A crise econômica, a crise ecológica e a crise alimentar são todas reflexo de um paradigma econômico ultrapassado e fossilizado – um paradigma que surgiu da mobilização de recursos para a guerra criando a categoria do ‘crescimento’ e um paradigma que está enraizado na era do petróleo e dos combustíveis fósseis. Ele é fossilizado porque é obsoleto e porque é um produto da era dos combustíveis fósseis. Precisamos ir para além desse paradigma fossilizado se quisermos responder às crises econômica e ecológica atuais.
Economia e ecologia têm a mesma raiz, oikos, uma palavra do grego antigo que significa ‘casa’ – tanto nosso lar planetário, a Terra, quanto o lar onde vivemos nossas vidas cotidianas em família e comunidade.
Mas a economia extraviou-se da ecologia, esqueceu o lar e ficou focada no mercado. Um ‘índice de produção’ artificial foi criado para medir o Produto Interno Bruto (PIB). Este índice definiu o trabalho e a produção para autossustentação como ‘não produção’ e ‘não trabalho’, entendendo que, se você produz o que consome, você não produz. Numa derrubada cruel, o trabalho da Natureza como fornecimento de bens e serviços desapareceu. A produção e o trabalho das economias de sustentação desapareceram e, com eles, em particular, o trabalho das mulheres.
À falsa medida de crescimento é adicionada, então, uma falsa medida de ‘produtividade’. A produtividade é o resultado em relação aos fatores de produção unitários. Na agricultura, isso deveria envolver todos os produtos dos agroecossistemas biodiversos – adubos, energia e alimentos provenientes da criação de animais; o combustível, forragens e frutas das agroflorestas; os diversos produtos das diferentes colheitas. Quando medidas honestamente em termos de resultado total, pequenas unidades produtivas biodiversas produzem mais e são mais produtivas.
Os fatores de produção devem incluir todos os insumos – capital, sementes, químicos, maquinário, combustíveis fósseis, mão de obra, terra e água. Mas a falsa medida da produtividade seleciona apenas um resultado entre os diversos resultados: a única mercadoria que será produzida para o mercado; e somente um insumo entre os diversos insumos: a mão de obra.
Dessa forma, as monoculturas industriais com baixos resultados e utilização de um índice elevado de insumos químicos – que, na verdade, têm uma produtividade negativa – são artificialmente tornadas mais produtivas que as pequenas unidades de produção biodiversas e ecológicas. E isso está na raiz da falsa suposição de que as pequenas unidades produtivas devem agora ser substituídas pelas grandes fazendas industriais.
Essa medida de produtividade falsa e fossilizada está na raiz das múltiplas crises que enfrentamos na agricultura e na alimentação. Ela está na raiz da fome e desnutrição porque, enquanto as commodities aumentam, a alimentação e a nutrição desaparecem do sistema agrícola. O ‘rendimento agrícola’ mede o resultado de uma única mercadoria, não a produção dos alimentos e da nutrição.
E essa medida de produtividade também está na raiz da crise agrária. Quando os custos dos insumos continuam aumentando, mas não são contados na medição da produtividade, pequenos agricultores à margem são levados a um modelo agrícola de alto custo que resulta em dívidas e, em casos extremos, na epidemia de suicídios de agricultores que temos testemunhado.
Também está na raiz da crise do desemprego. Quando as pessoas são substituídas por escravos de energia devido à falsa medida da produtividade baseada somente na mão de obra disponível, a destruição de modos de vida e trabalho é resultado inevitável.
Também está na raiz da crise ecológica. Quando se aumentam insumos como os recursos naturais, combustíveis fósseis e insumos químicos, mas estes não entram na contabilidade, mais água e terra são desperdiçados, mais químicos tóxicos são utilizados, mais combustíveis fósseis tornam-se necessários. Em termos de produtividade dos recursos, a agricultura industrial é altamente ineficiente. Ela usa 10 unidades de energia para produzir apenas uma unidade de alimento. Ela é responsável por 75% do uso da água, 75% do desaparecimento da diversidade de espécies, 75% da degradação do solo e da terra e 40% das emissões de gás de efeito estufa que estão desestabilizando o clima. E, de acordo com um relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) recentemente lançado, eventos extremos devidos a um clima instável causam um custo anual de, em média, 80 bilhões de dólares.
Precisamos abandonar esses indicadores falsos e fossilizados para utilizarmos indicadores reais que refletem a saúde verdadeira da Natureza e o bem-estar real da economia.
Na alimentação e na agricultura, devemos transcender a falsa produtividade de um paradigma fossilizado e abandonar o foco limitado sobre a produtividade da monocultura como único resultado e do trabalho humano como único insumo. Ao invés de destruir os pequenos agricultores e suas unidades produtivas, nós, do movimento Navdanya na Índia, estamos trabalhando para protegê-los porque são mais produtivos em termos reais. Ao invés de destruir a biodiversidade, estamos trabalhando para intensificá-la, pois ela fornece mais alimento e melhor nutrição.
A futuronomia, a economia do futuro, é baseada nas pessoas e na biodiversidade, não nos combustíveis fósseis, nos escravos da energia, nos químicos tóxicos e nas monoculturas. O paradigma fossilizado da alimentação e da agricultura nos traz deslocamento, privação, doença e destruição ecológica. Ele nos deu os suicídios dos agricultores e uma epidemia de fome e desnutrição. Um paradigma que roubou as vidas de 250.000 agricultores e milhões de modos de vida na Índia é evidentemente disfuncional. Ele leva ao crescimento do fluxo monetário e dos lucros das corporações, mas ele diminui a vida e o bem-estar de nossos povos. O novo paradigma que estamos criando nas bases e nas nossas mentes enriquece os modos de vida, a saúde das pessoas e todos os ecossistemas e culturas.
artigo de Vandana Shiva, publicado no Guardian, 09/01/2013.
tradução: Bruno Prado