Janete Basso Costa e Samuel Rutz
No Rio Grande do Sul, a média anual de precipitação fica entre 1.200 e 1.800 mm. Nos últimos anos, porém, a irregularidade de chuvas está se tornando uma constante, assim como as estiagens que levam agricultores e técnicos a buscarem alternativas para o abastecimento de água nas comunidades rurais. Além disso, as famílias que produzem segundo princípios agroecológicos têm encontrado ainda mais dificuldades, em função da preocupação em utilizar água livre de resíduos químicos.
Pensando no aproveitamento da água das chuvas livre de contaminantes para irrigação das lavouras, a família Rutz desenvolveu um sistema de captação e uso de acordo com as características naturais do relevo de sua propriedade.
HISTÓRICO E LOCALIZAÇÃO DA PROPRIEDADE DA FAMÍLIA RUTZ
A propriedade denominada Colônia Rutz possui 35,5 hectares e está localizada na comunidade de Passo do Pilão, 9° distrito de Pelotas (RS). Foi adquirida dos sucessores de Helmut Kopp, a partir do ano de 1968, por Waldemar Bock Rutz e seus filhos, em frações de terra de 2 a 3 ha. Mas foi somente três anos depois, em 1971, que a família ali fixou residência. A atual área foi completada em 2009, com a aquisição de mais 3,5 ha. Quando ocorrem enchentes, 65% da área da propriedade é coberta por água, por ser banhada pelo arroio Pelotas e por um de seus afluentes, o Arroio Pilão.
A família mantém uma produção diversificada destinada ao autoconsumo, mas também se dedica à produção comercial de leite e de hortaliças, que é toda comercializada no município. As hortaliças são vendidas diretamente a supermercados da cidade e a indústrias de processamento. Já o leite é comercializado há 39 anos por meio da Cooperativa Sul-Riograndense de Laticínios Ltda. (Cosulati).
Em 2006, a família Rutz começou a adotar princípios agroecológicos para orientar as práticas de adubação, trata- mento e controle de doenças e insetos, manejo do solo e da água e integração da produção animal e vegetal. Naquele mesmo ano, associou-se à Cooperativa de Pequenos agricultores agroecologistas da Região sul (Arpasul).
O gado leiteiro passou a ser manejado pelo sistema de Pastoreio Racional Voisin (PRV), que consiste na produção de leite (ou carne) à base de pastagens nativas melhoradas e/ou cultivadas por meio do pastoreio direto. A área é sub- dividida em pequenas parcelas. A cada dia uma é utilizada, permitindo um melhor crescimento das forragens e a melhoria gradual da fertilidade do solo, além de diminuir a dependência da compra de rações e da utilização de máquinas, economizando, assim, energia.
A ÁGUA PARA A PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA
O abastecimento de água para a produção ecológica é um fator limitante, tendo em vista que os corpos hídricos encontram-se degradados pela ação predadora da agricultura convencional, assim como pelo uso industrial e urbano, podendo estar contaminados por agrotóxicos, fertilizantes, produtos químicos e esgotos.
Diante disso, a construção de reservatórios para a captação de água nos períodos chuvosos constitui um fator de segurança hídrica para os agroecossistemas de base ecológica.
A água da chuva que escoa superficialmente é direcionada para um depósito, de onde será bombeada para irrigar os cultivos. Esse sistema reaproveita também os elementos minerais que são transportados pela água, fazendo a reciclagem de nutrientes. A área de captação do reservatório possui 3 hectares ocupados com lavouras, campos e estradas, além de 150 m² do telhado da casa onde a família reside, sendo a água direcionada por canaletas, valos e bueiros.
O reservatório possui 900 m² de lâmina d’água, permitindo um volume acumulado de 2.000 m³.
O local do açude foi escolhido tendo em vista o máximo aproveitamento possível da área de contribuição para abastecê-lo. Mas também se levou em consideração a proximidade das lavouras e a diferença de nível em relação às áreas a serem irrigadas, de forma a economizar energia para o bombeamento, realizado por um conjunto moto-bomba elétrico de 1,5 CV com um injetor de biofertilizantes líquidos, filtro e regulador de pressão para assegurar uma distribuição uniforme.
Os limites da propriedade também cumprem uma função: não permitem que as águas das chuvas venham de lavouras de vizinhos, manejadas de forma convencional, diretamente para o estabelecimento da família Rutz.
PRODUÇÃO DE LEITE EM PRV
Em 2007, foi instalado um sistema de irrigação em 2,5 hectares de campo manejado pelo sistema PRV. O fornecimento de água aos animais é realizado por bebedouros distribuídos nos piquetes (parcelas), com água livre de resíduos químicos.
Foram estruturados 33 piquetes nesses 2,5 hectares, nos quais 21 animais permanecem no período noturno. Durante o dia, vão para outra área de 7,5 ha, com 50 piquetes e com outros 10 animais.
PRODUÇÃO DE HORTALIÇAS
Numa área de 2 ha, são produzidas hortaliças como beterraba, brócolis, alface, cenoura, couve-flor, pimentão, alho, cebola, entre outras. Essa produção se dá de forma escalonada ao longo do ano para atender a demanda de fornecimento para o comércio.
O solo utilizado na produção de hortaliças é manejado com adubação verde, resíduos da produção animal, cinza de lenha, cinza de casca de arroz e rúmen bovino de agroindústrias locais, bem como recebe biofertilizantes e caldas fertiprotetoras.
O sistema de irrigação empregado é por gotejamento, microaspersão e miniaspersão, dependendo do tipo de cultura.
OUTRAS FUNÇÕES ECONÔMICAS
Tendo como uma das confrontações o arroio Pelotas, a família Rutz pensa em dedicar um espaço para construir uma área de lazer e turismo rural na propriedade. Assim, poderá receber visitantes que terão a oportunidade de desfrutar de um ambiente saudável, onde as condições ambientais e naturais são preservadas e conservadas. Ou seja, será um lugar onde as pessoas poderão conhecer uma nova forma de pensar a função da agricultura para além da produção de alimentos e de matéria-prima.
Janete Basso Costa
engenheira agrônoma, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar Universidade Federal de Pelotas
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Samuel Rutz
engenheiro agrônomo, membro da Comissão Pastoral da Terra, Diocese de Pelotas (RS)
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Revista V7N3 – O abastecimento de água na agricultura ecológica: estratégias de convivência com as estiagens no Rio Grande do Sul