Mais de 93% da produção é comercializada, principalmente, nos mercados locais, gerando mais de meio milhão de reais para as mulheres
De bolo em bolo, de beiju em beiju, 60 agricultoras familiares do território da Borborema Agroecológica transformam os alimentos colhidos nos seus roçados e quintais em mais de 43 toneladas de comidas beneficiadas. Tal feito foi alcançado no intervalo de nove meses (janeiro a setembro) neste ano.
Os dados foram levantados pela AS-PTA a partir do monitoramento realizado nas propriedades de 60 mulheres das 70 que fazem parte da Rede de Agroindústrias Caseiras e Coletivas do Polo da Borborema.
O resultado é fruto de um trabalho desenvolvido no território desde 20156, quando foram iniciados dois processos de forma simultânea: as formações para o beneficiamento da produção e a reestruturação das cozinhas familiares.
As formações são em boas práticas de produção de alimentos processados e oficinas para aprender novas receitas, inclusive, facilitadas pelos chefs de cozinha do Movimento Slow Food, Eliane Régis e Adilson Santana.
Ao todo, foram reformadas 92 cozinhas, sendo 88 familiares e 4 coletivas, para deixá-las apropriadas às exigências da Vigilância Sanitária. Os recursos vieram da agência de cooperação internacional Manos Unidas, que impulsionaram grupos de Fundos Rotativos Solidários entre as mulheres, ampliando o alcance da ação para mais famílias.
Em 2023, o monitoramento da AS-PTA apontou que existem 31 tipos de alimentos beneficiados. E grande parte da produção (93%) é destinada à comercialização, 5% é consumida pela família e 2% é doada. Monetarizando toda a produção, chegamos à cifra de mais de R$ 615 mil reais.
“Os dados evidenciam o quanto os quintais são produtivos e revelam uma economia regada pelas mulheres e até então invisibilizada”, pontua Ivanilson Estevão, assessor técnico da AS-PTA que acompanha o trabalho de beneficiamento com as mulheres agricultoras.
Das 60 agricultoras com a produção monitorada, grande parte vende nas feiras agroecológicas e nas Quitandas da Borborema. Ambos, mercados territoriais organizados pelo Polo da Borborema para a comercialização dos alimentos saudáveis cultivados e produzidos pelas milhares de famílias que fazem parte das diversas ações do coletivo.
Os alimentos também são destinados aos programas públicos de compra de alimentos como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). As feiras livres, os eventos e as cestas solidárias entregues durante a pandemia no território também são oportunidades boas de vendas para as mulheres.
A mudança na vida – Rejane de Lima Nunes, do Sítio Xique-xique, em Remígio, é uma das 60 mulheres que tiveram sua produção monitorada este ano. De uma produção de 15 beijus, feitos de forma experimental há mais de 12 anos, ela passou a vender, em média, 65 unidades toda semana, na feira livre do município onde mora. Além disso, também produz e comercializa pé de moleque, cocada e doce de mamão.
A renda proveniente dos seus quitutes se junta ao apurado das verduras, que o marido vende também na feira, e aos R$ 700 do Bolsa Família. São estas as receitas fixas que sustentam o orçamento familiar. “Não tô ganhando um milhão, mas, graças a Deus, dá pra sobreviver e comprar umas coisinhas quando a gente precisa. Bem melhor do que antigamente”, comenta ela com humor.
Rejane foi uma das 92 mulheres atendidas com a ação de melhoramento das cozinhas. No caso dela, a melhoria consistiu na instalação do forro de PVC para o teto e na aquisição do equipamento que rala e espreme a macaxeira e mandioca, as principais matérias-primas de seus alimentos.
Esse equipamento é uma tecnologia desenvolvida pelo casal Irenaldo Bezerra e Elisabeth Barbosa, que adaptou o triturador e a prensa das casas de farinha para dentro de uma cozinha. Essa invenção tem feito a diferença na vida de muitas famílias e comunidades da Borborema Agroecológica.
Com a minifábrica de farinha – nome dado ao equipamento – Rejane conta que, para ralar e prensar 60 quilos de macaxeira ou mandioca, gastava mais de quatro horas. Com o equipamento, o tempo foi reduzido para 10 minutos.
“Isso melhorou 100% todo o trabalho”, diz ela lembrando que pagou no Fundo Rotativo Solidário R$ 1.008,00 em parcelas mensais de R$ 50,00. Mas o valor das melhorias foi maior do que o total pago por Rejane. A diferença foi subsidiada com recursos da parceria com a Manos Unidas.
Para chegar aonde está, Rejane também participou das formações oferecidas para as mulheres da Rede de Agroindústria Caseiras e Comunitárias Fam. O mais recente teve como facilitadores a dupla de ecochefs Eliane e Adilson, na cozinha da sede da AS-PTA, em Esperança, na Paraíba.
Em outra oficina realizada na Cozinha-Escola, situada na sede da CoopBorborema, no município de Lagoa Seca, Rejane aprendeu com Eliane a fazer uma polenta a partir do Flocão da Paixão, um dos derivados de milho crioulo produzidos no território.
A polenta foi acompanhada de nata, queijo e carne seca desfiada e cozinhada com temperos. “A gente refogou os temperos – cebola, tomate… – cada um de uma vez para conservar o sabor e, depois, misturou na carne. De fato, dá um sabor diferenciado.”
Outra receita que Rejane aprendeu com Eliane foi bolinho de macaxeira com carne seca. “Fica igual a coxinha. Ainda não fiz [depois da oficina], mas a qualquer momento farei porque tá tudo na mente. Não vai se perder porque foi tudo muito bem explicado”, conta, lembrando orgulhosa que a chef visitou algumas cozinhas que foram melhoradas e a sua foi uma delas.
Feira da Marcha das Mulheres – Quando o assunto é venda de alimentos beneficiados pelas agricultoras da Borborema, não tem como não falar da feira anual instalada na Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, que atrai um público de cinco mil pessoas.
“Uma das minhas melhores vendas é a da Marcha. Esse ano, levei 200 beijus e vendi todos. Na feira ainda faltou beiju. E olhe que tinham outras mulheres vendendo também. Você pode botar o que quiser, que vende. Também é um monte de gente que vem de todos os municípios”.
Segundo cálculos da AS-PTA, a feira da Marcha deste ano movimentou, em apenas uma manhã, mais de R$ 12 mil. E olhe que é uma feira com a participação exclusiva das mulheres. Em todas as bancas, os produtos e a presença são delas.