Anunciando a agroecologia como estratégia de enfrentamento ao agronegócio, na sua dimensão rural e urbana, a Caravana Agroecológica e Cultural do Rio de Janeiro percorreu entre os dias 19 e 21 de novembro diferentes experiências agroecológicas e de luta pelo território contra as injustiças socioambientais.
A Caravana teve início com um ato no Píer de Guaratiba, Zona Oeste do Rio, sinalizando um importante processo de enfrentamento das comunidades locais contra os complexos industriais instalados na região da Baía de Sepetiba. Um colorido cortejo reuniu as comunidades atingidas pela TKCSA, dando voz ao enfrentamento das diversas famílias, e foi composto por pescadores atingidos pela siderúrgica, crianças envolvidas com projetos socioambientais da região, agricultoras e agricultores, estudantes e demais representantes de movimentos sociais e dos diversos núcleos da Articulação Estadual de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ).
“Saúde boa para todos / Eu sei que eu posso / Os alimentos são nossa riqueza/ Se tu não tem cultura / Não vem me falar de agricultura”. Esse é um dos trechos do rap cantado por Yorah Carlos, jovem de 15 anos, morador de Campo Grande e participante do Projovem. Ele foi uma das diversas vozes ouvidas na abertura da Caravana. Sua música, assim como as emocionadas falas dos moradores locais, ressaltam a importância da questão agroecológica na região.
Ainda no primeiro dia (19), o quintal de Dona Leda Monteiro foi visitado. Ela cita alguns nomes de medicamentos que são substituídos pelas plantas medicinais do seu quintal e que contemplam as diversas necessidades e situações de enfermidades. Caminhando por seu quintal, ela aponta: “As pessoas nem têm dinheiro, mas vão à farmácia comprar remédio. Mas até mertiolate eu tenho aqui”. Dona Leda mostra as possibilidades da agricultura urbana no município que passam despercebidos aos olhos do poder público municipal.
Bernardete Montesano, da Rede Carioca de Agricultura Urbana, explica o objetivo da Caravana: “Queremos comunicar que nessa cidade existe agricultura.” Segundo ela, o próprio Plano Diretor extinguiu as zonas rurais do município. Isso significa que a prefeitura não leva em conta os agricultores, que ficam sujeitos ao pagamento de impostos urbanos, como o IPTU. O percurso dos caravaneiros em Guaratiba se encerrou na visita às experiências desenvolvidas por crianças e jovens que foram o tema gerador da roda de conversa sobre os limites e potencialidades da Política Nacional de Alimentação Escolar.
No segundo dia, a Caravana desembarcou na Vila Autódromo, comunidade localizada no bairro de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde cerca de 500 famílias estão ameaçadas de remoção. A prefeitura alega necessidade de retirá-las para executar obras a favor da mobilidade urbana. Mas um plano popular feito em parceria com as universidades UFRJ e UFF pela comunidade mostra que não é necessária a remoção dessas famílias. Qual o motivo então? “Querem especular. A nossa terra vale muito. Por isso, passam por cima da justiça, do direito à moradia e à terra, já que a comunidade está no local há 40 anos”, diz Altair, liderança da Vila Autódromo. O percurso pela Vila Autódromo se encerrou com canções e poemas que marcam a força das famílias que permanecem lutando por seus direitos. Na letra Baião das Comunidades, de Zé Vicente, as expressões de esperança e articulação comunitária ficam claras: “Vou convidar meus irmãos, trabalhadores, operários, lavradores, biscateiros e outros mais. E, juntos, vamos celebrar a confiança, nossa luta na esperança de ter terra, pão e paz”.
A Caravana seguiu para o Largo de Vargem Grande onde uma comissão local recebeu o grupo com a praça repleta de cartazes, folhetos, alimentos, barracas e outros elementos que marcavam a diversidade de experiências vividas na Zona Oeste. Lideranças locais, agricultores e agricultoras do Maciço da Pedra Branca expressaram os conflitos e a riqueza das experiências mantidas pelos grupos. O núcleo da Rede Ecológica de Vargem Grande esteve presente reforçando a importância do diálogo entre a produção de alimentos saudáveis e os consumidores.
O dia se estendeu na comunidade remanescente de quilombo “Astrogilda”, onde os caravaneiros e caravaneiras puderam saborear um delicioso almoço feito com produtos agroecológicos dos agricultores e agricultoras da região. Em seguida, uma roda de capoeira deu início ao evento cultural do dia de Zumbi, que marca a luta pela igualdade racial. Na visita aos quintais produtivos que mantêm a produção de alimentos agroecológicos com respeito à mata atlântica, músicas e intercâmbios com a comunidade local foram as principais atividades que marcaram a troca de saberes e práticas da Caravana nessa região.
O último dia da Caravana começou logo cedo, com uma roda de conversa no Assentamento de Campo Alegre, uma das primeiras ocupações do Estado do Rio de Janeiro e um território de bastante expressão na luta pela terra e pela Reforma Agrária. Débora Figueira, assentada e uma das articuladoras do centro cultural do assentamento, falou sobre as diversas experiências que estão sendo desenvolvidas em parceria com o Coletivo Jovem Autonomia e demais grupos, buscando fortalecer a agroecologia e promover o papel do jovem.
A Caravana seguiu para a Feira da Roça de Nova Iguaçu, mais um espaço em conflito no município de Nova Iguaçu. Para Sônia Ferreira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), “a Feira garante um espaço de diálogo com a sociedade, mostrando que é possível e necessário construir estratégias que nos libertem do modelo convencional”.
O dia se encerrou na comunidade de Marapicu, onde as famílias começaram a se organizar em torno de um caráter produtivo agroecológico, participando da Escolinha Agroecológica, no início dos anos 2000. A história do Assentamento Marapicu remonta às lutas pela terra no município de Nova Iguaçu na década de 1980. Tendo passado por diversas mudanças, o Plano Diretor do município deixou de reconhecer as áreas rurais no município para, após alguns anos e muitas reivindicações, ter retornado na delimitação destas. No assentamento, o lote de Seu Israel e de Seu Domingos foram visitados explorando as práticas agroecológicas de manejo do solo e implementação de Sistemas Agroflorestais (SAFs), entre outras experiências mantidas pelas famílias. O almoço do terceiro dia reforçou ainda mais o princípio de toda a Caravana: promover ao máximo a alimentação agroecológica proveniente dos próprios territórios visitados.
Uma roda de avaliação foi marcada por depoimentos dos participantes que celebraram as conquistas da Caravana na troca de experiências, por meio da visibilização dos conflitos, do fortalecimento da parceria entre o movimento de pescadores e dos agricultores, e apontou os desafios ainda postos para o fortalecimento do processo do Estado do Rio de Janeiro, como o envolvimento de mais agricultores e a articulação de outras regiões.
Vale reforçar o papel da Caravana no adensamento de uma rede de comunicadores populares do Rio de Janeiro em torno da pauta da agroecologia. Diversos olhares e registros seguiram com o grupo da Caravana ao longo dos três dias e prosseguem na sistematização das experiências e mobilização rumo ao III ENA.
A Caravana Cultural e Agroecológica do Rio de Janeiro aconteceu dentro do processo preparatório ao III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) que será realizado em maio de 2014 pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) em Juazeiro, na Bahia.
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