A chegada das cisternas de polietileno (PVC) que estão sendo implantadas em pelo menos dois municípios da região da Borborema (Areial e São Sebastião de Lagoa de Roça) pelo Ministério da Integração Nacional, por meio do Departamento de Obras Contra as Secas (DNOCS), preocupa as famílias agricultoras da região e já desencadeou uma série de assembleias por parte dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais para tratar do tema.
Nesta quarta-feira, 23 de outubro, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Remígio, integrante do Polo da Borborema, realizou uma assembleia geral que discutiu o assunto. A atividade reuniu cerca de 150 agricultoras e agricultores no auditório do Centro Pastoral João XXIII, no centro da cidade. De acordo com Gizelda Beserra, da direção do STR Remígio, o objetivo da assembleia foi celebrar os resultados positivos das cisternas de placas, modelo que, segundo ela, vem dando certo e reafirmar a posição do sindicato, contrária às cisternas de plástico. Ela explica que em Remígio já foram construídas 780 cisternas de placas, num total de mais de 1,7 milhão investidos no município, e que para universalizar o acesso a este tipo de reservatório hoje, só faltam ser construídas aproximadamente 60 cisternas. Até o momento o governo não sinalizou a vinda das cisternas de PVC para Remígio, mas a dirigente explica que o trabalho é, antes de tudo, de formação: “a ideia é sensibilizar os agricultores para que se um dia as cisternas de plástico chegarem, as pessoas estejam conscientes do significado de cada um dos modelos e poderem fazer a opção por receber ou não consciente”, disse Giselda, que faz parte da coordenação do Polo da Borborema.
Euzébio Cavalcanti, presidente do STR Remígio fez uma contextualização histórica, geográfica e política das secas no semiárido brasileiro. Ele lembrou as políticas públicas de enfrentamento as estiagens de construção de grandes reservatórios, geralmente dentro das grandes fazendas, das emergências e dos carros pipa, que jamais resolveram o problema. O sindicalista contou ainda a experiência do agricultor experimentador Manoel Apolônio, conhecido como “Nel”, que inventou a cisterna de placas. Uma tecnologia que por meio da articulação das organizações da sociedade civil virou uma política pública, e hoje já beneficiou mais de 600 mil famílias em todo o semiárido. “No início as cisternas de placas eram disseminadas por agências de cooperação internacional e construídas através de Fundos Rotativos Solidários. A associação comunitária recebia recurso para construção de cinco cisternas e ia multiplicando o benefício com recursos próprios. Em 2001 a gente começou a cobrar do governo a ideia de uma cisterna em cada casa. Foi quando surgiu o programa ‘Um milhão de cisternas’, que é coordenado pela sociedade civil, porque quando os recursos iam para os governos o que a gente viu foi desvio de recursos e cisternas sendo distribuídas a cabos eleitorais. Aqui a gente discute critérios para que aquela família que precise, tenha acesso a sua cisterna como um direito e não como um benefício. O governo acertou quando trouxe a política para mais perto do povo”, afirmou.
Depoimentos – Duas agricultoras deram o seu depoimento sobre a experiência com as cisternas de placas, seja da primeira água, de beber e cozinhar, seja da segunda água de criar e produzir, do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) que foi originado a partir das experiências positivas do P1MC. Vanda Florentino, moradora do Assentamento Corredor, demonstrou preocupação com a chegada das cisternas de plástico: “Quando a chuva vem, a gente tem a garantia dessa água na porta de casa, hoje a minha cisterna calçadão é quem tá mantendo os bichos, mantendo a produção. Eu fico preocupada quando eu vejo esses caminhões entregando cisternas de plástico, fico pensando qual será o futuro dessa família, pois eu penso que essa água não seja própria para o consumo, porque ela não aguenta o sol, esquenta e derrete. Eu acho é que o governo vai gastar muito mais lá na frente com a saúde do povo com essa cisterna. A gente tende a valorizar o que é mais fácil, mais rápido, chegar lá e colocar, mas tem que pensar que assim como a vida, a nossa cisterna tem que ser construída desde o alicerce”, disse a agricultora.
Já Anilda Batista, do Assentamento Oziel Pereira, segunda agricultora a falar, lembrou a importância do processo de formação e mobilização das famílias que a cisterna de plástico não alimenta. “Para esta cisterna de plástico as pessoas não se reúnem, não discutem a convivência com o semiárido, é o político e a sua empresa que vai lá e entrega. Na nossa cisterna o dinheiro circula, não vai só pra uma empresa, vai para os pedreiros, os materiais de construção são comprados na nossa comunidade. Eu também me preocupo com a saúde, vocês sabem que todo ano a gente entra e lava a nossa cisterna duas vezes e dessa outra, pode ver, não tem nem como entrar dentro dela pra lavar, já pensou quando criar aquele lodo verde dentro?”, questiona a agricultora.
Na assembleia estava presente ainda o primeiro agricultor do município a ter a sua cisterna de placas construídas, seu José Amaral, do sítio Malhada de Dentro, ele fez questão de ressaltar a durabilidade deste modelo de cisterna, pois a sua está em perfeitas condições depois de quase 10 anos de uso. Os agricultores também assistiram a diversas matérias exibidas pelo programa nacional Globo Rural e por afiliadas da Rede Globo nos estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte mostrando denúncias de agricultores que receberam cisternas de PVC e que reclamam de problemas como aquecimento da água, derretimento e rachaduras, também de casos onde a sociedade e o prefeito se recusaram formalmente a receber as cisternas de plástico e exigiram a cisterna de placas.
Qualidade da água – José Camelo, assessor técnico da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, que acompanha e assessora a comissão de recursos hídricos do Polo da Borborema, em sua fala ressaltou a qualidade da água armazenada nas cisternas de placas: “Nós temos estudos de pesquisadores que mostram que a água da chuva é desmineralizada, pois não tem contato com a terra ou com fontes minerais do solo, mas a sabedoria do agricultor é tanta que, a água de chuva armazenada na cisterna de placas, que são feitas de cimento, areia e concreto, acaba sendo enriquecida com os minerais que tornam a água adequada para o consumo humano. Além desse aspecto, me preocupa a questão de estarmos falando em agroecologia e ao mesmo tempo jogando no meio ambiente uma quantidade enorme de plástico, como vimos os depósitos de cisternas de PVC com defeito, que só podem ser substituídas, sem conserto”, afirmou.
A assembleia foi encerrada com o compromisso dos agricultores e agricultoras em multiplicar esse debate em suas comunidades e de se organizar politicamente para de um lado, rejeitar esse modelo de cisternas de plástico e por outro, exigir que toda família tenha direito a uma cisterna de placas na sua porta. Roselita Vitor, do STR Remígio, encerrou reafirmando o compromisso do Sindicato com a luta pelas cisternas adequadas para o semiárido, testadas e aprovadas pelas famílias há mais de 10 anos: “o município de Remígio vai continuar construindo cisternas de placas, vamos fazer um levantamento preciso de quantas famílias ainda não tem, peço que quem está nessa situação, nos procure para seguirmos lutando pelo nosso acesso a água, como um direito de todas e todos”, finalizou.
Eventos como este estão acontecendo em diversos municípios do Polo da Borborema, a exemplo de Esperança, que realizou uma assembleia com esse tema no dia 10 de outubro. As próximas discussões agendadas acontecerão nos municípios de Lagoa Seca, no dia 28 de outubro e Solânea, no dia 30, além de outras cidades que estão preparando uma data para a realização desse debate.
Leia o panfleto elaborado pelo Polo da Borborema sobre os dois modelos de cisternas