01/02/2007 – CARTA MAIOR. Pergunte na CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) quais os métodos que eles utilizam para avaliação de riscos para liberação comercial de transgênicos e você verá que estes ainda estão por serem desenvolvidos.
Outro dia uma repórter me ligou querendo entender porque a questão dos transgênicos é tão polêmica. Disse-me que tinha acabado de entrevistar alguns pesquisadores e que estes haviam lhe garantido que os transgênicos são seguros e inclusive muito mais testados que qualquer outro alimento. Você também já deve ouvido esta afirmação por aí.
Seria ótimo se de fato essa e outras novas tecnologias fossem devidamente testadas antes de serem introduzidas no meio ambiente e na nossa alimentação. Mas, se testes independentes foram feitos, onde estarão? Como foram feitos e onde estão publicados? E ainda, será que o biotecnólogo é quem detém o instrumental metodológico mais adequado para formular e testar hipóteses sobre os riscos dos transgênicos que eles próprios desenvolvem?
Aliás, será que a transgenia é tão nova assim? Há inclusive pessoas que usam o termo “moderna biotecnologia” para se referir aos transgênicos. Já na década de 1970, os primeiros transgênicos foram criados. Sua comercialização veio em meados da década de 1990. O que se passou nesse intervalo? Será que foi nesses anos todos então que os exaustivos estudos sobre a segurança dos transgênicos foram realizados?
Difícil. Estima-se que apenas 3% de todo o orçamento usado no mundo para pesquisa na área de biodiversidade seja destinado a pesquisas independentes de biossegurança (ou biorrisco, termo que seria mais adequado). Ademais, ainda estão sendo debatidos e formulados os métodos e as técnicas para se avaliar os impactos dos transgênicos.
Pergunte na CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) quais os métodos que eles utilizam para avaliação de riscos para liberação comercial de transgênicos e você verá que estes ainda estão por serem desenvolvidos. Mesmo assim, a maioria dos membros da Comissão acha razoável primeiro liberar e depois discutir os critérios internos para julgar um pedido de liberação.
Vale destacar que, entre a década de 1970 e os dias de hoje, dois movimentos principais ocorreram no setor de sementes. Primeiro o de fusão, em que empresas de agrotóxicos e fármacos passaram a atuar também no ramo de sementes. A entrada no novo setor se deu principalmente pela compra das empresas já existentes (pequenas, médias e grandes). Com isso veio o segundo movimento, de concentração, através do qual a grande maioria das sementeiras nacionais (em quase todos os países) foi parar em mãos de um reduzido grupo de empresas multinacionais.
No início da década de 1980, a Monsanto, por exemplo, não estava presente no setor de sementes. Hoje ela é a maior do ramo e em período razoavelmente curto passou a controlar um acervo genético considerável.
Ao mesmo tempo em que se consolidava o controle oligopólico do mercado de sementes/agrotóxicos, dois outros elementos não menos importantes mantiveram os transgênicos em estado de espera até meados dos anos 90. Um diz respeito à criação e/ou modificação das leis nacionais de propriedade intelectual e de sementes para garantir o “patenteamento” de determinadas formas de vida e os direitos e remuneração dos melhoristas. Aí o lobby correu e corre solto.
As sementes como tais não podem ser patenteadas, mas alguns processos da produção de transgênicos, sim. Como resultado, as sementes transgênicas sofrem o que se chama de patenteamento virtual. O elemento faltante a ser citado é a entrada do capital de risco no setor, disposto a investir no negócio da modificação genética e nas empresas de biotecnologia.
Mesmo após terem avançado sobre o setor de sementes, a divisão de agrotóxicos continuou a ser o carro-chefe dessas empresas. Alguns herbicidas campeões de venda, como o Roundup (glifosato), estavam com suas patentes em vias de expirar, mas a essa altura as empresas já dispunham de sucedânio para a perda do monopólio: sementes transgênicas patenteadas e geneticamente modificadas para o uso combinado com os agrotóxicos prestes a caírem no mundo dos genéricos.
Tecnologia disponível, mercado altamente concentrado e legislações nacionais e internacionais simpáticas ao direito monopólico de exploração das sementes. Faltava ainda garantir que nenhum governo inventasse processos regulatórios complexos ou exigisse muita transparência na liberação dos transgênicos.
O melhor caminho a ser percorrido seria convencer que os transgênicos são “similares aos alimentos convencionais” e que representam “apenas uma evolução natural do processo de seleção e melhoramento de plantas”. Diz-se também que são feitos pelo homem há milhares de anos, desde o início da agricultura e da domesticação de animais.
Dito e feito. Criaram um conceito que caiu como uma luva, o da “equivalência substancial”. A partir dele, se um transgênico tiver composição química equivalente a de sua contraparte não-transgênica, a segurança dos dois é a mesma. Desde que o conceito foi cunhado nos EUA, até hoje nunca se definiu o que significa ser “equivalente”. Ter uma variação de até 0,5 no teor de proteínas? Ou de até 5%? Ou 0,002 mg no teor de cálcio? Quem sabe? Além disso, ainda que um transgênico tenha composição nutricional idêntica a um alimento não-modificado, nunca foi estabelecida sua relação com toxicidade.
Criou-se também o mito de que um gene pode ser recortado, colado, ligado, desligado, enfim, manipulado de forma estável e previsível como uma peça sobre a qual se tem total controle. A idéia de que estes trechos de DNA que codificam proteínas representam uma espécie de entidade prestou serviço ao mercado global, que ganhou novas commodities.
No mesmo sentido, ouve-se muito nessa discussão que o gene tal “é seguro, pois ocorre na natureza”. Porém, um gene sozinho, fora do contexto do organismo, não quer dizer muita coisa. O fato de o gene ser seguro em seu organismo natural, não significa o organismo transgênico que o tenha recebido também seja seguro. Esta extrapolação não é automática.
Além disso, o gene “a” ou “b” usado na produção de um transgênico pode até demonstrar segurança. Acontece que o que se usa são cópias quiméricas e a transferência do gene de uma espécie para outra depende de um vetor, que em geral é extraído de uma bactéria patogênica. Para o “gene” de interesse se expressar no organismo hospedeiro é necessário um promotor, em geral extraído de um vírus também patogênico. E para saber se a modificação genética vingou, usa-se um gene marcador de resistência a antibióticos, também extraído de uma bactéria. Serão todos esses genes também seguros? O que acontece se esses elementos microbianos patogênicos se recombinarem? Ou ainda, e principalmente, será a expressão do conjunto desses elementos no organismo receptor também conhecida e segura? E será o comportamento desse organismo em um dado ecossistema previsível e estável?
Por ora, essas respostas não foram dadas. E enquanto ouvirmos por aí afirmações de que não há problema nenhum, a polêmica continuará.