FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
Considerado por muito tempo um alimento inquestionavelmente benéfico para a saúde, o leite tem sido alvo de várias polêmicas nos últimos anos.
Agora, uma pesquisa publicada na revista americana "Journal of Reproductive Medicine" colocou mais lenha na fogueira ao questionar um hormônio que é usado para aumentar a produção de leite pelas vacas: a somatotropina bovina recombinante, ou rBST [ou ainda rBGH].
O estudo mostrou que mulheres que consomem leite e derivados têm 2,5 vezes mais chances de engravidar de gêmeos. O autor da pesquisa, Gary Steinman, disse à Folha que a relação do rBST com o fato é inferida, mas não provada.
A pesquisa foi um motivo a mais para o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) reiterar um pedido que vem fazendo desde a década de 90 ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento: que o rBST seja proibido enquanto não houver mais pesquisas comprovando sua segurança.
Usado por provocar aumento de 5% a 15% na produção de leite, o hormônio poderia trazer riscos, segundo o Idec, por dois motivos. O primeiro é que ele faria com que as vacas produzissem mais IGF-1 (um hormônio que estimula a ovulação e a produção do leite), cujos resíduos na bebida poderiam aumentar as chances de câncer e de gravidez múltipla em humanos. O segundo é que aumentaria os riscos de mastite (inflamação nas mamas da vaca), e os antibióticos usados no tratamento podem danificar o leite.
"O hormônio foi liberado no Brasil sem que houvesse uma análise de risco adequada. Não se sabe se deve haver um limite", diz o veterinário Sezifredo Paz, consultor-técnico do Idec.
Ele alega que o produto é proibido no Canadá e em vários países da Europa. Nos EUA, onde é liberado, a polêmica é grande: algumas empresas começaram a atestar em seus rótulos que o leite é "livre de hormônios artificiais".
"Sabemos que o rBST aumenta o nível de IGF em vacas e que pessoas que tomam uma quantia fixa de produtos lácteos diariamente podem ter um aumento de 10% a 30% no IGF sérico. A pergunta é: é o IGF das vacas que causa isso ou é outro fator?", disse Steinman.
Em parecer enviado à Folha, o fiscal federal agropecuário Leandro Feijó, da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, afirmou que o brasileiro "pode se sentir totalmente seguro quanto à ingestão de produtos lácteos com leite proveniente de vacas tratadas com rBST". Segundo ele, esse hormônio não é um composto monitorado pelo ministério por "não incorrer em risco à saúde pública".
Feijó diz que avaliações do Codex Alimentarius (órgão ligado à Organização Mundial da Saúde) não mostraram impacto na saúde pública.
Sobre o risco de mastite, Sandra Gesteira Coelho, professora da Escola de Veterinária da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diz que qualquer animal está sujeito, tomando ou não rBST. "Se uma vaca usa antibióticos por ter mastite, o produtor tem que descartar o leite por um tempo." Ela explica que a somatotropina e o IGF-1 são produzidos naturalmente pelas vacas. "Se usado corretamente, o rBST não é prejudicial."
Segundo a Elanco, uma das empresas que vendem o rBST, "as agências regulatórias de referência ao redor do mundo aprovaram os estudos de segurança do produto". No Brasil, a única forma de saber pelo rótulo que o leite não vem de vacas tratadas com o rBST é comprar a bebida orgânica.