência do Solo (PPGSC/UFPB)
[email protected]
Adriana Galvão Freire
Assessora técnica da AS-PTA
[email protected]
Luciano Marçal Da Silveira
Assessor técnico da AS-PTA
[email protected]
Referências Bibliográficas
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Baixe o artigo completo:
Revista V12N1 – Gestão da fertilidade em agroecossistemas no agreste da Paraíba