A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), um movimento que está integrado cada vez mais com os pequenos produtores e camponeses familiares, tanto no Brasil, como em redes internacionais, aprovou uma série de reivindicações para a Rio+20. “A verdadeira saída para a crise é fortalecer a agricultura camponesa, que mesmo sem o apoio dos governos satisfaz 70% da necessidade de alimentos do mundo”, diz Denis Monteiro, um dos coordenadores da ANA.
Por Najar Tubino, da Carta Maior
Rio de Janeiro – A Cúpula dos Povos é um evento diverso, mas também muito disperso. As tendas maiores onde se concentram as grandes discussões, estão espalhadas, mas alguém esqueceu de numerá-las na frente. A pergunta mais frequente é onde acontecerá tal palestra Onde fica a tenda número tal. E perdidos. Então além da busca por representantes dos movimentos sociais, é preciso correr para conseguir alguns minutos de conversa. No domingo, dia 17, consegui vencer a correria, depois de algumas horas participando de duas plenárias, uma sobre soberania alimentar, onde e economia solidária.
A agricultura e pecuária ocupam 30% da área continental do mundo, são cerca de 8,7 bilhões de hectares para cultivos, pastagens e florestas. Cerca de dois bilhões de hectares foram degradados desde a II Guerra Mundial. Essas atividades consomem 70% da água empregada nas atividades humanas. Números que impressionam, mas que só expressam o tamanho do problema que os povos enfrentam neste momento.
Recentemente a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), um movimento que está integrado cada vez mais com os pequenos produtores e camponeses familiares, tanto no Brasil, como em redes internacionais, aprovou uma série de reivindicações para a Rio+20. Estão em debate, para fazer parte do documento final da Cúpula dos Povos, será redigido no dia 20, na abertura do encontro oficial no Riocentro. Denis Monteiro, um dos coordenadores da Ana estava na plenária e explicou os principais pontos.
“- Diante da crise econômica, as alternativas que os mercados e os governos estão incentivando não vão resolver o problema. Produzir mais agrocombustíveis não vai resolver a crise energética. Não adianta querer colocar preço nos serviços ambientais, para serem incorporados nos mecanismos de mercado. O REDD é uma mera compensação. A verdadeira saída para a crise é fortalecer a agricultura camponesa, que mesmo sem o apoio dos governos satisfaz 70% da necessidade de alimentos do mundo.”
As mudanças climáticas, a disseminação dos transgênicos o aumento do uso de agrotóxicos se encaixam nesse perfil de mudanças, se os parâmetros da agroecologia fossem incorporados na produção de uma maneira extensiva. O problema é que o sistema como um todo precisa mudar. E os incentivos sempre são encaminhados para o agronegócio. O fundamento da mudança é que mobiliza os movimentos como a Via Campesina. Não somente no Brasil.
Javier Sanchez Anso, espanhol da região de Aragon, membro da coordenação do seu país, está participando da Cúpula como representante da Via Campesina Europa – ele é um dos componentes do grupo que participarão das discussões no Riocentro. A Via Campesina Internacional foi criada em 1989, na Bélgica, com a idéia de fortalecer o movimento dos agricultores mundialmente, porque todos têm a mesma linha, a mesma preocupação, os mesmos interesses.
– “Entre as décadas de 1950 e 1980, na Europa foram implantadas as políticas neoliberais, que pregavam a ida dos agricultores para as cidades, precisam ser liberados para as indústrias, o comércio, ou fazer uma carreira universitária. Estavam todos impregnados de mercado. A Política Agrícola Comum dos países europeus, com o apoio do Banco Mundial incentivava a economia de escala e a exportação em grandes volumes. Foi uma época que junto com os Estados Unidos dominávamos a produção de alimentos no mundo. Ainda hoje, esse sistema de produção custa 50 bilhões de euros, ou cerca de 100 euros por cidadão na Europa, explica Javier Anso.
O pior é que ainda massacravam o mercado mundial com grandes estoques e crédito à vontade, com um ano de prazo para pagamento. O problema é que agora o barco mudou de direção. Na Espanha, apenas 6% das pessoas que trabalham no campo têm menos de 35 anos. E mais de 60% dos trabalhadores e produtores no campo têm mais de 60 anos. Ao longo das últimas décadas a União Europeia acabou com as políticas de acesso à terra, financiamento que liberavam propriedades de 4, 5 hectares, como algumas que ainda existem hoje em dia, em Aragon.
E agora, argumenta Javier, os pais dos jovens que antes iam para a cidade, não podem dar este conselho aos filhos. Porque o desemprego entre os jovens na Espanha é de 50%. A mudança do sistema agrícola com uma política de incentivo aos jovens, com informação e formação em agroecologia, é uma das saídas. É preciso um período de transição, com marco regulatório, afinal quem produz precisa saber em que condições poderão vender. Com ênfase nos mercados locais, estabelecendo uma relação entre consumidores das cidades e produtores vizinhos.
– Precisamos saber como daremos esse passo da transformação do modelo de produção, como serão os novos tributos, os financiamentos, as garantias reais para viabilizar o novo modelo. Posso garantir que 90% dos produtores não mudam para a agroecologia porque não tem legislação que ampare. “Inclusive em Aragon temos a maior área de transgênicos da Espanha, cooptados pelo próprio governo”, acrescentou Javier Anso.
Por isso, eles estão organizando outro tipo de fórum de discussão, estabelecendo novas alianças a nível mundial, chamado de “Foro Nieleny”. A Via Campesina da Europa congrega os 17 países da zona do euro, tem a moeda em comum, e conta com observadores, ou representantes solidários, na Geórgia, Sérvia, Bósnia e Rússia. Continua na mesma linha original: romper a lógica da organização, sair modelos atuais de fazer política e de organização. “Só com a luta comum poderemos mudar o sistema”, definiu Javier Anso.
O problema das temáticas, todas detalhadas, em vários blocos é que não identificam apenas um ponto a atacar. Esta é a proposta do boliviano Pablo Solon, trabalha na Tailândia, numa organização social chamada FOCUS. O alvo são os bancos, o sistema financeiro internacional, com seus trilhões de dólares rodando 24 horas por dia, em diferentes moedas, em aplicações bilionárias na área de alimentos, ou commodities – mercadorias que tem preço definido no mercado internacional.
– Nós podemos nacionalizar o gás, o petróleo, porém o verdadeiro setor que está sempre por trás de tudo, é o financeiro. E ninguém ataca os bancos. É o setor que mais ganhou especulando, do que produzindo. É uma realidade surrealista. Temos uma economia mundial que envolve US$63 trilhões de dólares, e calcula-se que existam l.5 quatrilhões em derivativos. Nem sabemos o que significa esta cifra. “São 250 vezes maior do que a economia mundial”, argumenta Pablo Solon.
A verdade é que nunca identificamos o verdadeiro culpado. A única saída é enquadrá-los. Mas quem vai fazer isso? A proposta de Solon é que os parlamentos nacionais desenvolvam a questão. Outro problema, pois é necessário muito esclarecimento para que os movimentos convençam a população do verdadeiro inimigo. De qualquer forma sem mexer no sistema financeiro, todas as outras mudanças estão prejudicadas. E é justamente esse sistema que está por trás da economia verde. Bônus e títulos de mercado serão negociados livremente em bolsas. Será o paraíso dos fundos de hedge, quem contam com bilhões para investimentos com retorno garantido. Junto com fundos de pensão internacionais e fundos de private equity, que compram empresas, formarão a base financeira da negociação dos bônus da economia verde.