por Cláudia Guimarães
“O cenário atual da pesquisa científica dos organismos geneticamente modificados – prós e contras” foi o tema da Audiência Pública promovida pela Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal, dia 30 de novembro, em Brasília.
Entre os debatedores, estavam Gabriel Fernandes, agrônomo e assessor técnico da AS-PTA; Rubens Nodari, professor titular do programa de pós-graduação em Recursos Genéticos Vegetais da Universidade Federal de Santa Catarina; Francisco José Lima Aragão, pesquisador da Embrapa em Recursos Genéticos e Biotecnologia; Francisco Murilo Zerbini, professor do Departamento de Fitopatologia da Universidade Federal de Viçosa; Karen Friedrich, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e tecnologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); e Maria Helena Zanettini, professora do Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O debate foi mediado pelo subprocurador da República Mario Ghizi e pela procuradora regional da República Fátima Borghi, e contou com uma mesa de honra composta pelo subprocurador-geral da República Nívio de Freitas e pela procuradora regional da República Maria Soares Cordioli.
“Ao longo dos últimos anos novas pesquisas foram desenvolvidas na área, revelando informações sobre os organismos geneticamente modificados. Temos que conhecer e analisar o atual cenário do conhecimento produzido na área, para podermos nos posicionar e atuarmos coerentemente, cumprindo o papel do MPF de zelar por um meio ambiente equilibrado”, observou o coordenador da Câmara de Meio Ambiente, subprocurador-geral da República Nívio de Freitas.
Cultivos transgênicos vêm perdendo eficácia
Para o agrônomo Gabriel Fernandes, assessor técnico da AS-PTA, é um mito a ideia de que precisaríamos de transgênicos para alimentar a crescente população do planeta. “Há muito tempo, já produzimos o suficiente para alimentar a população mundial. Mas, por diversos interesses, milhões de pessoas passam fome e, por outro, milhões estão obesas”, afirmou durante a audiência. Lembrou que “temos uma produção cada vez mais controlada por poucos e, ao mesmo tempo, cada vez temos menos informação sobre o que contêm os alimentos que consumimos”.
Gabriel Fernandes assinalou que, em relação aos transgênicos, há muitas incertezas, contradições científicas, ocultamento de informações e medidas insuficientes de controle e acompanhamento por parte dos órgãos de fiscalização. “Ao contrário do que os defensores dos transgênicos alegam, não há consenso científico sobre a segurança dos transgênicos. Esse debate não acabou”.
O assessor técnico da AS-PTA lembrou que há vários estudos mostrando que os cultivos transgênicos vão perdendo eficácia e as lagartas que deveriam ser afetadas pela tecnologia tornam-se resistentes: “As empresas fabricantes desses produtos prometeram uma solução milagrosa para as pragas, que não está se concretizando”. Enfatizou ainda que centenas de estudos, que fazem objeções e restrições ao uso de transgênicos, têm sido sistematicamente ignorados. E citou o que foi publicado em 2012 na revista Food and Chemical Toxicology, pelo biólogo francês Gilles-Éric Séralini, mostrando o aparecimento de tumores em ratos, meses após o consumo de um tipo de milho transgênico (NK 603), que havia sido liberado pela CTNBio em 2008.
Outro ponto criticado por Gabriel Fernandes foi a metodologia usada muitas vezes para supostamente “provar” a segurança do uso de transgênicos e os “benefícios” para os agricultores. Segundo explicou, esses estudos são feitos comparando a produtividade de plantas transgênicas com as que não tiveram nenhum tipo de manejo: “Comparam um cultivo, que foi submetido a uma tecnologia que as empresas querem lançar no mercado, com um plantio comum, sem tratamento algum. Essa comparação não faz sentido. Nenhum agricultor vai plantar e dar as costas para o seu cultivo: ou vai fazer algum tratamento químico ou implementar um sistema orgânico de produção. É a mesma coisa que dar placebo para um grupo de pessoas e um medicamente a um outro grupo, e depois dizer que o remédio funcionou”.
O agrônomo da AS-PTA questionou o fato da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) nem sempre divulgar o conteúdo integral dos seus pareceres, citando especificamente um processo – no qual uma empresa solicitava a liberação de um novo produto transgênico – que teve mais de mil páginas censuradas: “O que pode justificar o sigilo de mais de mil páginas? Como é possível aos membros desse órgão ter acesso ao conjunto de informações sobre a biossegurança de um produto com essa censura? Como podem emitir um parecer bem fundamentado?”, perguntou.
Gabriel Fernandes defendeu que a CTNBio seja um órgão consultivo, focado nos aspectos de biossegurança, e não na eficácia das tecnologias analisadas. E lembrou que desde 2005 existe uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade), aguardando a designação de um relator no Supremo Tribunal Federal, que questiona o “super-empoderamento do órgão, que permite à CTNBio tomar decisões sozinha”.
Citando dados de um recente estudo feito pelo agrônomo Leonardo Melgarejo, professor em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina, que estava convidado para a Audiência Pública, Gabriel Fernandes assinalou que, a cada hora de reunião da CTNBio, são liberados pelo menos 33 processos, ou seja, um a cada dois minutos: “Com qual nível de detalhe e rigor esses processos são avaliados?”, questionou.
Crítica à rapidez na liberação de OGMs
A rapidez e os critérios para a liberação de organismos geneticamente modificados por parte da CTNBio foram criticados na audiência pelo prof. Rubens Nodari. “Temos que repensar os modelos de aprovação dos transgênicos. Não dá para deixar essa decisão com quem já tem opinião favorável formada. A posição a priori é de que os transgênicos são seguros e, por isso, podemos fazer estudos cada vez mais simplificados. É um modelo que já nasce viciado”, afirmou.
Para o prof. Nodari, não é possível desvincular o debate sobre transgênicos da questão do uso de agrotóxicos e suas consequências, tanto para o meio ambiente quanto para a saúde humana. Lembrou que “não há como impedir que um pesticida aplicado em um local não contamine outras áreas”. Ele chamou a atenção ainda para o fato de que até os fetos podem ser afetados por esses produtos, já que as moléculas de agrotóxicos passam pelo cordão umbilical: “Temos o direito de impor isso aos não nascidos?”, questionou.
Também criticou as monoculturas, afirmando que, à medida em que os produtores usam o mesmo cultivo e o mesmo herbicida, aos poucos “eles estão selecionando espécies que ficarão cada vez mais resistentes a esses produtos”. Ele rebateu na ocasião os argumentos da CTNBio de que as sementes crioulas não garantiriam biodiversidade e discordou da posição do órgão de ter estabelecido em 100m a distância “supostamente segura” para impedir a contaminação de cultivos por sementes transgênicas. “Na época, já havia muitos estudos mostrando que a contaminação vai além dessa distância”, enfatizou durante a audiência.
Estudos independentes são ignorados
Karen Friedrich, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e tecnologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), destacou que o Brasil é o segundo maior consumidor de transgênicos do planeta. “Temos 40 milhões de hectares plantados, além de utilizarmos produtos como vacinas, que também levam microrganismos modificados”.
A pesquisadora assinalou, no entanto, que há dezenas de estudos mostrando o aumento no uso de herbicidas em decorrência da liberação de sementes transgênicas. Em relação a essa questão, lembrou que a Agência Internacional de Pesquisa para o Câncer, ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), classificou recentemente o glifosato – o herbicida mais usado no Brasil e no mundo – como “provável cancerígeno para o ser humano”. Segundo o órgão, o glifosato está associado, principalmente, ao surgimento do linfoma de non-Hodgkin e do câncer de próstata.
Ainda sobre os agrotóxicos, Karen destacou que esses produtos são analisados individualmente, o que, segundo ela, é uma limitação de todas as agências regulatórias do mundo. “Esses órgãos fazem avaliação de risco isolado, como se estivéssemos expostos aos efeitos de um só agrotóxico”. Mas acrescentou que as agências da Europa e dos Estados Unidos estão avançando para o desenvolvimento de metodologias que façam uma avaliação de risco combinada desses herbicidas.
Em relação aos OGMs, a professora da UniRio lamentou que, muitas vezes, os estudos para a liberação desses organismos não sejam feitos no Brasil. “O fato de um transgênico ter sido avaliado e aprovado nos Estados Unidos não significa que possa ser liberado também aqui, e vice-versa. Temos que fazer os estudos no nosso país, levando em conta as características dos nossos biomas”, afirmou.
Karen lembrou ainda que os estudos independentes são pouco considerados durante o processo de liberação comercial dos transgênicos: “Só avaliam os que são feitos pelas empresas”. Segundo ela, esses estudos independentes apontam diversos problemas em relação aos OGMs: mostram que os modos de ação desses organismos modificados não estão totalmente elucidados; que há sinergias e interações entre as proteínas produzidas pelos OGMs; revelam danos sobre organismos não-alvo (como abelhas, borboletas etc.); e apontam toxicidade para mamíferos, como alergias, danos para o fígado, distúrbios hormonais e câncer, entre outras questões.
A tecnologista da Fiocruz observou também que onde mais se planta milho e soja transgênica no Brasil “é, precisamente, nas áreas onde estão os nossos aquíferos. Daí a importância de fazermos estudos de risco ambiental porque, nessas regiões, junto com os transgênicos, está sendo liberada grande quantidade de herbicidas e agrotóxicos”.
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Para assistir na íntegra: http://www.tvmpf.mpf.mp.br/videos/1856B