Georges Félix
Em regiões semiáridas da África Ocidental, os períodos de pousio estão ficando mais curtos. À medida que a terra se torna mais escassa, os agricultores não estão sendo capazes de dar a seus solos tempo suficiente para descansar. Esse quadro está causando o esgotamento da matéria orgânica do solo, ameaçando seriamente a sua fertilidade e prejudicando a sua estrutura. Nos casos mais graves, as culturas praticamente não rendem mais nada. Em Burkina Faso, alguns agricultores familiares encontraram formas de recuperar seus solos que foram apelidadas de corte e cobertura. O aprimoramento e a disseminação dessas técnicas também apontam para a importância das parcerias entre agricultores e pesquisadores no desenvolvimento de práticas localmente adaptadas.
Idrissa Ouédraogo vive em Yilou, uma aldeia no Planalto Central de Burkina Faso, com sua esposa Fatimata Sawadogo e seus filhos Nafissatou e Felicite. Cultivam principalmente sorgo e feijão-caupi, mas também criam galinhas, ovelhas e cabras em um terreno que Idrissa ganhou há alguns anos como presente de um parente idoso. O solo tinha uma crosta dura na superfície e estava completamente degradado (conhecido localmente como zippélé). Nada iria germinar nele, nem mesmo gramíneas. Mas Idrissa sabia que tinha que restaurar a vegetação nativa se quisesse cultivar alimentos. E sabia de que tipo de arbusto iria precisar: baagandé, ou pata-de-camelo (Piliostigma reticulatum).
Idrissa primeiro construiu diques de pedra ao longo dos contornos de seu terreno para reduzir o escoamento das águas pluviais. Essa iniciativa foi apoiada por Patecore, um projeto que financiou a instalação de práticas de conservação do solo pelos agricultores em toda a região. Galhos do arbusto pata-de-camelo, incluindo folhas e vagens, foram cortados do matagal circundante e colocados sobre as áreas zippélé como cobertura morta (mulch). Depois de algumas semanas, ele notou que algumas das vagens brotaram e que patas-de-camelo estavam crescendo no campo de cultivo. Meses depois, durante a estação seca, Idrissa permitiu que o gado se alimentasse no terreno cultivado. Os animais comeram os frutos do arbusto, deixando seu estrume precioso sobre o campo. Quando as chuvas começaram, as sementes, parcialmente digeridas pelos animais, brotaram a partir do esterco que estava sobre o terreno, iniciando um processo de reflorestamento da terra degradada. Seu trabalho durante os primeiros anos dessa experiência se resumiu a observar o que iria acontecer e como a terra iria reagir.
O uso que Idrissa fez do arbusto pata- de-camelo, um dos mais abundantes na paisagem, certamente teve grande valor. O arbusto não só ajuda a recuperar o solo, mas também tem vários outros usos, sendo, portanto, uma valiosa planta multipropósito. A casca do tronco é usada para fazer cordas, as folhas embalam alimentos, as vagens servem como uma rica forragem para os animais, enquanto os galhos viram lenha para cozinhar. As famílias agricultoras locais sabem de tudo isso, mas a função adicional de usar galhos como uma cobertura para restaurar áreas degradadas pode encorajar as famílias a plantar mais arbustos nativos dentro e no entorno de seus campos.
CAPTANDO E RETENDO A ÁGUA DA CHUVA
A produção de alimentos tanto em Yilou, na região semiárida de Burkina Faso, quanto em grande parte das terras secas da África conta apenas com três a quatro meses de chuvas a cada ano. As principais culturas cultivadas em Yilou são sorgo, feijão-caupi, gergelim, quiabo e outros legumes, hibiscos e milho no entorno das casas das famílias agricultoras. Mas produzir alimentos suficientes para suprir a nutrição da família durante todo o ano é um enorme desafio. Normalmente, os agricultores preparam rapidamente a sua terra no início das chuvas, o que costuma ocorrer nos primeiros dias de junho. Mais para meados do mesmo mês, fazem o plantio e ficam torcendo para que as chuvas sejam abundantes e uniformemente distribuídas ao longo da estação.
Fora a água das chuvas, o elemento valioso e crítico para uma agricultura de sequeiro produtiva é a matéria orgânica do solo. Basicamente, as águas pluviais devem ser capazes de penetrar o solo e ser retidas lá para serem usadas pelas culturas nas semanas seguintes. Um perfil do solo rico em matéria orgânica tem maior capacidade de desempenhar essas duas funções.
Como o período de chuva é curto e intenso, com apenas uma média de 500 a 600 mm a cada ano, é fundamental minimizar o escoamento e aumentar a infiltração. Além disso, quanto maior a área de solo coberto, mais chuva é infiltrada e menos vai evaporar. E a redução do escoamento com barreiras físicas, tais como diques de pedra e mulch, tem o benefício adicional de diminuir a erosão do solo e a perda de sedimentos, um passo importante na reabilitação de terras degradadas.
CONTRIBUIÇÕES DOS AGRÔNOMOS COMPLEMENTAM CONHECIMENTO DOS AGRICULTORES
O cultivo mínimo (ou plantio direto) e a diversificação de culturas são técnicas agronômicas, assim como os diques de pedras e coberturas mortas, há muito tempo conhecidas e utilizadas pelos agricultores do Oeste Africano. ONGs da região também têm promovido a Agricultura de Conservação, que incentiva um terceiro princípio: a cobertura permanente do solo. Agrônomos recomendam o uso de resíduos agrícolas como cobertura morta para cobrir o solo. No entanto, os agricultores preferem usar os resíduos de culturas como ração animal, o que limita a quantidade de resíduos disponível para a cobertura do solo. O que fazer quando as famílias agricultoras têm de escolher entre alimentar seus solos e alimentar suas vacas?
É aí que entra a experiência dos próprios agricultores, tal como no caso de Idrissa. Famílias agricultoras têm apresentado suas próprias inovações. Modificações que complementam essas práticas locais e tornam o uso dos recursos mais eficaz resultam da combinação do conhecimento técnico dos agrônomos com o conhecimento empírico acumulado pelos agricultores.
Os agricultores de Yilou estão bem cientes de que precisam de resíduos de culturas tanto para o solo quanto para seus animais. Eles, no entanto, encontraram uma maneira de contornar esse dilema. Em vez de usar apenas resíduos de culturas para a cobertura morta (nesse caso, talos de sorgo), agricultores como Idrissa também cortam e adicionam ramos de arbustos nativos, como o pata-de-camelo, que cresce na paisagem circundante. E essa tem provado ser uma estratégia bem-sucedida que permite uma cobertura suficiente do solo.
As manchas de solo de Yilou que são cobertas com mulch atraem cupins. Apenas algumas semanas antes da época de semeadura, os cupins consomem palha, folhas e galhos, depois os entocam no solo e abrem túneis subterrâneos. Esses túneis canalizam a chuva, ajudando a água a se infiltrar no solo. Como resultado, os solos encrostados se tornam novamente cultiváveis, com matéria orgânica suficiente e armazenando água para os cultivos. Os agricultores de Yilou têm observado que as culturas em tais áreas recém-recuperadas rendem mais que as cultivadas no resto do campo produtivo. Essa nova abordagem, chamada de corte e cobertura, que usa apenas os recursos locais, é o pontapé inicial do processo de reconstrução de matéria orgânica do solo.
Isso é reforçado pelas observações cuidadosas dos agricultores. A qualidade dos seus solos varia, com manchas de muito bom solo intercaladas com manchas de solo compactado e encrostado. Os agricultores, portanto, são precisos em suas práticas e cobrem as áreas que eles veem que precisam ser restauradas. Nesse contexto semiárido, eles tiveram que desenvolver a agricultura de precisão. Em vez de usar sistemas de posicionamento global (GPS, na sigla em inglês), o detalhado conhecimento local sobre o solo e sobre o meio ambiente está guiando a gestão dessa intensificação ecológica da agricultura.
IDEIAS QUE VALEM A PENA SER DISSEMINADAS
A abordagem corte e cobertura foi desenvolvida por pessoas idosas em Yilou e vem se disseminando na região há mais de 50 anos. Para entender melhor como funciona o sistema, uma pesquisa-ação participativa teve início em 2013, envolvendo agricultores e agrônomos locais. Experiências estão sendo conduzidas tanto nos campos dos agricultores quanto em estações de pesquisa com o intuito de avaliar como diferentes quantidades de mulch impactam o rendimento das culturas. Estão sendo iniciadas também escolas agrícolas e sessões de aprendizagem em que os agricultores forjam diferentes cenários de manejo, as chamadas plataformas de modelagem.
Os resultados preliminares dos testes-piloto em Yilou mostraram que o uso de cobertura morta com duas toneladas de pata-de-camelo por hectare dobrou os rendimentos de sorgo. Mas até mesmo os mais altos rendimentos da colheita (de cerca de uma tonelada por hectare) ainda são relativamente pequenos em comparação com os de outras regiões. Diante disso, os agricultores estão discutindo os sucessos alcançados, mas também as limitações de sua inovação. Alguns deles reconhecem que costumava haver muito mais vegetação na paisagem e consideram que ter mais árvores e arbustos é o que eles querem e precisam para restaurar seu solo.
Um dia, um jovem chegou na propriedade de Idrissa. Ele vinha de outra aldeia, a 35 km ao sul de Yilou, para coletar cascas de pata-de-camelo. Ele as queria para fazer cordas e viajou até lá porque em sua aldeia, Tem Gorki, não há praticamente mais pata-de-camelo, uma vez que os agricultores geralmente cortam e queimam esses arbustos. Idrissa compartilhou sua sabedoria com o jovem, explicando que a técnica é simples: Em vez de coletar a casca, leve algumas sementes para plantá-las. Se você não tem arbustos em seu campo, basta pegar algumas frutas maduras e deixar as sementes em água por uma noite. Faça um pequeno buraco para plantar em seu campo e coloque as sementes com um pouco de solo. Depois de três semanas, você vai vê-los crescer. O rapaz seguiu o conselho e voltou um ano depois com um frango para agradecer Idrissa.
APRENDENDO COM A EXPERIÊNCIA
Os agricultores de Yilou sabem bem que a produção agrícola só é possível com um manejo cuidadoso da matéria orgânica do solo, especialmente onde a precipitação é limitada e cada vez menos previsível. Cobrir os solos com ramos de arbustos nativos e regenerar a vegetação nativa são duas maneiras práticas para reconstruir a matéria orgânica perdida do solo para ser capaz de continuar a cultivar.
É claro que, embora o arbusto pata-de-camelo traga uma série de benefícios para o campo, ele não pode ocupar a maior parte das terras de cultivo, assim como a sua presença não deve competir com as culturas nem interferir nas operações de preparo do solo. Mas, quando se utiliza a abordagem de corte e cobertura, o rendimento dobrado de sorgo facilmente compensa o cultivo de pata-de-camelo em uma parte dos campos produtivos. Um dos próximos desafios é encontrar a densidade mais adequada desses arbustos para produzir o máximo de alimentos com o mínimo de trabalho.
A colaboração entre agricultores e agrônomos pode levar a soluções práticas, inovadoras e tecnicamente sólidas. Colocar em prática o princípio da Agricultura de Conservação de manter a cobertura permanente do solo e superar o impasse entre alimentar os animais ou garantir a cobertura do solo só é possível quando os agricultores e pesquisadores compartilham seus conhecimentos e começam a experimentar juntos. Há agricultores experimenta- dores por todo o semiárido da África Ocidental. Suas inovações precisam ser entendidas, exploradas e ampliadas, para garantir que a vida retorne às suas terras degradadas e que eles possam produzir alimentos suficientes para alimentar suas famílias.
Georges Félix
Membro da Sociedade Científica
Latino-Americana de Agroecologia (Socla).
[email protected]
Baixe o artigo completo:
Revista V12N1 – Mudança de estratégia: do corte e queima para o corte e cobertura