29 de setembro a 3 de outubro de 2014
Por Lim Li Lin (Third World Network) e Doreen Stabinsk (College of the Atlantic)
publicado em 10/11/2014
Após uma semana de controversas negociações, as partes (ou os países membros) concordaram em dar continuidade ao trabalho de regulamentação de organismos geneticamente modificados (OGMs). Disputas de interesse entre os países que consideram que os OGMs requerem cuidados específicos em sua regulação e aqueles países contrários a tais medidas resultaram, porém, em modesto progresso para a regulação da biossegurança em nível internacional.
A 7ª Conferência das Partes para a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas serviu também para a realização do Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (COP-MOP7), e foi sediada em Pyeonchang, Coréia do Sul, entre 29 de setembro e 3 de outubro.
O Protocolo de Cartagena possui adesão bastante ampla, envolvendo 168 países. Porém, muitos dos países que não estão no Protocolo são grandes produtores e exportadores de OGMs, tais como EUA, Canadá e Argentina. Além disso, países parte do Protocolo, como, por exemplo, o Brasil e o Paraguai, são grandes produtores e exportadores de soja transgênica. Há ainda países (ou seus representantes) que são política ou ideologicamente alinhados com a indústria de biotecnologia.
Neste encontro, a posição polarizada dos países resultou em disputas prolongadas que tiveram como foco dois temas centrais sobre os OGMs: (i) a avaliação de riscos e gestão de riscos (AR e GR) e (ii) as considerações socioeconômicas sobre o uso dos OGMs.
O debate sobre a definição desses conceitos (AR e GR) ocorreu em função de que, no âmbito do Protocolo, os países membros são obrigados a realizar a AR e a GR para que seja possível tomar decisões sobre a comercialização e a importação de organismos vivos modificados (OVMs, que é a terminologia adotada no âmbito do Protocolo). Além disso, a dimensão das considerações socioeconômicas também deve ser levada em consideração no processo de tomada de decisões sobre OVMs. Em particular, a maioria dos países em desenvolvimento confere grande ênfase às considerações socioeconômicas nas decisões sobre OVMs, paralelamente às questões científicas e técnicas que analisam a questão dos riscos.
Avaliação de risco e gestão de risco
No âmbito da Avaliação de Risco e da Gestão de Risco, os debates na COP-MOP7 tomaram como base um relatório do Grupo de Peritos Técnicos (AHTEG – Ad Hoc Technical Expert Group) sobre o tema, incluindo também um manual de orientação e treinamento sobre AR para OVMs, e centraram as discussões no debate sobre a necessidade ou não de se ampliar as orientações e os aspectos específicos sobre os instrumentos da avaliação de risco.
As recomendações anteriores do AHTEG, organizadas no documento “Orientações para Avaliação de Risco em Organismos Vivos Modificados”, foram apresentadas durante a COP-MOP6, realizada em Hyderabad, na Índia, em 2012, quando os países membros, apesar do reconhecimento dos avanços realizados sobre o tema, optaram por não adotar suas orientações e apenas recomendaram a realização de testes em nível nacional e regional. Ainda em 2012 foi constituído um novo grupo para trabalhar no aperfeiçoamento das orientações, juntamente com a construção de um fórum online para contribuições.
Nesse período, os trabalhos versaram sobre três pontos principais no que tange à regulamentação da AR sobre OVMs: i) produção de subsídios à Secretaria Executivo da CDB sobre a realização de testes das orientações e análise dos resultados; ii) coordenação, junto à CDB, para o desenvolvimento de padrões de alinhamento das orientações sobre AR e do manual de treinamento elaborado anteriormente pela Secretaria; e iii) considerações sobre desenvolvimento de orientações acerca de novos temas de AR e GR. Ao final desse processo de discussão, o AHTEG recomendou o endosso das orientações anteriores, bem como o manual de treinamento que está vinculado a essas orientações. A proposta do AHTEG recomenda também um mecanismo particular de aprimoramento das orientações sobre AR, que leva em consideração a ideia de que as orientações devem ser entendidas sempre como um “documento vivo”, ou seja, sempre em construção e aberto a novas contribuições.
Alguns países mantiveram forte oposição aos encaminhamentos, enquanto outros se opuseram ao endosso das orientações, mas aceitaram permitir o uso das orientações, juntamente com a realização de testes futuros. Houve ainda um grupo de países que queriam, por sua vez, que as orientações fossem endossadas ou adotadas integralmente. Na decisão final, tanto o AHTEG quanto o fórum online foram estendidos, com a proposta de rever e melhorar as orientações a partir do feedback fornecido por meio da realização de testes. O objetivo é construir uma versão “melhorada” do guia para o COP-MOP8, a ser realizada em 2016.
Em linhas gerais, a decisão final não evoluiu em orientações específicas sobre o tema da avaliação de riscos. Os países foram convidados apenas a apresentar informações sobre “suas necessidades e prioridades para próximas orientações sobre temas específicos de AR de OVMs”, apesar do fato de esse tipo de consulta já ter sido realizado.
Considerações socioeconômicas
A questão das considerações socioeconômicas acerca dos impactos dos OVMs foi um dos temas mais controversos e polêmicos durante as discussões na COP-MOP7. Por um lado, países em desenvolvimento queriam preservar seus direitos de considerar os efeitos socioeconômicos nas decisões sobre OVMs. Por outro, alguns países desenvolvidos se opuseram, afirmando que as decisões sobre OVMs deveriam ser tomadas somente ou prioritariamente com base nos pareceres técnico-científicos das avaliações de risco. O tema das considerações socioeconômicas na avaliação dos impactos dos OVMs já havia sido assumido no Artigo 26 do Protocolo de Cartagena, que estabelece que “os países membros podem considerar, de modo coerente com suas obrigações internacionais, as considerações socioeconômicas decorrentes do impacto dos OVMs no uso sustentável da diversidade biológica para as comunidades indígenas e locais no que se refere à tomada de decisões sobre importação no âmbito do Protocolo ou de suas medidas internas para implementar o Protocolo”.
Sobre este assunto, o debate na COP-MOP7 esteve relacionado à pertinência ou não da continuidade do trabalho do AHTEG no que diz respeito à construção de orientações específicas para a questão das considerações socioeconômicas, e também buscando avaliar se a definição conceitual do que viriam a ser “considerações socioeconômicas” tem sido ou não suficientemente abordada pelo AHTEG, que havia anteriormente adotado uma abordagem descritiva para tratar do assunto, já que não foi possível estabelecer uma definição conceitual precisa para essa questão que fosse acordada por todas as partes.
Como resultado das discussões na COP-MOP7, os países membros concordaram apenas que o trabalho do AHTEG deverá continuar de maneira cuidadosa e se voltar ao desenvolvimento de orientações que deverão ser apresentadas em um relatório para a próxima COP-MOP. Encaminhou-se também que serão organizados grupos de discussão online para facilitar a troca de opiniões, informações e experiências, inclusive sobre as obrigações internacionais que possam ser relevantes para as considerações socioeconômicas.
O Brasil entrou nesse tema insistindo que o AHTEG não cumpriu seu mandato de desenvolver clareza conceitual e deveria, portanto, primeiro completar essa etapa antes de seguir para outras atividades tais como o desenvolvimento de diretrizes.
Num momento seguinte o país cedeu um pouco em sua posição e propôs uma abordagem em etapas, que foi depois acatada pela COP-MOP7, segundo a qual as Partes concordaram em avançar com o desenvolvimento de um guia atribuindo mandato ao AHTEG para trabalhar no desenvolvimento do texto ao mesmo tempo em que se trabalha na finalização da clareza conceitual.
No tópico sobre a realização ou não de um estudo sobre obrigações internacionais, o Brasil afirmou que apoiaria sua realização e estaria disposto a contribuir financeiramente com o processo.
Movimentos transfronteiriços involuntários e medidas de emergência
O Artigo 17 do Protocolo de Cartagena aborda o assunto dos movimentos transfronteiriços involuntários e a questão das medidas de emergência que podem ser tomadas em casos desse tipo. O Protocolo exige que os países membros tomem medidas apropriadas para notificar as nações afetadas, ou com probabilidade de serem afetadas por um movimento transfronteiriço não intencional relacionado à utilização de OVM que possa ocasionar impactos à biodiversidade e à saúde humana. Muitos casos de movimentos transfronteiriços involuntários ocorreram desde que os OVMs entraram em circulação no comércio internacional, e, na maioria desses casos, foi observada a contaminação de commodities importantes para a alimentação humana ou animal, como o milho, a soja, a canola e o arroz. Durante as negociações na COP-MOP7, os países membros realizaram também algumas discussões sobre a necessidade de distinção entre movimentos transfronteiriços involuntários (Artigo 17) e movimentos transfronteiriços ilegais (Artigo 25). Como encaminhamento, foi deliberado que os países membros devem assegurar que o “notificador” deva fornecer toda a informação necessária para detectar os OVMs, incluindo detalhes que permitam a sua identificação e a localização dos materiais de referência relacionados ao produto.
Porém, não foram definidas as informações específicas que devem ser fornecidas no caso de movimentos transfronteiriços intencionais de OVMs destinados à alimentação humana e animal e para processamento. Os encaminhamentos apontaram apenas para a criação de um sistema para facilitar a identificação de notificações relativas a movimentos transfronteiriços intencionais de OVMs. Adicionalmente, foi também sugerido o trabalho contínuo de uma rede de laboratórios focados na identificação de OVMs, bem como atividades online e presenciais sobre essa temática.
Manuseio, transporte, embalagem e identificação
No que diz respeito ao manuseio, ao transporte, à embalagem e à identificação de OVMs, os países membros decidiram continuar adotando a controversa rotulagem que apenas atesta que determinado produto “pode conter” OVM. Esse tipo de informação começou a ser utilizado a partir de 2006, após os encaminhamentos tomados na COP-MOP3, realizada em Curitiba, Brasil. Desde este ano, os países membros afirmaram compromisso em analisar e avaliar a experiência adquirida com essa estratégia de rotulagem. Nesse mesmo período, ficaram também de considerar a necessidade de um “documento único”, a ser padronizado globalmente para regular as formas como deve ocorrer o transporte de OVMs. No âmbito da COP-MOP7, decidiu-se por continuar a utilização do tipo de rotulagem que indica que um produto “pode conter”, especialmente para identificar os movimentos transfronteiriços de OVMs, o que reflete o fato dos países membros não terem entrado em acordo acerca da necessidade de novos padrões para práticas de identificação, manuseio, embalagem e transporte de OVMs.
Trabalhos futuros e organização da próxima reunião
A próxima COP MOP ocorrerá no México, em 2016. Como encaminhamento da COP-MOP7, deliberou-se que as próximas reuniões da Conferência das Partes da CDB, do Protocolo de Cartagena e do Protocolo de Nagoya serão realizadas paralelamente, ao longo de um período de duas semanas de discussão (até então, a reunião do Protocolo de Cartagena vinha sendo realizada uma semana antes da COP).
Os encontros simultâneos dos três grupos durante o período de duas semanas representam um desafio de organização e logística, que foi visto como necessário à promoção da melhor eficiência e integração no trabalho da COP e da COP-MOP do Protocolo de Cartagena. Entretanto, para os países em desenvolvimento, que participam com pequenas delegações e que frequentemente não possuem fluência em inglês, isso pode representar uma dificuldade. Várias reuniões simultâneas exigem um número grande de membros de uma delegação para que o país possa participar e ser representado em todas as atividades. Além desse desafio, a tradução em todos os seis idiomas oficiais da ONU é normalmente restrita a duas salas de reuniões, onde são realizadas reuniões maiores. Assim, a disponibilidade de recursos financeiros é fundamental para garantir que os países tenham igualdade de condições nas negociações.
A COP-MOP7, além dos temas aqui retratados, também tomou decisões sobre outras questões, concernentes aos seguintes temas: biossegurança; cooperação com outras organizações, convenções e iniciativas; o Protocolo Suplementar de Nagoya-Kuala Lumpur sobre Responsabilidade e Compensação (no âmbito do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança e ainda não em vigor); monitoramento e produção de relatórios; avaliação e análise da eficácia do Protocolo de Cartagena; questões relacionadas ao mecanismo financeiro; o conteúdo dos organismos vivos modificados; e, por fim, sobre a administração do Protocolo.
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Tradução: José Renato Porto