“A dor da morte é não acabar com o nordestino
A dor do nordestino é ter as pena exagerada”
(Guerra de Facão – Wilson Aragão)
Após oito anos de parceria com o Governo Lula, a decisão do governo federal, expressa pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), de não mais renovar os Termos de Parceria com a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), pode levar ao fim uma das ações mais consistentes de garantia de água para as famílias do meio rural semiárido: o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). Sem dúvida o maior programa com apoio governamental de distribuição de água e cidadania, em uma região onde antes só existia fome, miséria e a indústria da seca.
O P1MC, premiado até pela Organização das Nações Unidas (ONU), gestado e executado pela ASA (rede de organizações da sociedade civil), já beneficiou diretamente mais de dois milhões de pessoas, em 1.076 municípios, a partir da construção de quase 372 mil cisternas de placas, envolvendo 12 mil pedreiros e pedreiras. Os resultados são tão expressivos que a construção de cisternas se configura como a principal proposta do Programa Água para Todos.
A argumentação é que a partir de agora o governo federal vai priorizar a execução do Programa, que integra o Plano Brasil Sem Miséria, apenas via municípios e estados, excluindo a sociedade civil organizada. A sugestão dada pelo MDS é que a ASA negocie sua ação em cada um dos estados contemplados.
Para além da parceria com estados e municípios, o governo também anuncia a compra de milhares de cisternas de plástico/PVC de empresas que começam a se instalar na região. Ou seja, o governo não apenas rompe com a ASA, mas amplia a estratégia de repasse de recursos públicos para as empresas privadas.
Consideramos isso um retrocesso, o que pode gerar um retorno claro e nítido a velhas práticas da indústria da seca, onde as famílias são colocadas novamente como reféns de políticos e empresas, tirando-lhes o direito de construírem sua história. É também uma tentativa de anular a história de luta e mobilização no Semiárido, devido à incapacidade do próprio governo em atuar com as ONGs, sem separar o joio do trigo, e não ter, até hoje, construído um marco regulatório para o setor, uma das promessas de campanha da presidenta Dilma.
A autonomia da execução das suas ações e a transparência no uso dos recursos sempre foi base para esse trabalho. Vale salientar que a ASA foi considerada pelo ministro chefe da Controladoria Geral da União, Jorge Hage Sobrinho, na abertura do Seminário Internacional sobre Marco Legal, e pelo secretário executivo do mesmo órgão, Luiz Navarro, em programa aberto de TV, um exemplo na gestão de recursos públicos.
As ações da ASA não são reconhecidas apenas no Brasil, que renderam uma dezena de prêmios, a exemplo do Prêmio Direitos Humanos – categoria Enfrentamento à Pobreza, promovido pelo próprio governo federal e entregue pelo então presidente Lula, no final do ano passado, mas também internacionalmente, como referência de gestão e inclusão social no campo do acesso à água e do direito à segurança alimentar e nutricional das famílias carentes do Semiárido (ONU).
Nesse contexto, a ASA avalia que o Estado precisa cumprir sua função na garantia dos direitos da população brasileira, inclusive, dando condições para que os entes federativos possam executar as políticas localmente. No entanto, isso não pode significar a exclusão da sociedade civil organizada e o desprezo a sua capacidade de contribuição que tanto já serviu de modelo para atuais políticas públicas, em especial às de convivência com o Semiárido.
Cordenação Executiva da ASA
12 de dezembro de 2011