Maria de Assunção Lima de Paulo
Este artigo trata de jovens rurais, filhos de agricultores camponeses que vivem no pequeno município de Orobó, localizado na mesorregião do Agreste Setentrional de Pernambuco. Orobó possui uma população de 22.878 habitantes, sendo que na área rural vivem 14.645 pessoas (IBGE, 2010). Sendo considerado um município rural, e é povoado predominantemente por famílias camponesas.
Da mesma forma que em suas famílias, os jovens serão aqui referidos como rapazes e moças. Os mesmos vivenciam uma relação social particular que se desenvolve no âmbito da unidade familiar, chefiada pelo pai. Como elemento moral, cada membro da família possui a responsabilidade pela manutenção da propriedade da terra (WOORTMANN, 1990) e pela reprodução social de valores culturais. Dessa forma, a família camponesa constitui-se como uma comunidade de interesses, afetos e conflitos (WANDERLEY, 1999). Por assumirem obrigações morais com o conjunto da família, os jovens foram invisibilizados durante muito tempo. Dessa forma, seus anseios, necessidades e desejos específicos deixam de ser identificados para que a coletividade familiar seja priorizada. Foi com a preocupação de diminuir essa invisibilidade e compreender as condições atuais e projetos futuros dos jovens rurais que a pesquisa que deu origem a este artigo foi realizada.
A CENTRALIDADE DO TRABALHO
Tomando por referência a relação indissociável entre família, terra e trabalho, este último foi apontado pelos jovens entrevistados na pesquisa como uma prática social que os distingue dos jovens urbanos, denominados por eles de jovens da rua. Segundo suas percepções, eles trabalham ajudando os pais em tarefas que são quase sempre pesadas. Essa vivência da situação juvenil é percebida por eles de duas formas: por um lado, como sofrimento, sinônimo de vida dura; por outro, como coragem.
Desde muito cedo o trabalho faz parte da socialização das crianças e adolescentes filhos de agricultores familiares, principalmente os de tradição camponesa. Essas atividades no sítio não são vistas pelos pais como exploração, mas como exercícios de aprendizagem. Também os jovens valorizam os conhecimentos adquiridos com a prática, embora muitas vezes ela seja considerada pesada e penosa. Dessa forma o trabalho na agricultura é percebido pelos jovens não tanto como uma profissão, mas como forma de enfrentamento das adversidades da vida para que seja no futuro uma pessoa decente, honesta e trabalhadora. Nesse sentido, o trabalho tem um significado ético (WOORTMANN, 1990).
Porém, é importante considerar que, no próprio interior das comunidades camponesas e mesmo entre os jovens, existem diferenças nessas percepções que são influenciadas por gênero, idade, experiências, grau de escolaridade e lugar de moradia. São essas vivências cotidianas que permitem a identificação da marcada heterogeneidade entre os jovens rurais.
Do município, foram estudadas cinco comunidades com características diferentes. Todos os rapazes entrevistados trabalham ajudando os pais na agricultura, no trato dos animais ou no comércio de mudas de frutas ou qual- quer outro produto, dividindo seu cotidiano entre o trabalho, os estudos e pequenos momentos de lazer. Muitas das moças também participam da labuta na agricultura, mas todas assumem tarefas domésticas, muitas vezes se responsabilizando totalmente por elas. Assim, para os rapazes e moças, o sítio constitui-se tanto como propriedade quanto como comunidade familiar que integra o trabalho, o lazer e os rituais.
ALTERNATIVAS DE TRABALHO E RENDA
Alguns jovens migram e outros procuram trabalho localmente, em geral em alguma outra propriedade maior. Em quase todas as famílias entrevistadas havia um jovem, quase sempre rapaz, que havia migrado para grandes centros como recife ou mesmo para a região Sudeste, especialmente rio de Janeiro e São Paulo.
Como o problema do desemprego atinge mais incisivamente os pequenos municípios e, em maior proporção, as populações que vivem mais distantes das cidades, o local onde se vive termina sendo um dos principais fatores que determinam o campo de possibilidades para o trabalho fora das unidades familiares (CARNEIRO, 1998, p.10) à disposição dos jovens. De fato, essa é a principal dificuldade mencionada por eles, sobretudo aqueles que vivem nos sítios rurais.
Como informou J.M.L do Sítio Manibu (17 anos, sexo feminino), O problema do sítio é a falta de emprego. O trabalho diário que tem é na enxada. Para ganhar quarenta ou cinquenta reais por semana tem que trabalhar mesmo, no sol quente, de chuva ou de sol, tem que enfrentar tudo. Assim, o peso do trabalho, a sua desvalorização social e o baixo valor da remuneração levam os jovens a construírem a visão de que a agricultura não é alternativa de vida, mas fatalidade. Assim como outras pesquisas realizadas no município já haviam identificado, essas razões justificam a preferência dos jovens rurais por outras profissões que não a de agricultor (PAULO e WANDERLEY, 2006; WANDERLEY, 2006).
A limitada perspectiva de futuro na agricultura foi mencionada com muita frequência pelos jovens entrevistados. Segundo G. m. (sexo masculino, Sítio de Caraúbas):
“Não tem futuro (…) se for preciso fazer a gente faz, mas eu não gosto não; é obrigação, né? Acordar todo dia de manhã, cinco da manhã e quando ia trabalhar na roça era quatro e meia da manhã. A gente apanha capim bem aqui mesmo, mas só que tá molhado, é ruim demais. No verão tem que ir buscar longe, é muito ruim.”
Em geral, os agricultores camponeses de Orobó possuem propriedades que variam entre um e cinco hectares e adotam a estratégia definida por Wanderley (2006) como precária combinação de culturas e criações, valendo-se pouco do beneficiamento de produtos agrícolas como fonte de renda complementar. Exceto entre os filhos de produtores de mu- das, os jovens pesquisados não fizeram referência a qualquer atividade de beneficiamento de produtos que viesse complementar a renda familiar.
A combinação da agricultura com outras atividades, como pequenas mercearias e bares instalados nas propriedades rurais ou como agente de saúde, motorista de toyota, professora, merendeira, sacoleira são essenciais para a continuidade da vida no meio rural.
O RURAL COMO LUGAR DE VIDA
Como lugar de vida, o Sítio ou o município é sempre visto positiva- mente pelos jovens por suas belezas, tranquilidade e a boa relação com os vizinhos. De forma geral, o ideal manifestado pelos jovens é o de continuar morando no município de Orobó, sempre identificado como melhor, mais alegre e o mais desenvolvido da região.
Outra questão importante, no que se refere à decisão do jovem quanto a seu futuro, é a sucessão da propriedade familiar. Herdar a terra e viver apenas dela não se apresenta para eles como um projeto de vida.
Ficou claro então que os jovens rurais, rapazes e moças, vivem um dilema no que se refere ao trabalho na agricultura. Esse dilema relaciona-se à visão que a sociedade possui em relação a esse trabalho. Apesar do orgulho que sentem por serem filhos de agricultores e de reproduzirem valores como honestidade e coragem, carregam a vergonha de se assumir como agricultor devido à visão estereotipada que opõe o rural, como o lugar do atraso, ao urbano, como o lugar da modernidade e do desenvolvimento.
Assim, impulsionados pelos sonhos, mas coagidos pela realidade em que vivem, os rapazes e moças dos Sítios tecem os fios da sua vida cotidiana para planejar seu futuro.
Maria De Assunção Lima De Paulo
Universidade Federal rural de Pernambuco
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Referências Bibliográficas:
CARNEIRO, maria José. O Ideal rurbano: a relação campo-cidade no imaginário dos jovens rurais. XXII Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 1998.
PAULO, maria de Assunção Lima de; WANDERLEY, maria nazareth Baudel. Jovens rurais de Orobó: A realidade do presente e os sonhos para o futuro. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide. Agricultura Familiar e Gênero: práticas, movimentos e política pública. Ed. Universitária da UFPE. Recife, 2006.
WANDERLEY, Maria De Nazareth Baudel. Juventude rural: vida no campo e projetos para o futuro. 2006. (relatório de pesquisa).
______. Raízes históricas do campesinato brasileiro. In: TEDESCO, João Carlos. (org.) Agricultura familiar: realidades e perspectivas. EDIUPF: Passo Fundo, 1999. 23-56.
WOORTMANN, K. Com Parente Não Se Negocia. O campesinato como ordem moral. Editora Universidade de Brasília/tempo Brasileiro: Brasília-DF/rio de Janeiro,1990.
Baixe o artigo completo:
Revista V8N1 – Jovens de famílias camponesas: suas realidades e seus sonhos