“A combinação de paisagens degradadas e mudanças climáticas vem causando profundos impactos em áreas rurais. Nos Andes peruanos, uma proposta de captação de água está obtendo resultados positivos – especialmente quando a construção de microbarragens e canais é realizada por meio de um enfoque voltado a fortalecer organizações locais a partir do envolvimento de agricultores e agricultoras”.
Fernando Camiloaga Jiménez
DESCO é uma ONG peruana que atua em diferentes partes do país há quase 50 anos. Desde 1985 tem apoiado agricultores e famílias criadoras de alpaca da região sul andina, uma das partes do país onde os níveis de pobreza são os mais altos. Agricultores dessa área dependem da comercialização da carne e da lã da alpaca. Por mais de 10 anos, a organização atuou no sentido de buscar novas oportunidades de mercado e em estratégias para aumentar a agregação de valor desses produtos. Mas a severa degradação dos solos resultante do desaparecimento da cobertura vegetal nativa em virtude do crescimento populacional e do aumento da pressão animal, fez com que, a partir de 1996, o DESCO passasse a apoiar projetos de captação de água e conservação dos solos.
O objetivo de incrementar os volumes de água captados vem da necessidade de impedir ou pelo menos reduzir a de- gradação dos habitats onde vivem as alpacas. Além das perdas acentuadas da fertilidade do solo nas montanhas, os efeitos das mudanças climáticas são notáveis nessa região: os glaciares que abasteciam todos os rios e a neve nos cumes estão ficando visivelmente menores – o que significa cada vez me- nos água chegando aos vales. Uma estratégia para lidar com essa situação é armazenar parte da água precipitada durante a época das chuvas para usá-la durante os meses secos. Um total de 137 microbarragens foi construído nos últimos 15 anos, cada uma com capacidade de armazenamento médio de 65.000 m de água. Tendo começado pela província de Caylloma, os efeitos positivos desse projeto estão hoje presentes em mais de 100 localidades de elevadas altitudes nas regiões de Arequipa, Puno e Ayacucho.
MAIS DO QUE INFRAESTRUTURA
O primeiro passo para a implantação das microbarragens é a identificação do melhor lugar para construí-las, em geral em uma depressão natural ou em um pequeno lago onde se pode acumular grandes volumes de água. Encontrar os materiais necessários para a construção (areia, pedras e cimento) nem sempre é uma tarefa fácil a 4.000 metros acima do nível do mar. Porém, as condições necessárias para a estratégia de captar e valorizar a água das chuvas não se limita à construção de microbarragens e canais. O trabalho volta-se também para apoiar o desenvolvimento de habilidades e competências para a gestão comunitária dos recursos hídricos. Isso implica a necessidade de assegurar a participação ativa de agricultores/as visando o aprimoramento do senso responsabilidade sobre os bens comuns.
Uma vez que o local é escolhido, o processo começa com um acordo que especifica claramente papéis responsabilidades dos membros das comunidades e da Desco. A princípio, todos os custos são divididos igualmente entre DESCO e a organização local. Mas os resultados positivos desses processos têm motivado governos municipais e regional a arcar com até 50% dos custos com as infraestruturas. Enquanto Desco é responsável por todo o trabalho de construção, as comunidades contribuem com materiais locais e trabalho, sendo que todos os moradores concordam em se juntar à organização local. Isso é importante para assegurar uma distribuição justa e equânime dos recursos hídricos durante todo o ano e a sustentabilidade do sistema de coleta, armazenamento e distribuição da água. Durante os últimos 15 anos, temos visto que a simplicidade do processo assegura sua replicabilidade. Também percebemos que, gradualmente, mais e mais moradores estão se tornando engenheiros locais, contribuindo com sua recém-adquirida habilidade para que outros moradores possam iniciar um processo similar.
No entanto, o sucesso do programa não depende apenas da construção das microbarragens e canais e das capacidades de gestão adquiridas. Em cada um dos 137 casos, as organizações locais têm um papel fundamental, pois são fortalecidas com a criação de um comitê de irrigação, com papéis e responsabilidades definidos de acordo com a legislação nacional, significando que serão sancionadas e reconhecidas oficialmente pelas autoridades. Enquanto que as regulações internas têm ajudado a minimizar o número de conflitos entre usuários da água dentro de uma mesma comunidade, o reconhecimento oficial ajuda a todos em sua luta contra terceiros na demanda por água – mais especificamente companhias de mineração. Infelizmente, esse problema está se tornando cada vez mais frequente na região andina dada a sua riqueza em minérios.
ÁGUA E MUDANÇAS
O impacto do trabalho não se limita à disponibilidade de água para irrigação e para uso doméstico. Mu- danças acentuadas têm sido vistas também nos pastos irrigados. Uma análise detalhada foi feita em diferentes vilarejos (incluindo Quenco, Cala Cala, Cauca, Hanansaya e Toccra) onde, 46 meses após instalados os sistemas de armazenamento de água, a densidade das plantas ficou 120% maior e o resultado em termos de biomassa forrageira produzida foi quase 200% maior. A biodiversidade local, o número de espécies de plantas e de aves também aumentou. Melhores pastos significam maior capacidade de suporte, o que permitiu o aumento dos rebanhos em até duas vezes, além de eles se apresentarem mais saudáveis. Moradores mencionam que o peso dos animais ao nascer e suas taxas de sobrevivência são maiores. Todos esses fatores conjugados representam ao final melhores níveis de renda para as famílias.
Desenvolvimentos positivos também têm ocorrem sobre as organizações locais, especialmente no que se refere aos níveis de comprometimento e participação de seus associados. Em alguns casos, a criação de comitês de irrigação levou a um melhor gerencia- mento dos recursos e menos conflitos como, por exemplo, sobre o uso das terras comuns. Organizações locais também têm se beneficiado com o interesse demonstrado pelas autoridades (governos municipal e regional) e outras instituições (p. ex., ONGs locais). O sucesso do enfoque adotado pelo programa, por meio do qual a construção das infraestruturas de captação de água se processa juntamente com o fortalecimento dos espaços organizativos nas comunidades, está justamente na articulação sinérgica entre os objetivos de obtenção de melhores produtividades e renda com de lutar luta contra a desertificação e a degradação da terra.
Fernando Camiloaga Jiménez
Coordenador de projeto da Desco, Centro de Estudios y Promoción del Desarrollo
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Revista V9N3 – Microbarragens e alpacas