Jean Marc von der Weid, economista e coordenador de políticas públicas da AS-PTA e membro do Condraf/MDA (Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável).
O potencial do mercado de produtos transgênicos e seus agrotóxicos associados deve situar-se na ordem dos bilhões de reais por ano para as empresas detentoras das patentes desta tecnologia.
Para aprovar a liberação destes produtos sem restrições no mercado brasileiro as empresas estão dispostas a fazer lobby sem limites de custos e já mostraram seu poder de fogo nestes oito anos de luta política em torno ao tema da biossegurança.
Isto é apenas normal em um sistema capitalista muito embora seja eticamente criticável a propaganda enganosa que fazem da “inocuidade” de seus produtos para a saúde humana ou para o meio ambiente.
O que é menos aceitável é a atitude dos governos que vieram a tratar do assunto, tanto o de FHC como o de Lula, mais ainda este último.
Como podemos avaliar o envolvimento de pessoas vinculadas a entidades de promoção de transgênicos, sabidamente financiadas por empresas de biotecnologia na formulação e decisão da legislação de biossegurança no país?
Não se trata de criticar o direito da Monsanto ou qualquer outra empresa de defender seus pontos de vista, mas da presença em vários ministérios do Governo Lula de pessoas cujos pontos de vista, coincidentemente, são os das empresas.
Como e porque o Governo Lula escolheu para discutir a regulamentação da Lei de Biossegurança conhecidos defensores da liberação sem reservas dos transgênicos para uso comercial no Brasil?
No grupo de trabalho que a Casa Civil coordenou para formular o decreto de regulamentação da lei encontramos pessoas ligadas ao CIB, Conselho de Informações sobre Biotecnologia, entidade criada pelas empresas deste ramo, à Anbio, Associação Nacional de Biossegurança, que recebe recursos das empresas e as tem como “sócios corporativos e institucionais”, que foram funcionários de escritórios de advocacia que representavam os interesses destas empresas antes de integrar o governo ou que presidiram a CTNBio, Comissão Técnica Nacional de Biossegurança nos tempos do Governo FHC, comportando-se como verdadeiros promotores desta tecnologia ao invés de procurarem assegurar-se rigorosamente de sua inocuidade.
A grande maioria dos membros deste grupo de trabalho defendeu uma série de medidas para dar isenção, transparência e seriedade ao funcionamento da próxima CTNBio mas a Casa Civil prefere dar preferência às opiniões dos representantes do Ministério da Agricultura e da C&T, que lutam para garantir uma CTNBio bem favorável às liberações facilitadas dos transgênicos.
Entre os pontos polêmicos em debate estão a forma de escolher os 12 cientistas que comporão o corpo mais técnico da Comissão, o quorum para as liberações comerciais e a definição dos conflitos de interesse para a participação dos membros da comissão nas deliberações.
A sociedade civil defende que a lista tríplice de cientistas a ser levada para a escolha do Ministro da C&T seja organizada pela SBPC, visando indicar profissionais de múltiplas especialidades que possam cobrir os diferentes tipos de riscos que os transgênicos podem implicar.
Os defensores da liberação facilitada preferem criar uma comissão em que a SBPC será uma entidade entre outras, que o próprio ministro indicará.
O ministro já mostrou que está do lado “dos transgênicos” ao indicar como seu representante neste tema um ex-presidente da CTNBio, versão FHC, ardoroso defensor da idéia de que os transgênicos não representam qualquer risco para a saúde ou para o meio ambiente, certamente pouco isento para indicar as entidades que escolherão a lista tríplice.
Será que vamos ver a SBPC ladeada pela Anbio e pelo CIB? Ou pelas entidades científicas vinculadas apenas à engenharia molecular? Ou pela Associação Brasileira de Nutrologia que já vem se manifestando francamente a favor das “vantagens” dos transgênicos?
E será que poderemos considerar isento de pré julgamentos este mesmo senhor que terá papel chave na escolha dos cientistas entre os que constarão da lista tríplice?
A sociedade civil defende que a liberação comercial dos transgênicos seja decidida por 2/3 dos membros da CTNBio e os pró transgênicos que o seja por maioria dos membros presentes à decisão.
O quorum para o funcionamento da CTNBio é de 14 membros e a maioria poderá ser, em reuniões em que apenas se tenha o quorum mínimo, de 8 votos num total de 27 membros da Comissão.
Mesmo que todos os membros estejam presentes, a maioria seria de 14 votos. Será prudente liberar comercialmente produtos tão controversos em todo mundo por apenas um voto de diferença?
Este tipo de situação poderia situar de um lado, por exemplo, os especialistas da área de saúde humana em minoria frente a outros especialistas de outras áreas.
A maioria não fará os transgênicos mais seguros, mas permitirá a sua liberação sem problemas.
Finalmente, a sociedade civil defende que os membros da CTNBio assinem um documento explicitando eventuais conflitos de interesse que possa ser divulgado e questionado pela sociedade. Que quer dizer isto?
Que um membro da CTNBio terá que identificar seus vínculos empregatícios presentes e passados e declarando-se impedido para decidir sobre liberações do interesse de empresas e instituições para quem, direta ou indiretamente trabalhou ou trabalha.
Os pró transgênicos preferem que os membros da CTNBio se declarem impedidos apenas nos casos em que se decidirá a liberação de produtos transgênicos em que eles mesmos estejam diretamente envolvidos.
Ou seja, se eles vão votar a liberação de um transgênico da mesma empresa para a qual trabalham, mas de cujo desenvolvimento não participam diretamente não haverá, na opinião dos pró transgênicos, conflito de interesse.
Trata-se de uma aberração no que tange o interesse público e a ética que a Casa Civil parece considerar normal.
A sociedade civil sabe que os transgênicos são produtos com alto potencial para o futuro mas que demandam ainda muita pesquisa para se tornarem sem riscos significativos e com vantagens tecnológicas evidentes.
O que pedem é uma CTNBio isenta, transparente e rigorosa na defesa do interesse público. O governo está dividido sobre este tema mas o rolo compressor pró transgênicos está dentro dele e em posições de força.
O presidente Lula sabe muito bem que os movimentos sociais que hoje são seu último amparo têm posições críticas em relação aos transgênicos e deveria estar atento ao risco de aliená-los.
Já se ouve de vários membros do governo que a responsabilidade da posição pró transgênicos do Governo Lula se deve a acordos do ex-ministro José Dirceu com a bancada ruralista “para garantir a governabilidade”.
Dirceu parece ter costas muito quentes agora que está fora do governo, mas sua sucessora age da mesma forma. O presidente vai defender o interesse público ou ceder ao bloco pró transgênicos?