O bom senso tem sido freqüentemente evocado por aqueles que defendem a adoção dos organismos geneticamente modificados, os transgênicos, no Brasil. Os defensores (executivos e cientistas da indústria de biotecnologia, políticos ‘‘informados’’ pela indústria de biotecnologia e cientistas de universidades e institutos de pesquisa interessados ou já beneficiados por financiamentos dessa indústria) argumentam que os transgênicos constituiriam alternativa para diminuir os custos de produção da agricultura, ao reduzir a utilização de fertilizantes químicos e agrotóxicos e aumentar a produtividade agrícola. Tais benefícios trariam como conseqüência uma agricultura menos danosa ao ambiente, a diminuição da contaminação de agricultores e consumidores por químicos e a solução do problema da fome no mundo. Bem, passemos aos fatos.
Setenta e quatro por cento dos transgênicos cultivados no mundo hoje apresentam a característica de serem resistentes a herbicidas (agrotóxicos que matam mato). Ou seja, se antes o agricultor utilizava o agrotóxico com cuidado, sob risco de prejudicar a própria lavoura, com esses cultivos resistentes, ele pode pulverizar o produto à vontade sobre a lavoura que todas as plantas morrerão, salvo as transgênicas. Notem que as empresas que desenvolveram sementes transgênicas são as mesmas que produzem agrotóxicos. Outros 19% dos transgênicos são os chamados cultivos Bt, que receberam genes da bactéria Bacillus thuringiensis, que produz toxinas inseticidas. Dessa forma, os cultivos Bt são plantas inseticidas. Quando o inseto se alimenta de qualquer parte da planta Bt, ele morre. Os 7% restantes dos transgênicos combinam as duas características citadas acima: resistência a herbicidas e propriedades inseticidas.
A redução dos custos de produção das lavouras transgênicas estaria relacionada, exclusivamente, à suposta redução no uso de agrotóxicos. Porém, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA, a soja tolerante a herbicida (toda a soja transgênica plantada) requer em média 11% mais agrotóxicos do que a soja convencional, havendo zonas onde se têm utilizado até 30% mais. Um informe publicado em maio de 2001 pelo Dr. Charles Benbrook, do Northwest Science and Environmental Policy Center, de Idaho (EUA), relata como o aumento maciço da utilização de um só herbicida fez aumentar a resistência do mato ao agrotóxico, o que levou os agricultores a usarem maiores quantidades do herbicida. Estudos de outros institutos mostram também que esse aumento no uso do herbicida está deixando resíduos até duzentas vezes maiores nos alimentos processados que contêm soja, que representam mais de 60% dos produtos encontrados nos supermercados.
O milho Bt, por sua vez, foi desenvolvido nos EUA para matar lagartas, que só causam dano econômico aos agricultores uma vez a cada quatro ou até oito anos. A partir da intensa propaganda feita pelas indústrias, o país adotou o milho Bt em larga escala. Hoje, os agricultores pagam, todos os anos, por um controle que só seria necessário uma vez a cada quatro ou oito anos. Outro estudo do governo americano indica que, no período entre 1995 e 1998, embora a área de cultivos Bt tenha aumentado 18%, a redução no uso de inseticidas foi só de 2%. Essa redução é irrelevante, considerando que em 1995 houve uma grande infestação de lagartas que exigiriam maciço uso de agrotóxicos, enquanto em 1998 a infestação foi vinte vezes menor.
Nota-se, portanto, que a redução no uso de agrotóxicos e conseqüentemente a diminuição dos custos de produção e da contaminação dos agricultores e consumidores não passam de mitos.
Os transgênicos desenvolvidos até hoje pelo pequeno grupo de indústrias de biotecnologia (produtoras de sementes, agrotóxicos e fármacos) que dominam o mercado mundial não foram desenvolvidos para serem mais produtivos, mas para resistirem a herbicidas e/ou matar insetos. De fato, o informe do Dr. Benbrook mostra que a produtividade da soja transgênica é, em média, 2% a 8% menor do que das variedades convencionais.
Hal Wilson, do Departamento de Entomologia da Universidade do Estado de Ohio (EUA), indica, após três anos de comparação, que não há diferença de produtividade entre os cultivos Bt e os convencionais.
Sem os tão falados aumentos de produtividade, a idéia de resolver o problema da fome no mundo também vai por água abaixo. Isso falando apenas dos aspectos técnicos, e não dos aspectos sociais e políticos da questão (há hoje alimento suficiente para alimentar toda a população mundial, falta garantir condições de acesso aos alimentos).
O Brasil precisa da agricultura livre de transgênicos para, primeiramente, suprir o mercado interno com alimentos saudáveis e baratos. E, depois, vender os excedentes aos ricos mercados da Europa e do Japão, que demonstram rejeição crescente aos OGMs. A soja certificada como não transgênica recebe dos compradores europeus prêmio de até oito dólares por tonelada, fora o preço. Aí, na questão econômica e comercial, descobrimos por que o Brasil é peça estratégica no jogo mundial dos complexos privados do setor biotecnológico-agrícola-fármaco-químico. Responsáveis por 98% da produção mundial de commodities transgênicas, soja, algodão, milho e canela, basicamente, a Argentina, o Canadá e os Estados Unidos (principalmente) não querem que o Brasil rejeite de vez os transgênicos. Nosso país, além de ter a maior área agricultável contínua, é o último grande produtor e exportador agrícola do planeta que permanece livre de transgênicos. E, se tomar uma postura firme e madura, pode tirar enormes vantagens comerciais dessa condição.
Portanto, sabendo que problemas enormes existem e que os tão falados benefícios dos transgênicos não passam de mitos – eles contaminam mais, produzem menos, trazem riscos à saúde e aumentam a dependência dos produtores e do país –, só podemos concluir que, por medida de absoluto bom senso, devemos continuar lutando por um Brasil livre de transgênicos.
FLAVIA LONDRES é engenheira agrônoma da ONG AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa) e membro da campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos.