Resenha do livro “Transgênicos: sementes da discórdia”, Ed. Senac, 2007.
Por Davilym Dourado, publicada em Valor Econômico, 29/11/2007.
Três pontos de vista sobre transgênicos
Valor Econômico • Jornal • EDS • D6
“Transgênicos – Sementes da Discórdia” – José Eli da Veiga (org.).
Davilym Dourado / valor José Eli da Veiga, organizador do livro: “O processo de industrialização é indissociável do processo de produção de riscos” Senac, R$ 35
Os livros sobre meio ambiente e correlatos costumam sempre ter aquele tom de programa de governo, ou seja, “contra o câncer e a favor das criancinhas”. ? difícil deparar com bibliografia plural nessa área.
Reinam o maniqueísmo e o fatalismo, prejudiciais ao encontro da solução possível na realidade contemporânea. ? sempre um acorde só. Típico das discussões impostas pelo século XXI: clonagem, células-tronco, aquecimento global. O resultado dessas supostas “contribuições ao debate” é, quase sempre, o congelamento das ações necessárias e urgentes.
Dentro dos subtemas econômico-ambientais está a polêmica sobre a produção dos organismos geneticamente modificados, os conhecidos transgênicos. Ou melhor, famosos desconhecidos. O livro “Transgênicos – Sementes da Discórdia”, sob a organização do economista José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo (USP), pretende seu ineditismo pela faceta de unir três visões diferentes sobre o tema: uma defesa, um ataque e um meio-termo. Desde a idéia, portanto, já guarda um mérito.
Outro é mitigar o efeito da discussão pública ou popular, supostamente democrática, mas quase sempre despreparada para elucidar o problema. Um suposto debate que põe de um lado aqueles que toleram qualquer coisa em nome do capitalismo e de outro “aqueles que sempre são contra tudo”. O livro é rico ainda porque as três visões partem de conhecimento científico de ponta e ajudam a retirar da sombra o leitor perdido entre tantas opiniões parciais, apaixonadas, interessadas ou parti pris. Os autores fogem da armadilha da arrogância do conhecimento para fazer prevalecer apenas o caráter científico na análise. Dão grande chance à sociologia – palco ideal para qualquer discussão.
No primeiro capítulo, a defesa. Os agroeconomistas da Unicamp José Maria da Silveira e Antonio Marcio Buainain associam a aceitação da difusão da transgenia à construção de instituições que possam lidar com um nível de complexidade cada vez maior, seja na agricultura, seja nos demais setores da vida social. Claro, isso dependeria do poder dessas instituições de Estado de transformarem fiscalização em rotina banal sem frear o avanço – coisa nem sempre tão fácil como se prova, agora, com o caso do leite contaminado.
Com base no atual estágio científico e tecnológico atual, os autores avaliam essa hipótese viável. Mas não é um intuito aqui criticar a defesa, até porque ela se dá com base em estudos aceitos e reconhecidos e é feita com o objetivo de promover uma apropriação social dos benefícios do processo de inovação tecnológica – inexorável – e sob o qual pesa a necessidade de correr riscos. No caso, por enquanto, segundo os autores, riscos abstratos.
Não é possível, portanto, bradar o famoso “parem o mundo que eu quero descer”. “O processo de industrialização é indissociável do processo de produção de riscos, uma vez que uma das principais conseqüências do atual desenvolvimento científico-tecnológico é a exposição da humanidade a riscos e inúmeras formas de contaminação que nunca foram observados”, diz Veiga, no prefácio. Logo, a discussão é posta no nível das possibilidades.
No segundo capítulo, o ataque é feito pelo engenheiro agrônomo Gabriel Bianconi Fernandes, da AS-PTA, Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (ONG de respeitável atuação no segmento de agricultura familiar), com sede no Rio. Com o ponto de vista da agroecologia, Bianconi relata o ambiente de negócio “criminoso” no qual as multinacionais promotoras da chamada “revolução verde” pretendem plantar e colher os transgênicos para alimentar, sobretudo, uma lucratividade exuberante e irracional.
Segundo ele, vender os transgênicos como revolução científica é só uma artimanha para fazer de ciência o que é apenas mercado. Impõe àqueles contrários a pecha de ser contra a evolução e o desenvolvimento. Bianconi recorre ao princípio da precaução e carrega sua defesa de forte tom social ao expor a situação dos pequenos agricultores diante da ameaça de hegemonia dos transgênicos.
Acusa Executivo e Legislativo de trabalharem a favor de marcos regulatórios que serviriam de adubo aos interesses da transgenia. E alerta para a questão da patente sobre sementes. O ponto de vista meio-termo, do terceiro texto, ajudará a manter certo distanciamento do leitor das conclusões precipitadas. Ricardo Abramovay, professor de economia da USP, começa com uma questão: “Por que razão nem os cientistas nem os próprios protagonistas envolvidos diretamente com o tema conseguem chegar a uma conclusão unificada em torno da conveniência ou não da pesquisa, da produção, do uso e do consumo humano e animal de organismos geneticamente modificados na agropecuária?”
E orienta: “Seria absurdo considerar que o ponto de vista favorável aos transgênicos é ilegítimo por coincidir com poderosos interesses privados. Mas seria igualmente absurdo descartar de antemão os riscos ambientais que a adoção dos transgênicos oferece para a diversidade biológica de que depende a própria atividade agropecuária.” O autor pede ao leitor apenas para dar uma oportunidade à controvérsia, que desempenha papel relevante seja para aqueles que querem enxergar o problema como ciência ou como mera invenção do mercado.
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