Tegan Renner
A o longo das últimas três décadas a agricultura orgânica ganhou uma dimensão global com a criação de um sistema de certificação por terceiros voltado para atender requisitos do mercado internacional. Esse sistema se disseminou enormemente nos últimos anos, trazendo consigo mais desafios do que oportunidades aos produtores familiares, especialmente os dos países do Sul. Muitos acatam os princípios da agricultura orgânica, mas não conseguem vender seus produtos nesses mercados uma vez que lhes falta a certificação por terceiros.
O fato é que a maioria dos agricultores não pode arcar com os altos custos implicados nesse sistema de certificação. A vasta documentação exigida também é vista freqüentemente como um obstáculo. Além dessas barreiras, deve-se levar em conta que os padrões internacionais para a produção orgânica como os da Ifoam (Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica) foram desenvolvidos por pessoas dos países do Norte, apesar de 75% de seus membros serem do Sul. O resultado são padrões que não consideram os climas ou as economias do Sul.
Diante desses desafios, pequenos produtores de todo o mundo criaram sistemas alternativos para a certificação que são adaptados às suas realidades ecológicas e econômicas locais. Ainda que fundados nos princípios da agricultura orgânica, esses sistemas comumente não são presos aos padrões básicos da Ifoam. Eles incorporaram as modificações necessárias para refletir as necessidades da comunidade, incluindo diferentes meios culturais de assegurar a qualidade “orgânica”. As mudanças mais básicas envolvem a redução da papelada e dos custos de certificação.
A ênfase no caráter participativo dada por todos esses sistemas alternativos cunhou o termo geral “sistemas participativos de garantia” (SPGs). Com foco na comunidade, os padrões são criados conjuntamente por produtores e consumidores que se beneficiarão do sistema. Dessa forma, a transparência e a participação configuram- se como valores centrais nos sistemas alternativos de certificação.
A confiança também é um dos pilares do SPG, não só por conta de sua criação coletiva, mas também em função da relação continuada entre produtores e consumidores na compra direta em mercados e feiras e na estreita relação entre produtores que trabalham juntos para manter o sistema funcionando. A troca de informações e experiências entre os participantes ajuda a construir esses laços de confiança mútua. Nesse sentido, a formação é outro componente chave do SPG. O compartilhamento de soluções e a realização de encontros para discutir temas ligados ao manejo da propriedade é uma prática corrente nesses sistemas. A maioria dos SPGs apresenta estrutura não-hierárquica que é garantida pela distribuição de responsabilidades relativamente igualitária entre os produtores que integram o sistema.
A Rede Ecovida de Agroecologia, no Sul do Brasil, é um exemplo dos mais significativos de SPG. O sistema, composto por ONGs locais e instituições de pesquisa, envolve como membros 2.300 famílias de agricultores, 25 organizações de assessoria, 15 grupos de consumidores, 8 firmas de comercialização e 7 pequenas agroindústrias. A maioria dos agricultores da Rede comercializa seus produtos individual ou coletivamente em feiras e mercados locais. Outros vendem para cooperativas ou unidades de processamento que também fazem parte da Rede. Os membros recebem um valor prêmio pela certificação e podem ficar com uma fatia maior do lucro, já que o sistema dispensa a ação dos atravessadores.
A Ifoam relata a existência de dezenas de SPGs pelo mundo, que variam em escala e abordagem. Embora os SPGs tenham princípios fundadores comuns, a forma deles operarem varia de acordo com as demandas das comunidades locais. Deve- se destacar que mesmo em um sistema como o da Rede Ecovida, o foco continua sendo o do consumo direto e local. Há no movimento dos SPGs aqueles que desejam acessar nichos de mercado no Norte, mas essa ambição ainda está longe de ser concretizada. Existem vários sinais de que a Ifoam reconhece a importância dos SPGs nas relações de consumo local e direto, mas não como um sistema voltado à exportação. Recentemente ela publicou uma série de sugestões para orientar ONGs e governos na promoção de SPGs. Suas idéias incluem a construção da credibilidade desses sistemas por meio da criação de mercados locais, pela viabilização de melhores condições de acesso aos mercados urbanos pelos produtores, e outras iniciativas. Os SPGs representam a oportunidade de o movimento orgânico novamente apoiar o consumo local, ao mesmo tempo em que fortalece laços comunitários, economias e o meio de vida rural.
Tegan Renner
Universidade de Waterloo, Ontário, Canadá
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Referências:
FAO, 2007. Participatory Guarantee Systems for marketing organic products, Brazil. Food and Agriculture Organization, Rome, Italy.
IFOAM, 2007. Participatory Guarantee Systems: shared vision, shared ideals. International Federation of Organic Agriculture Movements, Bonn, Germany.
Raynolds, Laura T., 2004. The globalization of organic agro-food networks. World Development, 32,5.
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Revista V5N2 – Sistemas Participativos de Garantia possibilitam certificação alternativa